REPÓRTER LX

Preguiça e desordem na Rua da Palma

aerial view of village houses

por Repórter LX // Agosto 31, 2023


Categoria: Opinião

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Quem conhece Lisboa dos anos 90 – e mais ainda antes dessa gloriosa época –, bem se recorda dos períodos áureos em que o automóvel era dono e senhor da cidade. O Terreiro do Paço era então um must, com D. José em cima do cavalo a contemplar o Tejo rodeado por Renault 5, Fiat Uno, Opel Corsa, Ford Escort, Peugeot 205. Citroen 2cv, Toyota Corolla, Seat Ibiza, Volkswagen Golf, e mais uns quantos.

Passeios – não havia. A bem dizer, havia, mas não era para peões, nem para cadeirinhas de bebés nem para velhinhos de bengalas ou andarilhos nem para turistas, que nem sequer sabiam onde ficava Portugal, ou se sabiam pensavam que era o Algarve e pouco mais.

Ciclovia do Martim Moniz até à Alameda, junto à esquadra da PSP ainda na Rua da Palma, antes do início da Avenida Almirante Reis. Fotografia tirada ontem às 16h11.

Enfim, as coisas mudaram. Os direitos dos peões e mais tarde dos ciclistas – que são sempre um automobilista em potência, sem carro, ora porque o estacionou ora por opção de vida ou sem ser opção – relevaram-se, e aos poucos também a autarquia alfacinha foi vendo que, bem vistas as coisas, poderia juntar o útil ao agradável: ordenar passeios e tráfego, onde se inclui a implantação de ciclovias, enquanto sacava uns cobres no estacionamento regulado.

Sabemos também que, enfim, é fácil concordar com medidas em que somos beneficiados, mas na hora do incómodo bem que gostaríamos que se aplicasse uma “excepçãozinha”: afinal, é porque é uma urgência porque se é filho de uma mãe doente; ou é porque é só um minutinho para descarregar isto ou aquilo; ou é porque “não estás a ver que estou a trabalhar, meu palhaço!”.

E, enfim, andámos ainda anos a fio até se acabar com as sistemáticas segundas filas de carros encostados – por exemplo, ali na Avenida da República – ou com os eléctricos parados, porque se tinha de aguardar pelo fim do cafezinho, quando não do almoço, de alguém que tinha ali parado o seu bólide só porque lhe dava jeito.

Em redor da 4ª esquadra da PSP existe um vasto espaço para estacionamento de veículos exclusivos para esta força policial. Um espaço para pelo menos quatro veículos estava vago quando o veículo em causa (ao fundo à direita) se encontrava estacionado na ciclovia. Fotografia tirada ontem às 16h16.

Para o fim deste regabofe não contaram apenas as leis, mas também a ordem. E a ordem, neste caso, é a polícia. Ou as polícias, digamos assim, que em Lisboa são a Polícia da Segurança Pública, a Polícia Municipal e, por extensão, os fiscais da “santa” EMEL.

O grande problema de haver tantas “policiais” para um teórico mesmo fim é que qualquer um pode sempre empurrar as (suas) falhas para o outro. Por exemplo, se sistematicamente veículos automóveis param em plena ciclovia da Rua da Palma e ao longo da Avenida Almirante Reis, sempre podemos lamentar que nem EMEL nem Polícia Municipal nem Polícia de Segurança Pública andam a fiscalizar direito nem aplicam sanções para desincentivar essa prática, que obriga os ciclistas a fazerem desnecessárias guinadas perigosas para o meio do tráfego automóvel.

Mas já não se pode lamentar quando é a própria Polícia de Segurança Pública, e mais concretamente a 4ª Esquadra de Lisboa, sita na Rua da Palma, que pespega uma longa carrinha em plena ciclovia – e vai, quem ali a deixou, que tem nome e função, candidamente à sua vida, enquanto 10 metros à frente está vago um longo espaço, exclusivo da Polícia de Segurança Pública, que até lhe daria até estacionar de frente. Teria era, chatice! de andar para traz uns 20 metros. Atravessar a estrada desde a ciclovia onde meteu a carrinha pareceu-lhe mais cómodo, certamente…

Perspectiva da zona da Rua da Palma com o espaço vago exclusivo dos veículos da PSP e ao fundo, em plena ciclovia, o veículo ilegalmente estacionado. O edifício rosa é a sede da 4ª esquadra da PSP. Fotografia tirada às 16h18.

Enfim, não estamos apenas perante um acto de preguiça, nem de desleixo nem de má conduta profissional nem de mau exemplo aos cidadãos.

Estamos sim defronte a um procedimento que envergonha, sobretudo porque se entrou na esquadra para pedir satisfações, se perguntou a um polícia a razão daquele proceder, e depois, vendo a reacção silenciosa e alheada, se recordou os motivos para o Padre António Vieira pregar aos peixes… E lá se saiu como se entrou: com o veículo policial em plena ciclovia e o espaço de estacionamento 20 metros à frente vago.

PAV


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