investigação do página um apanhou mentiras de dois grandes grupos de media ao regulador

Dona do DN e JN corrige dados na ERC mas continua a esconder dívida ao Estado de 10 milhões de euros

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por Pedro Almeida Vieira // Agosto 23, 2023


Categoria: Imprensa

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É um jogo do rato e do gato. O grupo Global Media, liderado por Marco Galinha, que detém o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias, corrigiu os dados económicos que omitira no Portal da Transparência dos Media, mas continua a esconder dívidas de 10 milhões de euros ao Estado. Mas os novos indicadores mostram que a situação financeira é mesmo extremamente frágil. A “confissão” (parcial) da Global Media junta-se à da Trust in News, que acabou por assumir, depois de uma investigação do PÁGINA UM, que deve mesmo 11,4 milhões de euros ao Fisco. Nada que apoquente o dono da Visão e de outros 16 títulos da imprensa nacional: o empresário Luís Delgado (que só empatou 10 mil euros na Trust in News) está, neste momento, na Ucrânia a convite de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma liberalidade presidencial justificada, certamente, pelos bons serviços.


É mais uma prova da falta de vigilância e fiscalização preventiva da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC): nas últimas duas semanas, a Global Media é o segundo grupo de media, depois da Trust in News – dona da Visão e de mais 16 títulos –, a corrigir dados económicos no Portal da Transparência dos Media. Porém, o grupo liderado por Marco Galinha – que detém o Jornal de Notícias, Diário de Notícias e outros órgãos de comunicação social, incluindo a rádio TSF – continua a querer esconder a existência de uma colossal dívida de 10 milhões de euros ao Estado, perante o cúmplice silêncio de Fernando Medina, ministro das Finanças, que se mantém em silêncio sem explicar a base legal para esta situação.

Pela consulta ao Portal da Transparência dos Media, feita hoje pelo PÁGINA UM, mostra-se evidente que houve acrescentos relevantes. A Global Media assume agora, perante a ERC, que 21,15% do seu passivo é detido pela empresa Páginas Civilizadas – uma das suas sócias. Em termos absolutos, esse passivo representa um montante de 11,6 milhões de euros de dívidas da empresa aos seus sócios. Como a parte dos empréstimos dos sócios no passivo total atingia, no final de 2022, um montante de 14,7 milhões, significa que 3,1 milhões de euros é relativo a sócios não identificados. Como o Portal da Transparência apenas exige que sejam identificados os detentores do passivo acima de 10%, a Global Media está isenta de fazer essa declaração.

Marco Galinha, líder da Global Media, continua sem assumir dívida ao Estado, bem patente no balanço, mas novos dados indicados ao regulador mostram uma muito débil situação económica e financeira.

Mas como o grupo de Marco Galinha não corrigiu ainda as declarações de 2021 – que, claramente não correspondem à verdade, se confrontados com as demonstrações financeiras desse ano – continua-se sem saber quais dos sócios teve direito a uma devolução de empréstimo da ordem dos 7 milhões de euros. Recorde-se que, como revelou o PÁGINA UM no dia 4 do presente mês, a Global Media aumentou no ano passado a dívida ao Estado em mais de 7,1 milhões de euros face a 2021, desviando esse dinheiro, que se deveria destinar aos cofres públicos, para reembolsar empréstimos aos seus sócios, entre os quais se encontra o empresário Marco Galinha.

De acordo com a análise à evolução financeira deste grupo de media – que estará, entretanto, a tentar vender as participações de 45,7% da Agência Lusa, detida maioritariamente (50,4% pelo Estado) –, a dívida estatal aumentou de 2.905.183 euros em 2021 para 10.038.481 euros no ano passado. Em anos anteriores, entre 2017 e 2021, o montante das dívidas ao Estado situava-se entre os 2,9 milhões e os 3,6 milhões de euros.

Ora, e é exactamente o montante de 10.038.481 euros de dívidas ao Estado inscrito do passivo de balanço de 2022 – que deverão ser inteiramente fiscais – que continuam sem ser reconhecidas pela Global Media, mantendo-se ausente no Portal da Transparência dos Media. Como o passivo total do grupo atingia, no final do ano passado, os 54.529.482 euros, as dívidas ao Estado atingirão 18,29% do total, ou seja, claramente acima dos 10%. Por isso, se forem apenas dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira – ou se o montante especificamente a esta entidade for superior a 5,5 milhões de euros –, a Global Media continua a omitir um facto relevante.

Declarações da Global Media no Portal da Transparência dos Media relativas ao ano de 2022 no início deste mês (à esquerda), antes das revelações do PÁGINA UM, e hoje (à direita).

Além do empréstimo à Páginas Civilizadas, a Global Media inscreveu agora também no Portal da Transparência uma dívida à Naveprinter que atingiria no ano passado os 7,1 milhões de euros, correspondentes a 12,99% do passivo. Esta empresa é a gráfica que imprime o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo, Vida Económica, Correio do Minho e outros títulos de âmbito regional – e, na verdade, é detida pela própria Global Media. Esta nova informação reforça ainda mais a ideia de elevada debilidade financeira do grupo de Marco Galinha, porque em contas consolidadas o activo reduz-se ainda mais.

De facto, os activos da Global Media estão a ser “suportados” por uma dúvida ao Estado de 10 milhões de euros, por empréstimos de sócios de 14,7 milhões e por uma dívida a uma gráfica do grupo de 7,1 milhões de euros. Ora, isso representa um pouco mais de metade dos 60,5 milhões de euros de activo do grupo, dos quais 30 milhões são goodwill – que não é, propriamente, em empresas de media, um activo contabilizado a preço justo.

Tanto sobre este caso da Global Media como sobre a situação similar da Trust in News – que, após as revelações do PÁGINA UM, acabou por assumir as dívidas fiscais no Portal da Transparência no valor de 11,4 milhões de euros –, a ERC disse ontem ao PÁGINA UM que, “anualmente, procede à verificação da informação comunicada em cumprimento do regime jurídico da transparência”, mas que “por motivos operativos, esta verificação é iniciada findos os prazos legais para a transmissão dos fluxos financeiros anuais, a 30 de junho, e numa base de amostragem.”

Luís Delgado assumiu que a sua empresa de 10 mil euros de capital social tem uma dívida ao Fisco de 11,4 milhões de euros. Semanas depois recebeu um convite de Marcelo Rebelo de Sousa para acompanhar a restrita comitiva presidencial à Ucrânia como empresário dos media de sucesso.

O regulador acrescenta ainda “que a inserção da informação correta e fidedigna é da responsabilidade de cada regulado e a ausência ou incorreção na comunicação são passíveis de responsabilidade contraordenacional”, pelo que “todos os casos desconformes detetados pela ERC são naturalmente objeto de averiguação, respeitando os procedimentos legais”. Ou seja, embora não revele taxativamente, deverá já estar a decorrer processos de contra-ordenação por falsas declarações dos grupos de Marco Galinha e de Luís Delgado.

Nada, porém, que previsivelmente modifique o status quo de impunidade dos media mainstream em Portugal. Por exemplo, Luís Delgado – o empresário que com um capital social de 10 mil euros consegue serenamente atingir 11,4 milhões de euros de dívida fiscal – até integra a restrita comitiva presidencial à Ucrânia, a convite pessoal de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma liberalidade presidencial certamente com justificação.

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