Aquilo que aconteceu em Loures, no Hospital Beatriz Ângelo, está a acontecer no país inteiro: doentes esperam horas em Urgências, cada vez em menor número, para encontrar soluções que careciam de camas, cada vez em menor número, com patologias cada vez mais difíceis de estabilizar sem internamentos.
Também me recordo da decisão do Partido Socialista (PS) de reverter aquela parceria público-privada (PPP) convertendo a casa num problema, onde antes não existia. Também é verdade que aquilo que se passou está directamente relacionado com a idade/saúde dos doentes: pessoas de 95 anos não têm, neste país, um envelhecimento saudável e muitas estão gravemente doentes, e portanto é normal que possam morrer a qualquer momento.
A esperança média de vida dos homens portugueses ronda os 80 anos. Anormal é não morrer a partir dessa idade. Anormal é pensar que vamos viver eternamente. Anormal é não se aconchegar quem sofre. Anormal é não se evitar transferências de doentes devido à área de residência. Se morresse onde aportou doente, sendo atendido com brevidade, nada era escandaloso nem enchia noticiários.
Depois há um bombeiro a incendiar os telejornais, porque não usaram as suas capacidades. Uma pessoa da saúde que se lança nos meios de comunicação para demonstrar as suas convicções, devia ter caminho rápido para a rua do seu trabalho, note-se bem, pago pelo Estado. Portanto, temos uma política de saúde que conduz a mortes nos hospitais e às portas destes. Mas votámos em maioria quem já governa há oito anos ainda a falar do Passos Coelho.
A opção de encerrar para poupar dinheiro foi uma escolha escolar, uma opção de ministros e de políticos que não compreendem o país dos 650 euros por mês. Ninguém consegue sobreviver sozinho com salários indignos que se perpetuam para garantir os erros políticos, como seja:
1 – Fechar as centrais elétricas (seis mil milhões de euros);
2 – Manter a TAP (quatro mil milhões de euros);
3 – Encarniçar o apoio ao BES (talvez dez mil milhões de euros, se incluirmos PT, Banco Novo, etc.);
4 – Persistir com as perdas fiscais/económicas por termos um tribunal administrativo ineficiente e de prescrições garantidas (talvez mais de quinze mil milhões euros);
5 – A manutenção de milhares de lugares ineficientes na Função Publica (talvez outros cinco mil milhões de euros), através do subsídio de fundações falidas, entidades inadequadas e outros chupismos do grande odre que é o Estado;
6 – Perdas no IVA de empresas milionárias como a EDP (centenas de milhões de euros na venda das barragens;
7 – Perdões fiscais e indultos a grandes devedores do Estado;
8 – Ausência de políticas atractivas para as empresas que não querem pagar o IRC em Portugal (talvez mais de 20 mil milhões de euros).
No mês de Setembro, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra encerra a enfermaria F nos Covões e, portanto, vai reduzir dezasseis camas, juntando-se às mais de 200 que já se reduziram nos últimos 10 anos. Mas essas camas tinham ocupações zero? Não, estavam sempre cheias.
Portanto, isto é um F às pessoas.
É uma expressão, uma interjeição do poder sobre os doentes: que se F.
A política de converter a capacidade de trabalho dos profissionais de saúde em tibieza, em negligência forçada, em fio da navalha com altas precoces, adiamento de internamentos.
Tudo tem consequências e tudo acarreta dor e desconforto sobretudo ao grupo dos 650 euros. Onde vais tratar-te? Onde vais esperar pela vaga? Onde vais curar-te?
Vai-te F.
Diogo Cabrita é médico
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