Se entro e ainda está fresco, é doce o cheiro. Sinto a água, ainda no embrulho, recordações de infância trazem-me o barulho de lama, debaixo dos pés, gotas, soltas, sujas, terra, pó, areia.
Traço 1 para 4. Traço 1 para 2.
Existem números desenhados a branco, ali, no cimento. Não os vemos, mas eles estão lá (junto ao ferro), não os entendo, mas eles já se levantam (junto ao osso).
Nervuras de férreo metal, incrustadas com cimento, já petrificado; as mãos do teimoso que recusa as luvas, a pele a queimar. O cimento tudo come, come a água até de nós. E à medida que seca, na nervura do teu pescoço, endurece as circulações e impede o ar chegando à mente.
Em apneia (e a água por ele a ser bebida).
Cimento há em que lhe puseram conchas de mar, lá… sal, mais praia.
Cimento fica que começa a romper (fissurar), o estalo a percorrer o eixo à procura de uma água da juventude, que por mais voltas jamais regressa. Chegou ao fim.
O curioso mundo do cimento – e do betão, que se arma, que se armam em pedra, sem o ser. Não os entendo muito bem: são, para mim, construções de lama, com números brancos escondidos, e o senhor engenheiro a fazer troça de mim.
Mas é, afinal, uma caixa de madeira que o embrulha, para a existência, precisa da mãe-árvore para nascer.
Mas a talocha, o afago, a meiguice de emassar, até o nível soluçar a sua bolha, apenas quando o retiramos… aí, sim, sinto carinho; aí, sim, sinto escultura.
Que trabalho, que pesado, que suado.
Reboco. Fino, areado, delgado.
Reboco.
Andamos todos a emassar cimento, fissurado.
Mariana Santos Martins é arquitecta
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