Os (ainda) membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) estão, há quase um ano, para ser substituídos. São agora apenas três – Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo –, depois da resignação do então presidente, Sebastião Póvoas, e da morte de Mário Mesquita.
Deviam estes membros, por decoro, sair airosamente, tão-só para se limpar os ares de uma instituição nascida por mor da Constituição da República Portuguesa para garantir a liberdade e a pluralidade da imprensa, e evitar ingerências ilegítimas na actividade jornalística.
Em menos de dois anos (após o meu regresso às lides jornalísticas), os conflitos criados pelos membros da ERC à acção do PÁGINA UM (e à minha, em particular), têm sido incontáveis, sobretudo desde que, em 21 de Julho do ano passado, pedi, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), “o acesso a cópia digital ou analógica de todos os requerimentos – desde 2017 até à data – das empresas de comunicação social” que tivessem solicitado “confidencialidade dos principais fluxos financeiros e identificação das pessoas singulares ou colectivas que representam mais de 10% dos rendimentos totais e mais de 10% do montante total de passivos no balanço e dos passivos”, bem como a “análise e decisão para cada um dos referidos pedidos de confidencialidade”. Serão largas dezenas, se não centenas, pelo que me tenha vindo a aperceber dia após dia.
O “impacte” deste pedido – que viria depois, por recusa tácita, a levar a uma intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa –, a par de outras questões incómodas pedidas sobre a acção do regulador, foi quase imediato: em Agosto do ano passado, a pretexto de uma simples consulta de processos para trabalho jornalístico, os membros do Conselho Regulador criaram uma querela, que acabou por envolver até a PSP e um vergonhoso comunicado de imprensa para me difamar. Isto quando estava em causa apenas a legítima obtenção de documentos de técnicos e a captação de imagens fotográficas, conforme acabou por confirmar um parecer de Outubro do ano passado da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.
Entretanto, os membros do Conselho Regulador da ERC, como não lhe custam os honorários dos advogados que contratam, apresentaram mesmo, desde o ano passado, duas queixas por difamação contra mim, tendo depois desistido na fase de instrução. Foi uma pena.
Também fizeram os membros da ERC o favor de censurarem dois artigos do PÁGINA UM após queixas do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e do actual Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo. Curiosamente, ou talvez, não, ambos os artigos do PÁGINA UM espoletaram investigações da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
No primeiro caso, a IGAS instaurou um processo de contra-ordenação ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia; quanto ao caso do almirante – que envolve o seu comportamento aquando da vacinação de médicos não-prioritários –, a investigação ainda decorre desde o início deste ano. Mas mesmo assim a ERC “condenou-me” alegando falta de rigor. Em curso, neste momento, está outra queixa contra mim, desta vez por obra do inenarrável pneumologista Filipe Froes, pelo “crime” de eu analisar os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 na base de dados da Agência Europeia do Medicamento.
Por fim, em Julho passado, no âmbito de um conjunto de deliberações da ERC sobre contratos promíscuos entre empresas de media e entidades públicas, envolvendo “jornalistas comerciais”, o Conselho Regulador da ERC decidiu pespegar nos documentos que a sua acção tinha sido por via de uma minha exposição, quando, na verdade, aquilo que se solicitara ao regulador, cerca de um ano antes, fora tão-só um “pedido de depoimentos e informações para notícia do PÁGINA UM”. Sobre isto, escrevi em Julho, um editorial apropriadamente intitulado “Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice”. Talvez me valha mais um processo judicial, talvez mais outro que, depois de fazer ganhar mais uns cobres a advogados, me manda retirar.
E eis que, agora, em pleno mês de Setembro, e enquanto se agrada, enfim, a escolha do novo presidente da ERC – e a entrada em funções dos novos membros já escolhidos pelo Parlamento em Junho –, os doutores Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo voltam a fazer das suas.
Não contentes em recusar uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, que os obrigara a conceder acesso aos processos relativos a pedidos de confidencialidade no Portal da Transparência – um contra-senso que promove o obscurantismo –, os ainda membros do Conselho Regulador decidem conceber uma deliberação que é uma vergonha pegada: dizem conceder deferimento parcial a um pedido da IURD, não expondo a fundamentação do pedido, nem identificando em concreto os dados nem tão-pouco a justificação da aceitação. O mais bafiento e bolorento comportamento à la Estado Novo. E pior, quando divulgam a deliberação, mais de duas semanas depois da sua aprovação mantêm todos os dados da IURD confidenciais.
E para agravar o pivete do que já muito mal cheirava, estes dois senhores mais esta senhora tentaram descredibilizar uma notícia fatual do PÁGINA UM, fazendo alterações no Portal da Transparência à socapa, num sábado à noite, sem nada justificarem através de qualquer comunicado público ou através do seu site.
Bem sei qual a estratégia: limpando o “crime” – colocando, num sábado, aquilo que não existia na noite de sexta-feira –, sempre se poderia dizer que o PÁGINA UM, “esse jornal chato e já acusado de falta de rigor em duas deliberações da ERC”, tinha inventado tudo.
Não inventou. E como tudo o que possa sair da cabeça dos ainda membros do Conselho Regulador da ERC me causa desconfiança, tive a feliz lucidez de gravar, em arquivo na internet, as provas do antes e do depois de uma alegada “sincronização”, que, em abono da verdade, se trata de uma manipulação.
Enfim, estas três pessoas já simplesmente passaram do prazo. Já é de mais; e o que é demasiado, enjoa. Por isso, alguém responsável lhes conceda guia de marcha, o “merecido descanso”, e que se areje assim o ar, até porque, ainda acredito, a ERC pode desempenhar mesmo – e tem técnicos para isso – um papel fundamental para a moralização necessária na imprensa portuguesa. Os 50 anos da democracia, que se avizinham, mereciam.