Análise a três campanhas irregulares de 2018 da Direcção-Geral de Saúde só agora foi concluída

Graça Freitas multada pelo Tribunal de Contas por beneficiar media nacionais em campanhas publicitárias

por Pedro Almeida Vieira e Maria Afonso Peixoto // Setembro 12, 2023


Categoria: Imprensa, Exame

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Em três campanhas publicitárias desenvolvidas em 2018, a ex-directora-geral da Saúde, Graça Freitas, violou a Lei da Publicidade Institucional do Estado, que obriga a que se destine pelo menos 25% do custo total de uma campanha estatal aos órgãos de comunicação social regionais e locais. As três multas podem chegar até aos 55 mil euros (e o mínimo será de 7.650 euros), mas a probabilidade de prescrição é elevada por os casos serem anteriores à pandemia. A par com a Direcção-Geral da Saúde (DGS), o Tribunal de Contas detectou também infracções similares em campanhas de outras entidades públicas, entre as quais se destacam a Agência para a Modernização Administrativa, o Instituto da Segurança Social, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes e a Força Aérea. 


Os casos remontam a 2018, mas a “justiça”, lenta e a passo de caracol, chegou agora em 2023. Três campanha publicitárias da Direcção-Geral da Saúde (DGS), no âmbito da vacinação contra a gripe e o sarampo, envolvendo um montante global superior a 318 mil euros, privilegiaram órgãos de comunicação social em detrimento da imprensa local e regional, e foram denunciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ao Tribunal de Contas (TdC). E agora, só no mês passado, a “factura” chegou: a ex-directora-geral da Saúde, Graça Freitas, foi multada a título pessoal por três infracções com um mínimo de 25 unidades de conta (UC). cada uma, e um máximo de 180 UC, cada.

Independentemente de já não ocupar o cargo, Graça Freitas está sujeita a ter de desembolsar, contas feitas, entre 7.650 euros e 55.080 euros. Embora estes casos prescrevam ao fim de cinco anos, a intervenção do TdC suspendeu os prazos.

Campanha publicitária da DGS em 2018 a favor da vacinação da gripe não cumpriu a lei, e Graça Freitas foi agora multada pelo Tribunal de Contas.

De acordo com o relatório nº 11/2023 de auditoria ao cumprimento dos deveres legais nas Campanhas de Publicidade Institucional do Estado, o TdC entendeu que a DGS não cumpriu com a obrigação legal de destinar aos órgãos de comunicação social regionais ou locais um mínimo de 25% do valor global, incorrendo assim em “infracção financeira sancionatória”, que é da responsabilidade não da instituição mas dos gestores que autorizaram esse procedimento. Além disso, o TdC afirma ainda que a DGS não comunicou à ERC a aquisição dos espaços publicitários dentro do prazo legal de 15 dias após a realização dos contratos.

A DGS não foi a única entidade fiscalizada após denúncia da ERC. Também os gestores da Agência para a Modernização Administrativa (um processo), o Instituto da Segurança Social (dois processos), o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (um processo), a Empresa Portuguesa das Águas Livres (dois processos), o Instituto dos Registos e Notariado (um processo) e a Força Aérea (um processo) foram alvo da atenção do TdC, tendo havido, com excepção desta última entidade, a indicação de sanções.

Note-se, porém, que este relatório do TdC tem várias partes rasuradas, alegadamente por normativos legais, não sendo possível uma leitura integral.

Em 2021, a DGS gastou 5 milhões de euros em publicidade institucional, mas as campanhas ainda não foram analisadas pelo Tribunal de Contas.

Este é apenas mais um caso que confirma que, ano após ano, a comunicação social regional e local tem sido preterida em benefício das maiores empresas de media, sobretudo de televisão, na distribuição da publicidade estatal, sendo este já um problema “endémico”. No relatório anual da ERC sobre a publicidade estatal em 2022, o regulador dos media havia registado cinco casos similares.

No entanto, foi em 2021, devido à pandemia de covid-19, que se registou um “pico” das campanhas publicitárias, onde se destacou a DGS, que nesse ano gastou mais de 5 milhões de euros. Naquele ano, aliás, bateu-se um recorde absoluto no investimento estatal em publicidade para a comunicação social, ultrapassando-se a fasquia dos 12,5 milhões de euros, dos quais 3,09 milhões para órgãos de comunicação social regional e local. No ano anterior tinha sido de apenas 2 milhões de euros.

Segundo o último relatório da ERC, ao longo de 2022, os institutos públicos e as entidades que integram o setor empresarial do Estado comunicaram a realização de 112 campanhas publicitárias, no montante global de quase 6,5 milhões de euros, o que representou um decréscimo de quase metade do montante distribuído em 2021. .

A verba destinada aos órgãos de comunicação social regionais e locais cumpriu a lei, atingindo cerca de 2,4 milhões de euros, correspondendo a quase 37% do total investido na aquisição de espaços publicitários.

A distribuição irregular de verbas de publicidade institucional, beneficiando os grandes órgãos de comunicação social de âmbito nacional em detrimento da imprensa local e regional, tem causado um crónico mal-estar no sector.

A Associação Portuguesa de Imprensa (APImprensa), que agrega cerca de 450 sócios, entre grandes empresas nacionais e empresas de menor dimensão, aponta lacunas na Lei da Publicidade Institucional, criada em 2015, uma das quais é “a exclusão de dever de cumprimento de algumas entidades públicas”, como a Caixa Geral de Depósitos ou das instituições de ensino superior, “que todos os anos investem milhares de euros em publicidade institucional.”

Além disso, o organismo agora presidido por Cláudia Maia lamentou ao PÁGINA UM que “a Lei não prevê sanções verdadeiramente a quem infringe as regras sobre a distribuição à Imprensa Regional”, algo que, adianta, se mostra “particularmente grave porque, ano após ano, tem lesado os órgãos de comunicação social regional e local em muitos milhares de euros.”

Por outro lado, a APImprensa diz que, em muitos casos, a publicidade institucional é intermediada por agências que “selecionam os órgãos de comunicação social pelos quais distribuem as verbas, o que pouca abona a favor da transparência e da diversidade”, acusando que “são quase sempre os mesmos a receber as campanhas”. E diz ainda que “os valores apresentados nos relatórios da ERC não incluem as comissões das agências, o que faz com que, na maioria dos casos, os valores apresentados como tendo sido atribuídos aos órgãos de comunicação social regionais não correspondam ao que estes efetivamente receberam”, podendo até ser “menos de metade do anunciado”.

A APImprensa defende, por isso, “uma revisão e clarificação urgente da Lei”, que inclua o direito de “acesso às campanhas reportadas na Plataforma Digital da Publicidade Institucional do Estado, de forma a poder monitorizar e reportar eventuais abusos ou desvios ao que está definido na Lei da Publicidade Institucional do Estado.”

Adicionalmente, a APImprensa entende que “a ERC deveria ter uma postura mais proactiva e fiscalizadora junto das entidades promotoras, não se limitando a elaborar relatórios sobre o estado da nação no que diz respeito à distribuição da publicidade institucional.”

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