O pão é o alimento, por excelência, do português.
Lembro, na infância, o prazer que me dava assistir a todo o cerimonial da sua preparação.
As mulheres da casa, depois de lavarem as mãos com mil cuidados, preparavam a farinha, acrescentavam o fermento, água e sal, misturavam tudo, com as mãos, durante larguíssimos minutos.
Depois, na mesa de madeira, colocavam a massa que “sovavam” durante vários minutos até que a consideravam preparada.
Depois, davam-lhe o feitio que queriam. De um modo geral umas bolas de diversos tamanhos.
Antes de ir para o forno o pão era benzido.
As mulheres faziam, nele, o sinal da cruz e rezavam a Oração do Pão:
“São Mamede te levede, São Vicente te acrescente, São João te faça bom pão, a Virgem Nossa Senhora te deite a Santa Bênção.”
Nalguns locais, acrescentavam:
“Em louvor de São Gonçalo que não saia insosso nem salgado. Que Deus te acrescente que é para comer muita gente.”
Na maior parte das aldeias o pão era preparado em fornos comunitários sendo que cada família tinha o seu próprio dia para o cozer.
Só as casas ricas tinham o seu próprio forno a lenha onde eram, igualmente, preparados outros petiscos, como os assados.
Depois de pronto, o pão era guardado em arcas de madeira e dava para toda a semana.
Por incrível que possa parecer a qualidade até melhorava a cada dia que passava.
Para os cristãos o Pão é “o Corpo de Deus” e daí o imenso respeito que merecia, quer quando dele se falava quer no modo como era tratado, por todos, desde a infância.
Ao lado de cada prato, no início das refeições, havia sempre uma fatia de pão, que não podia ser cortado de qualquer maneira.
Como se dizia na altura, “comida sem pão, só no Inferno a dão”.
Se no fim sobrava um pouco, ou se algum bocado de pão caía ao chão, nunca, mas nunca, se deitaria fora sem, primeiro, lhe ser dado um beijo.
Ainda hoje, dezenas de anos passados, reconheço com humildade que sigo esses preceitos, mesmo sabendo que “este” pão nada tem a ver com aquele de que venho falando.
Hoje compramos um produto industrial que, por muito saboroso que pareça, quando sai do forno e é comido ainda quente, é intragável à tarde.
Só que, o verdadeiro apreciador do pão não o come enquanto quente.
“Pão quente, muito na mão e pouco no ventre” ou “Pão quente, nem a são nem a doente”.
Na verdade, o pão é insubstituível.
Não há tortas, bolos, croissants ou brioches que se lhe comparem.
Só em casos de total impossibilidade de o ter à disposição se deve recorrer a um desses sucedâneos.
Acabo por dar razão a Maria Antonieta, quando, ouvindo nos seus aposentos a manifestação de um povo esfomeado a pedir pão, terá perguntado:
“Tanto ruído por não terem pão? Porque não comem brioches?”
Não fosse a pergunta feita por ignorância (ou sobranceria) e até era justificada.
Não creio que tenha sido por isso que a decapitaram, mas…
De qualquer maneira, esta semana pensei no pão, que tenho à minha frente a todas as refeições, pela triste informação da contaminação de um dos meus preferidos: a broa de milho.
A Direcção-Geral de Saúde (DGS) e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) alertaram, no passado dia 10 de Agosto, a população para o não consumo da broa de milho nos distritos de Leiria (aquele onde moro), Santarém, Coimbra e Aveiro, por haver o risco de estar contaminada.
Segundo os especialistas todos aqueles que tivessem comido broa e sentissem sintomas de “secura da boca, alterações visuais, tonturas, confusão mental e diminuição da força muscular” deviam deslocar-se, de imediato às urgências “uma vez que estamos perante uma toxinfeção que ainda está a ser estudada, e tendo em conta que cada organismo é diferente de outro”.
(Esqueceram-se de dizer que deviam levar um lanchezinho para aguentaram as horas de espera até serem atendidos e que, obviamente, este não devia ter mais broa.)
Depois desse alerta, todavia, passaram-se semanas sem nunca mais se ouvir falar deste problema.
O que me levou a crer que tanto o pessoal da DGS como a da ASAE se teriam oferecido para, como cobaias, experimentarem algumas broas e tivessem ficado com tonturas e confusão mental, esquecendo o propósito do estudo.
Vieram, agora, dizer que o problema estava solucionado.
Na realidade, apesar do silêncio prolongado das autoridades, depois do comunicado de alerta para uma possível intoxicação em (e na) massa, continuei a ver muita gente a comprar broas em padarias e supermercados.
Eu, que não deixo de comer a minha ração do pão nosso de cada dia, também ia comendo algumas dessas broas, confesso.
Qual era o problema?
Mesmo que me calhasse uma das broas contaminadas ninguém estranharia o meu comportamento dado que os sintomas que me provocaria já os mostro no meu estado normal…
Vítor Ilharco é assessor
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