A Direcção-Geral da Saúde (DGS) disse esta tarde que o Tribunal de Contas “ilibou” a sua antiga líder, Graça Freitas, quando, na verdade, foi considerada culpada de infracções financeiras, e apenas lhe terá sido perdoada o pagamento das multas por não ser reincidente. Mas isso já não deverá suceder quando ficar concluída uma segunda auditoria em curso espoletada no ano passado também pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O regulador detectou que, até 2021, as campanhas sobre a pandemia da DGS só destinaram à comunicação social de âmbito regional e local cerca de 755 mil euros (menos de 15% do total), quando deveriam ter recebido pelo menos 1,28 milhões de euros (25% do total). Como assim será reincidente, Graça Freitas só se livra de multa se o processo prescrever.
A Direcção-Geral da Saúde (DGS) alegou esta tarde que o Tribunal de Contas “ilibou” a sua anterior líder, Graça Freitas, do pagamento das três multas por incumprimento da Lei da Publicidade Institucional em 2018, através de campanhas publicitárias sobre a vacinação contra a gripe e o sarampo.
A notícia da aplicação das multas a Graça Freitas, que foram “relevadas” pelo Tribunal de Contas – ou seja, houve um perdão posterior, bem diferente de uma ilibação (libertação da consequência de uma culpa, que ficou comprovada) agora indicada pela DGS – foi feita, em primeira mão, pelo PÁGINA UM no passado dia 12. No entanto, a reacção da DGS sucedeu apenas após hoje o Correio da Manhã ter feito uma manchete sobre o mesmo assunto. O jornal da Cofina não citou a notícia anterior do PÁGINA UM.
A “bondade” do Tribunal de Contas sobre Graça Freitas – libertando-a do pagamento de multas pecuniárias – apenas advém de a inspecção considerar que a infracção financeira ocorreu por negligência e, em simultâneo, se constatar a “ausência de (…) recomendação anterior”, ou seja, Graça Freitas seria infractora primária.
Porém, o PÁGINA UM sabe que o Tribunal de Contas está, neste momento, a analisar outras campanhas publicitárias da DGS durante a liderança de Graça Freitas, sobretudo nos anos da pandemia. Conforme o PÁGINA UM revelou em Fevereiro do ano passado, a DGS também aí incumpriu gravemente a Lei da Publicidade Institucional em 2020 e 2021. E com montantes muito mais elevados.
Até finais de 2021, quase 75% do dinheiro total gasto pela DGS em diversas campanhas publicitárias sobre a covid-19 foram absorvidas pelas televisões. Os canais da SIC e da TVI – que posicionaram os seus serviços noticiosos durante a pandemia com uma filosofia claramente alarmista – conseguiram captar um total de 3,11 milhões de euros nos últimos dois anos.
Este montante representa cerca de 61% dos quase 5,11 milhões de euros disponibilizados pelo gabinete de Graça Freitas para publicidade relacionada com a pandemia. A SIC foi o canal que mais encaixou: 1.609.024,35 euros, seguindo-se a TVI, com 1.230.378,35 euros. O pódio foi também ocupado por um canal por cabo, mas a grande distância: o Correio da Manhã TV teve direito a 557.237,81 euros.
Curiosamente, a TVI 24 – agora transformada em CNN Portugal – recebeu mesmo mais do que a RTP 1. A primeira recebeu 190.004,71 euros, enquanto a segunda 148.721,45 euros. Na altura, não foram divulgados os critérios que presidiram à distribuição da publicidade, mas claramente a DGS preferiu campanhas audiovisuais de âmbito nacional em detrimento de campanhas destinadas à imprensa ou rádio locais e regionais.
No segmento radiofónico, a Rádio Comercial foi aquela que mais atraiu publicidade sobre a covid-19 (80.817,97 euros), um pouco mais do que o Jornal de Notícias, a publicação da imprensa que liderou nos contratos com a DGS, que recebeu 72.138,76 euros.
De acordo com um levantamento realizado então pela Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), a DGS pagou diversos montantes a 284 órgãos de comunicação social para divulgação de mensagens relacionadas com a pandemia, dos quais 139 de imprensa regional, 126 rádios locais, oito títulos de imprensa nacional, sete canais de televisão, três rádios nacionais e uma publicação digital.
No entanto, apesar da grande quantidade de rádios locais envolvidas (que incluem, por exemplo, a TSF e a Mega 80) e de muitos títulos de imprensa regional, os montantes foram, em alguns casos, completamente irrisórios. Por exemplo, a Rádio Imagem, de Fornos de Algodres, recebeu 121,95 euros da DGS. Um total de 12 rádios ou periódicos regionais receberam menos de 500 euros, e mais 22 receberam entre 500 e 1.000 euros.
Por via dessa distribuição, a comunicação social de âmbitos regional e local só receberam 755 mil euros (menos de 15% do total), quando deveriam receber pelo menos 1,28 milhões de euros (25%) do total, o que levou a ERC a transmitir, por obrigação legal, este novo incumprimento ao Tribunal de Contas. Aliás, o jornal Público confirmou, também em Fevereiro do ano passado, a informação do envio para o Tribunal de Contas do processo de mais estas irregularidades cometidas por Graça Freitas. Ou seja, a ex-líder da DGS reincidiu.
Uma vez que, ainda por cima, os montantes destas campanhas em redor da covid-19 foram bastante mais elevados – e em número maior – será inevitável a aplicação a Graça Freitas de sanções, sem qualquer perdão, por estas infracções financeiras que beneficiaram as televisões em prejuízo dos media locais e regionais.
Com efeito, os juízes já não poderão, desta vez, relevar a “ausência de (…) recomendação anterior” para não a obrigar a pagar as multas. Na verdade, só uma prescrição pode salvar a antiga directora-geral da Saúde, independentemente de se manter um problema crónico na administração pública: o incumprimento da Lei da Publicidade Institucional, beneficiando os canais televisivos.
N.D. Como se sabe, o PÁGINA UM não tem, por opção, qualquer publicidade, nem institucional nem privada, sendo financiado apenas pelos donativos dos seus leitores, por isso não foi directamente afectado pelas sucessivas infracções cometidas pela antiga director-geral da Saúde relativamente à Lei da Publicidade Institucional.