E pensar que esta tarde estive a revelar as promiscuidades do Dr. Filipe Froes e mais as suas 324 colaborações com farmacêuticas desde 2013 e os 453.635,37 euros arrecadados, fora eventuais prebendas não declaradas no Portal da Transparência do Infarmed… e eis-me aqui, agora, no Estádio da Luz, para assistir ao primeiro jogo em casa do Benfica no campeonato de futebol da época da graça de 2023 e 2024. Numa varanda com boa vista.
(Chiça: boa vista faz lembrar Boavista e a aziaga segunda-feira passada)
Meto-me em tortuosos caminhos, seguindo por estes trilhos, quando os que tinha espinhosos já eram. Não exageremos. Meto-me porque quero. Ou sou impelido por certas forças, que não já as minhas. Enfim, “de um abismo ressoa para outro abismo o fragor das tuas cascatas; todas as tuas vagas e torrentes passaram sobre mim.”
Exagero, mais uma vez. Sempre assim sucederá, prometo, daqui de onde vos escrevo: da Varanda do Benfica, ou da Varanda da Luz – logo me decidirei até ao fim do jogo. Se calhar intercalo. Ou calo-me.
(entretanto, muito calmo, por aqui. Em 15 minutos, um livre do turco Köckü contra a barreira… e estava eu a escrever isto e quase marcava o Rafa, para grande defesa do guarda-redes do Estrela… e a seguir um remate bem esgalhado de… acho eu, João Neves, ligeiramente ao lado… continuemos…)
Portanto, tirando a impossibilidade de exagerar no resultado – que, por aí, terei de ser rigoroso, e isto por agora está num inquietante nulo –, servirá esta primeira crónica para, airosamente, com alguma aisance, assim espero, justificar aquilo que estou para aqui fazendo. E, ainda por cima, escrevendo. E prometendo repetir in saecula saeculorum.
Primeiro, estou tentando juntar o útil ao agradável, não sabendo bem qual a parte da utilidade e a parte da agradabilidade – e isto, assumindo, por antecipação, que algum proveito e prazer daqui virá. Exige-me o corpo e a mente sair dos árduos labores das investigações jornalísticas, das burocracias, das arrelias, embora temperadas pelos apoios dos leitores (dá-lhes já graxa), e dessa sorte me pareceu ideia acertada aproveitar-me do estatuto de jornalista e sacar uma acreditação que, mais do que poupar dinheiro, me poupa tempo, porquanto o pedido de acreditação se faz em segundos, o levantamento da acreditação num ápice é, e depois um passeio de cão por vinha vindimada até à tribuna de imprensa – e ainda mais com direito a lanche de reforço. Um figo. Quer dizer, o sumo é de pêssego.
(até porque, neste ínterim, se acumulam oportunidades para o Benfica; temo que o golo surja… ou não… já se escafederam 35 minutos e a asa do cântaro dos homens da Amadora [não lhes chamemos da Porcalhota, à antiga, mesmo se usando nesta narração, um estilo barroco] anda não se escaqueirou na fonte)
Segundo, tenho o ensejo de me armar em cronista de banalidades e coisas fúteis nesta aventura pela crónica futebolística. Concretizo: não percebo grande coisa de tácticas – embora seja curioso das minudências dos intérpretes da bola (e, portanto, seguirei a novela da bernarda entre o Schmidt e o Vlachodimos, com a mesma curiosidade com que acompanhei os efeitos da birra do Sérgio Conceição) –, e nem se justificaria um relato de um jogo específico (ainda mais do meu clube) num jornal independente que anda por outros campeonatos e em outras modalidades. Portanto, isto será uma espécie de crónica à la Nelson Rodrigues, mas sem os conhecimentos do dito, sem o sotaque do dito e, provavelmente, sem a qualidade do dito – conquanto me divirta e me faça espairecer.
(e temos o intervalo)
Terceiro, tenho, perante o meu olhar – ou melhor, sou eu o observado –, a crítica inquisitiva de alguns leitores, que, prevejo já, me podem – e muito justamente – acusar de uma reles parceria comercial, sendo certo que, esses, enfim, só poderão ser uns lagartos invejosos e ou ciumentos tripeiros.
(ai Jesus! Não… não é o do Al Hilal. É mesmo o do Céu: pênalti contra o Benfica… revertido pelo VAR. Ah, sportinguistas!: este VAR “pia” diferente; funciona bem…)
Mas, continuando – e mesmo se brincando –, tenho consciência da existência de um conflito de interesses. Podendo, como jornalista, escrever em qualquer estádio, por que motivo escolho eu logo o Estádio da Luz? Caramba, desculpem-me o pecadilho: é pelas vistas; também não me podem exigir clausura integral e absoluta imaculidade.
(além disso, escrever aqui é um teste aos nervos, sobretudo se, como no jogo desta noite, o Benfica pensa que se ganha pelas oportunidades – e não pelos golos… e entretanto: GOLOOOOOO. Golo do Casper Tengstedt [como se pronuncia mesmo o nome deste dinamarquês?])
Mesmo assim, e pelas tosses e prevenções, fiz já o trabalho de casa, e fui ler a Deliberação ERC/2023/266, divulgada este mês, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, sobre a renovação da licença da BenficaTV à cata de qualquer irregularidade grave para propagar aos sete ventos no PÁGINA UM. Mas daqui não consegui sacar o “alvará” da minha independência perante a dependência (desde a infância) clubística: a ERC escreve, na dita deliberação, que “em conclusão e face ao exposto considera-se que o operador Benfica TV, S.A., tem tido um desempenho, ao longo dos quinze anos de exercício de atividade, conformado e consentâneo com o normativo legal aplicável, sendo de conferir deferimento ao pedido de renovação da autorização para o exercício da atividade de televisão através do serviço de programas BTV 1”. Má, mas mesmo má, foi a recente avaliação à CMTV, similar no objectivo, feita pela mesma ERC. Estive a ler aquilo e ainda pensei que cassavam a licença à Cofina.
(o estádio está mais aliviado; estranho jogo, que poderia ter dado para uma cabazada das antigas, e acaba numa coisa poucochinha)
Mas deixemos o regulador em paz, cujos membros merecem terminar o mandato em tranquilidade. Em todo o caso, escrevi-lhes ontem…
(e para fechar, parecendo coisa fácil, já nos descontos [que são agora à dúzia, os minutos] um golo de belo efeito de Rafa, com um ainda mais belo movimento e passe de David Neres… e logo a seguir, depois da reposição, quase seguia outro; bola ao poste esquerdo, remate do Rafa. Ó Rafa, os outros tipos querem ir a banhos e agora é que metes o gás todo?)
Em todo o caso, ó Rui Costa, reparei, entretanto, que as entidades responsáveis pela Benfica TV (como registo da ERC nº 523392), pela BNews (com registo da ERC nº 127919) e pel’O Benfica (com o número de registo da ERC nº 101759) não preencheram ainda os indicadores financeiros e económicos no Portal da Transparência dos Media relativos ao ano passado. Os que lá estão vão até 2021. E sabes quem é o responsável máximo desta lacuna, não sabes?… Claro!
Mas não te apoquentes em demasia: no teu campeonato há iguais e piores. A Avenida dos Aliados, do Porto Canal (vulgo, canal do FCP, com o registo da ERC nº 523388), também não entregou os dados económicos do ano passado. O jornal do Sporting (com registo da ERC nº 100313) não entrega contas na ERC desde 2019. Salva-se a empresa da Sporting TV (com registo da ERC nº 523408), que tem as contas em dia no regulador. E descansa que há pior onde nem seria de supor: nas empresas de media… e algumas até devem milhões ao Fisco…
(fim do jogo: Benfica ganha por 2 a 0; talvez a parte mais interessante da primeira crónica de uma colecção cuja ideia “nasceu” quando o Benfica, na passada segunda-feira, ganhava ao intervalo ao Boavista…)
Enfim, e com isto o estádio esvazia, e eu vou ter de me pôr na alheta. Só mais uns acertos. Não sei como me saí. Se mal me saí hoje, tentarei melhorar na próxima. Se não se endireitar – enfim, considerem isto como terapêutico: para mim, claro.
Queiram, portanto, leitores benévolos (ou beneméritos, que melhores serão), abrir as vossas piedosas portas da compreensão e acender a lâmpada da vossa paciência, para que a minha saúde melhore com a escrita destas crónicas, enquanto vejo futebol. E se não fizer bem à saúde (prevejo que o Benfica vai ter um campeonato trémulo), pelo menos que o meu ego se exalte, que arredado anda de carícias literárias.
Ah, e decidi-me por Da Varanda da Luz. É título mais esotérico.
E reparo que nem sequer tive tempo para comentar as incidências dos meus colegas de carteira, sobretudo o do lado esquerdo, muito compenetrado no relato para uma rádio (local, presumo…). Inveja: ele parecia conhecer todos os jogadores. Ou, pelo menos, inventou com convicção. E sem gaguejos.
Entretanto, lá em baixo, treinam os jogadores do Benfica que não entraram, as bancadas estão vazias, tirando dois ou três jornalistas, enquanto na televisão os treinadores palram. Esta vida não me parece má de todo. Talvez regresse mesmo daqui a duas semanas. Acho que será contra o Vitória de Guimarães. Qualquer um servirá para este desiderato…