Três anos depois, ainda estamos, por aqui e por ali, a discutir a mesma coisa: o ódio ao Avante.
Para um povo que gosta de festa em geral, venha ela de onde vier, esta comichão com a rentrée do Partido Comunista Português é algo que me fascina.
Primeiro, foi a pandemia e o perigo de contágio na Quinta da Atalaia. Depois, foi a guerra e a fábula do apoio à Rússia.
Notem que eu até compreendo os gritos do Milhazes sobre o tema: ele, que durante algumas décadas andou esquecido a viver (e comer) à custa do regime que agora critica, precisa desta sua versão de Milhazes para continuar em antena. Parecendo que não, é mais confortável estar na antena da SIC do que numa cabana na Sibéria a traduzir as memórias do Estaline.
Agora vocês, leitores inteligentes e sem amarras, podem olhar para o Avante de uma forma mais prática e menos apaixonada.
Digam-me: que tipo de português não aprecia um bom festival gastronómico? Tasquinhas com diferentes sabores a preços económicos. Iguarias dos 18 distritos portugueses. A possibilidade de almoçar espetada em pau de louro (na zona da Madeira). Jantar uma carne de porco à alentejana (na zona de Beja). Um moscatel para abrir o apetite na casa de Setúbal. Uma queimada bem forte, lá para a madrugada, na Galiza, ali perto das tascas internacionais.
Portanto, se não gostam de música, livros, política, teatro ou actividades desportivas… podem ir lá só pelo comer.
Se gostam de música, normalmente o cartaz é interessante e distribui-se por mais do que um palco. Há uma orquestra com obras clássicas, há música popular, há rap, há metal, há rock, há músicas do mundo; enfim, o teu estilo passa ou passou por lá, certamente.
Depois de se ter “pedido”, no ano passado, que os artistas boicotassem a Festa do Avante, este ano o nosso Zé Milhazes foi mais comedido e pediu-lhes só que anunciassem, antes de cada actuação, se apoiavam a invasão da Ucrânia ou não. Reza a lenda que o bom do Zé exigiu aos Red Hot Chilli Peppers que declarassem o seu desagrado com o consumo de álcool pelos jovens, antes de actuarem no Super Bock, Super Rock.
Eu aprecio muito esta fábula do “se vais ao Avante, apoias a invasão da Ucrânia”. Desde logo porque tenho uma vida onde a pressão é uma constante e necessito de momentos de descontracção. A frase: “o PCP apoia a Rússia de Putin”, tem sido a minha favorita desde que aqueloutra do “são só 15 dias para achatar a curva” saiu de circulação.
Andava o sr. Putin a vender gás por toda a União Europeia e aos beijos com os principais líderes, e já o PCP escrevia contra as suas acções. Tal como no tempo de Iéltsin. Mas Milhazes, que andava nessa altura a fazer pela vida e que classificou em Junho, o regime de Putin como extrema-esquerda, não deve ter reparado de que lado ficou o PCP.
Continuando…
Vamos então assumir que também não ligam a música, e que a comida não vos puxa. Podem ir ver teatro ou até navegar perdidamente pela feira do livro. É certo que encontrarão por lá as obras do Manuel Tiago, mas, que diabo!, algum livro vos captará a atenção.
Se a literatura também não for a vossa praia, então é porque, em princípio, gostam de jogar à bola. Pois bem, formam uma equipa e entram nos torneios. No fim, bebem umas cervejinhas e, se ignorarem as camisolas do Che, até parece que estão na praia com os amigos.
Portanto e em resumo: há uma infinidade de razões para irem a uma festa, para lá da componente política, por esta reunir vários tipos de eventos num só local.
Dito isto, mas se vocês forem do tipo que não gosta de comer…
Ou se forem do tipo de terem pezinhos de chumbo para a dança…
Ou se forem do tipo de não querer jogar uma futebolada…
Ou se forem do tipo de desdenharem um copo…
Ou se forem do tipo de adormecer num teatro…
Ou se forem do tipo de nem estarem virados para bancas de livros…
Ou se forem do tipo de nem apreciarem um concerto…
Ou, enfim, se forem do tipo de nem sequer quererem estar na converseta entre amigos…
Então… vocês são só chatos, perdoem-me a revelação.
Mas, nesse caso, ainda há uma solução: fiquem em casa… a ver o Milhazes.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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