VISTO DE FORA

AR TV: a melhor plataforma para nosso divertimento… ou não

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minuto/s restantes


Quanto maior é a oferta de canais televisivos, menos televisão eu vejo. Não é por qualquer embirração em particular, apenas constato o facto. Uma das razões que me afasta da “caixa mágica” é a mediocridade reinante. Provavelmente, não temos pessoas em quantidade suficiente para encher tantos canais e tantas horas de emissão. Entre reality shows com debates vazios, programas da manhã com entrevistas inenarráveis ou as intermináveis horas de discussão futebolística, com participantes que não conseguem articular duas frases, dou por mim a fugir para outras plataformas, essencialmente pela vergonha alheia das doses cavalares de lixo que nos entram em casa todos os dias.

Há no entanto um canal, que também tem alguns tesourinhos deprimentes, é verdade, mas que gosto de acompanhar para sentir o rumo que leva o país. A AR TV, pois claro, onde se assiste aos debates parlamentares ou às tão famosas comissões de inquérito. 

Ontem, houve por lá um belo debate sobre política fiscal, que recomendo. É um exemplo clássico de como o nosso Parlamento serve para pouco mais do que preparar eleições, e conseguir, agora na era das redes sociais, 30 segundos de frases fortes para o resumo do jornal da noite ou das televisões/ páginas dos partidos no Facebook.

O PSD agendou esta sessão, onde se discutiria a baixa de impostos, sabendo que faltam 15 dias para se iniciar as conversas em torno do próximo Orçamento do Estado, onde esse tema já seria central. É a hipótese do PSD aparecer numa notícia com o título: “PSD propõe baixa de IRS e apoio às famílias”.

Não sei que séries vocês seguem no Netflix ou HBO, mas certamente poucas vos oferecem este nível de entretenimento que a AR TV proporciona. O argumento é fraquinho, admito, faz lembrar aqueles filmes da Jennifer Aniston que começam e acabam sempre da mesma maneira, mas pelo menos uma pessoa pode sair a meio, fazer um xixi ou até perder um episódio, sem deixar de perceber a história.

O PSD fez de bonzinho e preocupado no episódio de ontem. É o herói que vive isolado na cabana em ruínas, numa floresta distante do Alasca, desde que perdeu a última eleição. Não fala com ninguém, não tem telefone, tudo o que recebe no correio são postais de um amigo distante de Boliqueime. Até que, certo dia, um antigo colega aparece, a meio de uma pescaria, para lhes pedir ajuda e, uma vez mais, salvarem o Mundo. Eles dizem que não, que desistiram da sociedade, mas depois percebem que há mais uma hora de filme para encher – e lá vão.

Tiram o casaco de pele de urso, fazem a barba e apresentam-se na Assembleia da República com a proposta de baixar os impostos. Ora, aqui percebemos que o filme está na categoria de ficção. O PSD nunca baixou impostos quando governou e, mesmo na oposição, vota contra tudo o que são propostas de lei para alívio fiscal dos trabalhadores.   

Mas como ninguém presta atenção ao que por ali se passou nos episódios anteriores, dá sempre para fazer três ou quatro telejornais a “lutar pelos portugueses”.

Uma das minhas partes favoritas é quando os amigos do herói se chateiam e seguem caminhos diferentes. Parecem os Avengers. O Thor gosta de resolver tudo à martelada, o Iron Man prefere a tecnologia de ponta. O Hulk acha que o Thor bate pouco e tenta bater ainda mais.

O Chega faz de Hulk. Não quer saber de pactos de regime ou das propostas em debate. Basta-lhes partir tudo e gritar alguns segundos para o destaque do José Rodrigues dos Santos. É aliás curioso reparar que na altura das intervenções, subiu ao palanque um daqueles rapazes do Chega que ninguém conhece, que discursou longa e penosamente, para mal dos meus ouvidos. Bom… confesso que meti aquela parte para a frente mas isso agora não importa. Pelo discurso usado, parecia estar no intervalo das corridas de táxi que lhe ocupavam o resto do dia. Contudo, na hora do telejornal, lá aparecem os 10 segundos de gritos do Ventura, o homem que aproveita cada episódio para “lutar contra o sistema”.

Aparece o Tony Stark, interpretado pela Iniciativa Liberal (IL). Mais lavadinhos e engomados que os do Chega, com vocabulário mais cuidado, piadas topo de gama e escolaridade mínima obrigatória concluída. Ah, e mocassins. Gozam com todos e dizem: “bem-vindos à discussão da baixa de impostos que nós andamos a vender há três anos”. Verdade, verdade. Flat rate e dinheiro público transferido para hospitais e escolas privadas. O fim do Estado Social mesmo que não encontrem um país socialmente justo com flat rate, mas, enfim, quem é que se vai perder com detalhes? A IL achava que, mesmo para ficção, a tentativa do PSD pecava por escassa. O corte fiscal devia ser maior e davam exemplos de como os salários de 1.400 euros iriam ser pouco beneficiados. A tal parte da sociedade que eles defendem e os salários que 75% dos portugueses não têm.

Mas é por isto que os episódios da AR TV são bons. Há alguma emoção, sim, mas as surpresas são mais contidas. Já se sabe o que esperar de cada personagem e isso cria aquela identificação com eles. Os Simpsons não estão no ar há 30 anos só por causa da música inicial, já todos sabemos quem arrota, quem estuda e quem faz asneiras.

Reparem que chegámos ao fim do debate sem que a direita no Parlamento se tenha sequer conseguido coordenar no ataque à maioria socialista. E aqui vou escrever socialista com “”, isto é, com aspas.  Para quem viu aquilo, a mensagem é clara: o Governo é tenebroso, mas a oposição não existe. São um grupo de rapazes que, antes de mais, procuram garantir o seu emprego na política. Depois, procuram agradar os lobbies que os patrocinam. E, por fim, tentam marcar algumas diferenças no hemiciclo, dizendo um conjunto de banalidades, promessas vazias que, uma vez alcançado o poder, simplesmente não cumprem.

O PSD teve maiorias numa altura em que o dinheiro caía do céu. O que fez o senhor Aníbal de Boliqueime? Creches? Desenvolvimento industrial ou tecnológico? Ensino universal? Aumentos do salário mínimo? Não. Andou a fazer negócios com a banca privada, a torrar fundos europeus em estradas e parcerias com os abutres que ainda hoje gravitam em torno do erário público. Criou mais impostos e, enquanto Espanha se ia desenvolvendo, nós íamos fazendo investimento público em construtoras.

Luís Montenegro era o líder parlamentar do PSD aquando do Governo de Passos Coelho, que aumentou, novamente, os impostos sobre o trabalho. Hoje aparece aos gritos a pedir aquilo que nunca fez, na esperança de não desaparecer depois da travessia no deserto. O PSD é Governo numa região autónoma desde que me lembro, e se quer combater as injustiças fiscais, então pode começar por acabar com as offshores da Madeira. Não precisam de pedir a ninguém, é só usar a maioria e votar pelo fim da bandalheira.

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António Costa, que também vai anunciado medidas consoante os gritos populares (agora é o apoio para o crédito à habitação, que espero dê em algo palpável), deve olhar para aquela pobreza franciscana do Parlamento com um enorme sorriso e um balde de pipocas digno de se ver.

Pobres de nós, povo e contribuintes, quando não querendo o Costa, achamos que a solução pode vir de Ventura, Rocha ou Montenegro. É que não servem, sequer, para figurantes, daqueles que fazem coro lá atrás e mexem a cabeça, quando alguém fala aos jornalistas. Quanto mais para decidir a vida de 10 milhões de pessoas.   

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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