Empresa intermunicipal, que vive de subsídios de exploração, não explica se deu borlas ao Patriarcado de Lisboa

JMJ: Peregrinos pagaram transporte, mas Ministério do Ambiente ainda deu 3,3 milhões de euros aos operadores

por Pedro Almeida Vieira // Agosto 24, 2023


Categoria: Exame

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No acto da inscrição para a Jornada Mundial da Juventude, houve 354 mil peregrinos que pagaram ao Patriarcado de Lisboa verbas que incluíam um kit de transporte, e quem preparou os seus próprios percursos pagou os bilhetes do seu bolso. Mas ninguém explica agora se o Patriarcado pagou algum serviço ou se antes encaixou as verbas nos seus cofres; e nem se sabe se os operadores suportaram algum custo adicional. Só se sabe, sim, que um simples despacho do ministro Duarte Cordeiro mandou o orçamento do Fundo Ambiental às malvas e determinou que se concedesse um subsídio à empresa intermunicipal TML de até 3,3 milhões de euros. Mas esta empresa pública, que sobrevive de subsídios à exploração e já apresenta indicadores que podem levar à sua dissolução em breve, também ainda não deu sinal de si sobre esta matéria. Nem ao próprio Ministério do Ambiente. O apoio estatal concedido é superior ao custo do polémico altar-palco.


No âmbito da Jornada Mundial da Juventude, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, autorizou a transferência de 3,3 milhões de euros do Fundo Ambiental para a empresa pública TML – Transportes Metropolitanos de Lisboa, mas ninguém diz, em concreto, para que serviu nem qual a justificação.

A TML é uma empresa pública, criada em 2021 no seio das 18 autarquias Área Metropolitana de Lisboa (AML), com atribuições no planeamento e gestão de bilhética, como o Cartão Viva, funções antes atribuídas à OTLIS. Apesar de no ano passado, primeiro em pleno funcionamento, ter alcançado a venda de 15,6 milhões de euros, mostra, desde já, uma situação completamente deficitária, não tendo registado prejuízos colossais apenas porque sobretudo a AML lhe injectou 20 milhões de euros de subsídios de exploração.

Altar-palco foi palco de polémica e baixou de 4,2 milhões para 2,9 milhões de euros. Apoio do Fundo Ambiental para transportes, que foram pagos pelos peregrinos, foi superior.

O montante máximo a atribuir (3,3 milhões de euros) pelo Ministério do Ambiente decorre de um despacho de Duarte Cordeiro, publicado no final de Julho, que decidiu usar as verbas do Fundo Ambiental para, “mediante protocolo de colaboração técnica e financeira a celebrar” com a TML “para apoiar a aquisição de títulos de transporte público para os peregrinos que participam na Jornada Mundial da Juventude 2023”.

A atribuição da verba do Fundo Ambiental – um milionário fundo com receitas previstas este ano de 1,2 mil milhões, metade dos quais dos leilões das licenças de emissões de dióxido de carbono (CELE) – foi feito à margem do orçamento de 2023 aprovado pelo próprio Duarte Cordeiro em Março deste ano, que determinava que o destino das verbas só poderia ser revisto “caso a execução orçamental da receita apresente variações significativas face às receitas previstas ou perante eventuais alterações significativas à execução orçamental de compromissos assumidos.”

Porém, Duarte Cordeiro invocou uma cláusula de excepção do diploma que criou o Fundo Ambiental em 2016 que permite apoios pontuais por decisão do “membro do Governo responsável pela área do ambiente e da ação climática” quando se considerar que beneficia “a intervenções urgentes ou de especial relevância”. E o ministro do Ambiente assim fez, por considerar que se justificava
“o apoio à disponibilização de títulos de transporte intermodais específicos para os peregrinos da JMJ, como forma de induzir e facilitar a opção de deslocações em transporte público, em detrimento de outras formas de mobilidade mais poluentes e penalizadoras do ambiente.”

Duarte Cordeiro gere o Fundo Ambiental com um orçamento anual de 1,2 mil milhões de euros. Por simples despacho, pôde contrariar o orçamento do multimilionário fundo e atribuir 3,3 milhões de euros para apoiar uma empresa deficitária, sem justificação fundamentada.

Porém, a justificação para esta operação de financiamento à TML não encaixa na realidade, porque os peregrinos que se inscreveram na Jornada Mundial da Juventude tiveram de pagar o transporte, que estava incluído explicitamente como contrapartida. Recorde-se que nos Pacotes Peregrinos, a Fundação JMJ Lisboa 2023 – criada pelo Patriarcado de Lisboa para a organização do evento que contou com a presença do Papa Francisco – estabeleceu diferentes valores de inscrições, desde os 95 até aos 255 euros, todos incluindo kits de transporte.

Pressupondo que uma parte das avultadas receitas do Patriarcado de Lisboa pelas cerca de 354 mil inscrições de peregrinos se destinaria, em princípio, para também custear passes de transportes, o PÁGINA UM questionou por duas vezes a Fundação JMJ para saber se houve algum pagamento de serviços, ou algum desconto pelos passes durante a Jornada Mundial da Juventude, quer à TML quer a outro qualquer operador, como a Carris e Metropolitano de Lisboa. Porém, do Patriarcado de Lisboa só veio silêncio – e, por agora, só Deus saberá a resposta…

Ou também a administração da TML – mas esta também não respondeu aos pedidos de informação do PÁGINA UM sobre o protocolo de colaboração técnica e financeiro previsto, nem deu explicações para o recebimento do apoio do Fundo Ambiental sabendo-se que, em princípio, os peregrinos pagaram o transporte no acto da sua inscrição.

Houve 354 mil peregrinos que pagaram inscrição, que incluía kit de transporte. Os restantes tiveram que pagar bilhete nos transportes. TML não explica se recebeu dinheiro do Patriarcado de Lisboa ou se teve suportar algum custo que não teve retorno financeiro positivo.

Apenas o Ministério do Ambiente, através do gabinete de imprensa de Duarte Cordeiro reagiu, embora ao estilo de Pôncio Pilatos, dizendo que aguardam que a “TML comunique o número de títulos usados para poder contabilizar o montante do Fundo Ambiental que será efetivamente necessário mobilizar, nos termos referido no despacho”, acrescentando, porém, que “o valor que a TML receberá será repartido pelos operadores da área metropolitana de Lisboa que aderiram, consoante o número de validações”, incluindo “a Carris e o Metropolitano de Lisboa”.  

Na nota enviada pelo Ministério do Ambiente ao PÁGINA UM não surge qualquer referência sobre a noticiada comparticipação de 40% por parte do Governo aos passes dos peregrinos, através de um suposto acordo com a Fundação JMJ.

Em suma, cerca de um mês após o despacho governamental, ignora-se se o dinheiro recebido dos peregrinos pela Fundação JMJ acabaram no bolso da Patriarcado de Lisboa, e se os 3,3 milhões de euros não são mais um dos contínuo subsídios à exploração de uma empresa pública, nascida há apenas dois anos, que já está deficitária.

A TML gere, entre outros títulos, o passe Navegante dos transportes públicos da Área Metropolitana de Lisboa. No ano passado, as receitas de prestação de serviços só cobriram 44% dos custos. Resultado: sobrevive de subsídios de exploração para pagar sobretudo contratos externos e salários de 72 funcionários.

De facto, mostra-se surpreendente constatar, através do relatório e contas de 2022, que a TML, para obter no ano passado vendas de 15,6 milhões de euros, teve de contratar serviços externos no valor de quase 31,4 milhões de euros – sendo 27,7 milhões em subcontratos –, além de arcar gastos com pessoal da ordem dos 3 milhões de euros. Em média, o salário bruto dos 72 empregados aproxima-se dos 3.000 euros mensais. E os três administradores custaram ao erário público, em dois anos (2021 e 2022) quase 456 mil euros.  

No recente relatório e contas, a administração da TML até já alerta para o incumprimento de indicadores estabelecidos por um diploma de 2012 relativo à actividade empresarial de municípios. Essa legislação obriga que as empresas municipais sejam extintas se, por exemplo, as vendas e prestações de serviços realizados durante os últimos três anos não cubram, pelo menos, 50% dos gastos totais dos respetivos exercícios, ou se o resultado líquido for negativo durante três anos. A continuar esta situação financeira, se os municípios retirarem parte dos subsídios à exploração, os prejuízos contabilísticos disparam.

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