ARQUITECTURA DOS SENTIDOS

A sociedade do espectáculo e a chata da ética

brown and blue wallpaper

minuto/s restantes

Se calhar temos mesmo circuitos diferentes, e alguns de nós têm os fios ligados num disjuntor, e não no outro.

Porque uns de nós olham os spots publicitários da Guerra Fria na SIC Notícias, e vêem mestres de cerimónias, sequências de imagens orquestradas com brilhantismo de Hollywood.

Mas outros vêem a guerra dos livros de História, a ameaça existencial, a propaganda como um mal necessário para manter a moral nas trincheiras.

brown CRT TV

Alguns de nós olham rodapés sobre como Portugal é campeão de concentração de glifosatos, e vêem um esquema de perseguição aos agricultores nas entrelinhas, um polvo monopolista que cresce e engorda a comer o pequeno produtor em resposta a uma agenda globalista, nada tem a ver com o ambiente, nada tem a ver com a saúde. São as mesmas pessoas que acharam boa ideia fabricar munições com urânio empobrecido, matem quem dispara e matem quem é alvejado.

Outros vêem o apocalipse ambiental, por entre vídeos bombardeados sobre eventos climáticos extremos no mundo inteiro, a necessidade absoluta de sucumbirmos a nossa existência ao bem comum, seguirmos as regras e não questionarmos.

Alguns de nós vêem máscaras como símbolos, agressões, malefícios à saúde, o reduto final e visível de como fomos todos burlados durante três longos e penosos anos. E alguns de nós até acham que, entre uma máscara e um suposto beijo não consentido, mil vezes o bater de lábios a festejar vitória, porque “o vírus foi derrotado”.

Outros vêem a prova de que o planeta nos quer assassinar indiscriminadamente e o importante é cumprir as orientações das pessoas que sabem e querem o nosso bem. Entre a natureza de vírus com nomes de letras e números, como um asteróide, e o maldito patriarcado, o melhor… é ficar em casa.

silhouette photography of person

Uns vêem um bebé como a alegria que motiva a vida, pequeninas mãos que dormem em suaves espasmos de preguiça a enrolarem as moles mas afiadas unhas junto ao nosso pescoço. Vemos a encarnação de um breve momento. Vemos o sono e sentimos o alívio de quando o bebé se sente seguro e adormece profundamente. Se se sente seguro, quase conseguimos sentir o mesmo. Ou pelo menos o alento de manter o ambiente seguro em volta. Vemos todos os momentos seguintes de uma vida inteira. E vemos o único amor que importa.

Mas há outros que vêem mera carne. Pratinho de experiências. Não é vida, é biologia. Não é biologia, é laboratório. Não é laboratório, é edifício. E um edifício pode ter pessoas lá dentro vestidas com umas batas brancas todas iguais e óculos e luvas e essas coisas. E ai de quem atente ao progresso das batas brancas!

Ai de quem levante o fantasma bolorento da ética!

woman standing in front of the digital machine

Qual ética, na era em que pessoas se injectam com o que lhes mandam injectar? Qual ética, na era em que as pessoas são presas se lhes dizem para o fazer? Qual ética, se abdicam do seu rosto em nome de uma farsa? Qual ética, se os senhores que mandam, de bata branca e fato e gravata, estão no pináculo da sobranceria moral, se eles tudo sabem e sabem melhor e são melhores do que nós e todos os outros?

Alguns de nós olham, enfim, moinhos, mesmo deixando o cavalo parar para beber água.

E outros, talvez, vêem gigantes, vestem uma armadura e preparam-se para cavalgar de frente contra um edifício.

Mariana Santos Martins é arquitecta


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