Mortalidade: Agosto de 2023 foi o segundo pior das últimas sete décadas

Casos de emergência e muita urgência hospitalar “dispararam” 29% em Agosto

por Pedro Almeida Vieira // Setembro 6, 2023


Categoria: Exame

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Não há muitos motivos para sorrir. O fluxo para todo o tipo de urgências hospitalares no Serviço Nacional de Saúde registou no mês de Agosto um crescimento de quase 20% face ao triénio anterior, que resultaram em mais quatro mil internamentos. Mas os casos mais graves, com pulseiras vermelha e laranja, contabilizaram valores ainda superiores (29%), que demonstram que os portugueses não andam bem de saúde. E alguns não recuperarão jamais. O último mês foi o segundo mais letal desde os anos 50, ultrapassado apenas por 2003. Mas agora não houve ondas de calor. Ministério da Saúde não comenta.


De forma inexplicável, o passado mês de Agosto foi o segundo mais mortífero desde 1951, de acordo com uma análise do PÁGINA UM aos dados do Instituto Nacional de Estatística, enquanto as urgências hospitalares contabilizaram crescimentos inesperados em comparação com os períodos homólogos anteriores. O Ministério da Saúde não comenta estes dados.

Apesar de ausência de ondas de calor em Portugal durante o mês passado – o fenómeno que ocorreu em vários países europeus neste Verão não atingiu território nacional –, os números de óbitos estiveram sempre acima do que seria expectável, tendo-se contabilizado, no total dos 31 dias de Agosto, 9.574 mortes. Para este mês, o valor mais elevado apenas se encontra em 2003 que, no decurso de uma onda de calor de mais de duas semanas, deixou um saldo total de 10.111 óbitos.

Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, foi dar sangue no dia 1 de Agosto, mas não explica motivos de acréscimo de mortes e do fluxo de urgência hospitalar durante esse mês.

Consultando os dados do INE desde 1951, e compilando os últimos registos diários do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), o Agosto de 2023 é o segundo pior, embora o terceiro consecutivo acima dos 9.000 óbitos: em 2021 contabilizaram-se 9.227 mortes e no ano passado 9.309 mortes. Saliente-se que antes de 1951 registaram-se alguns meses de Agosto mais mortíferos, mas nessa época a mortalidade no Verão estava sobretudo associado a doenças associadas à falta de higiene e problemas de saneamento que proliferavam com o aumento da temperatura na época de estio.

A evolução da mortalidade diária neste último Agosto confirma também que não foram as temperaturas elevadas a causa da mortalidade elevada, até porque, em abono da verdade, o Verão é a época do ano menos letal em Portugal.

Consultando os registos diários do Índice Icaro apenas se registaram, ao longo do último mês de Agosto, seis dias com valores acima de 0,2 e nenhum superior a 1, o que contrasta, por exemplo, com os nove dias acima de 0,2 que se contabilizaram no ano passado. Além disso, no mês passado houve dias com mortalidade superior a 300 óbitos mesmo quando o Índice Icaro estava a zero, o que é uma situação anómala.

Evolução da mortalidade total em Portugal no mês de Agosto desde 1951. Fonte: INE e SICO.

Aliás, a persistência de dias com óbitos acima de 300 foi a marca de Agosto passado, com 21 dias. No ano passado houve 15, em 2021 contabilizaram-se 14 e em 2020 contaram-se 11. Nos anos anteriores à pandemia, os registos do SICO mostram que eram bastante raros os dias que ultrapassavam os 300 óbitos: entre 2014 e 2019, o máximo foi de seis dias, e 2014 e 2015 nem sequer tiveram um.

O PÁGINA UM tentou saber, junto do Ministério da Saúde, se existe já alguma explicação para esta situação perfeitamente anómala, sendo certo que não existem evidências de estar a ocorrer um aumento da letalidade causada pelas novas variantes da covid-19. O site do OurWorldinData aponta para um registo de 44 óbitos para Portugal no mês de Agosto até ao dia 30.

Em todo o caso, apesar da habitual ausência de respostas do Ministério de Manuel Pizarro às perguntas do PÁGINA UM – que inclui nada dizer sobre o alegado estudo sobre o excesso de mortalidade nos anos da pandemia –, observou-se um significativo aumento da actividade hospitalar ao longo do mais recente mês.

De acordo com os registos da Monitorização Diária dos Serviços de Urgência, em Agosto de 2023 os hospitais do Serviço Nacional de Saúde tiveram 561.189 episódios de urgência, dos quais resultaram 40.498 internamentos. Este fluxo representa um aumento de 19% no número de atendimentos de urgência e uma subida de 12% nos internamentos.

Evolução do fluxo de episódios nas urgências hospitalares em Agosto no período entre 2020 e 2023. Fonte: ACSS. Análise: PÁGINA UM.

Mas a evolução ainda se mostra mais gravosa analisando a tipologia dos episódios através da triagem de Manchester. No recente mês de Agosto, registaram-se 1.717 episódios de pulseira vermelha (emergência) e 51.141 de pulseira laranja (muito urgente), um crescimento de 14% e 12%, respectivamente, face ao ano passado.

Se se comparar com o triénio 2020-2022, o crescimento de casos de emergência cresceu 27% e os de muita urgência quase 29%.

Saliente-se que, de acordo com o protocolo da triagem de Manchester, os casos emergentes (pulseira vermelha), com perigo de vida imediato, requerem uma intervenção imediata, estando associado, em grande parte dos casos, a acidentes ou situações agudas, como ataques cardíacos ou acidentes vasculares cerebrais. Os casos de muita urgência (pulseira laranja) – cuja evolução já constitui um indicador do estado de saúde de uma comunidade, até pelo número mais elevado face aos casos emergentes – requerem um tempo de atendimento nas urgências hospitalares preferencialmente inferior a 10 minutos.

Evolução do número de internamentos após atendimento nas urgências e número agregado de casos emergentes e muito urgentes em Agosto no período entre 2020 e 2023. Fonte: ACSS. Análise: PÁGINA UM.

Não se mostra agora possível comparar o fluxo das urgências hospitalares com o período anterior à pandemia, por uma razão simples, mas reveladora da cultura de obscurantismo do Ministério da Saúde: os dados anteriores a 2020 foram simplesmente retirados do sistema de monitorização.

O PÁGINA UM vai solicitar à Administração Central do Sistema de Saúde a reposição da informação anterior à pandemia, que continha dados desde Novembro de 2017, e se tal não for satisfeito recorrerá ao Tribunal Administrativo para a obtenção dos dados entretanto “apagados de consulta pública.

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