Novos ventos fluem pela lisboeta Avenida Gago Coutinho, onde se localiza a sede da Ordem dos Médicos, agora presidida por Carlos Cortes. O Colégio de Pediatria – cujo presidente (Jorge Amil Dias) ainda há um ano estava sob a alçada disciplinar do ex-bastonário Miguel Guimarães – teve agora um parecer rapidamente publicado que não recomenda o reforço vacinal contra a covid-19 em crianças e adolescentes. Mas, mais do que isso, ressalta, neste curto parecer, as críticas sibilinas às “manifestações públicas (…) geralmente veiculadas ou patrocinadas pela indústria com directo interesse financeiro”, leia-se influencers sanitários associados às farmacêuticas, que depois fazem com que a imprensa se sinta “motivada” para seguir uma determinada narrativa.
Mais do que salientar que “não se justifica que se considere a vacinação generalizada [contra a covid-19] de crianças ou adolescentes”, o parecer ontem divulgado do Colégio de Pediatria constitui uma pedrada no charco e um sinal de profunda mudança de rumo na Ordem dos Médicos em termos de independência e de rigor científico.
Sinal disso é a própria divulgação deste parecer que, de acordo com a Direcção deste Colégio, foi elaborado não como recomendação pública, mas para que o actual bastonário Carlos Cortes lhe desse “o uso que tiver conveniente”. Carlos Cortes tomou a decisão de o colocar no site da Ordem dos Médicos uma semana depois.
Recorde-se que há cerca de dois anos, no meio de uma intensa pressão mediática para se vacinarem os menores de idade, as posições dissonantes de diversos pediatras no sentido da prudência – que culminaram num abaixo-assinado em Janeiro de 2022 – tiveram como consequência o ostracismo ou mesmo o repúdio da comunicação social mainstream e também originaram processos disciplinares, desencadeados pelo então bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.
O caso mais sonante foi o processo por delito de opinião instaurado contra Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria, por denúncia directa de médicos com ligações comerciais com farmacêuticas, incluindo a Pfizer – a única com autorização em Portugal para vacinas contra a covid-19 em idade pediátrica – entre os quais se destacavam Filipe Froes, Carlos Robalo Cordeiro e Luís Varandas. Este último médico, também pediatra, chegou a tomar posições públicas e artigos de opinião de promoção da vacinação sem jamais referir que recebera avenças como consultor da Pfizer durante a pandemia. Em 2021, só desta farmacêutica facturou mais de 31 mil euros, de acordo com o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed.
O processo de Amil Dias desencadeado pelo lobby das farmacêuticas na Ordem dos Médicos seria arquivado em Novembro do ano passado, mas os efeitos estavam consumados: em Novembro do ano passado cerca de 98% dos adolescentes entre os 12 e os 17 anos tinham a vacinação primária, enquanto nas crianças entre os 5 e os 11 anos o rácio era de 45%. Saliente-se que, sem haver qualquer interesse do Ministério da Saúde em apurar as causas, a mortalidade dos adolescentes e jovens adultos está em níveis anormalmente elevados desde finais de 2022.
Mas aquilo que mais surpreende no novo (e publicado) parecer do Colégio de Pediatria, liderado por Amil Dias, é a forma desassombrosa como justifica a oportunidade desta recomendação. “No nosso país têm ocorrido algumas manifestações públicas sobre o assunto [reforço da vacinação em crianças e adolescentes], geralmente veiculadas ou patrocinadas pela indústria com directo interesse financeiro”, salienta-se no documento, acrescentando o Colégio de Pediatria que, por esse motivo, o parecer foi elaborado “considerando que a imprensa poder[ia] ser motivada a trazer novamente para a discussão pública a vantagem da vacinação generalizada da população infantil”.
Ora, segundo o Colégio de Pediatria, “actualmente há um recrudescimento do número de infecções e risco de contágio”, mas, “todavia, sem a gravidade ou mortalidade dos primeiros surtos da infecção pelo SARS-COV2”, destacando a própria opinião de José Artur Paiva, director do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistências a Antimicrobianos da Direcção-Geral da Saúde.
O colégio de especialidade liderado por Amil Dias destaca também a posição do Grupo Técnico da Aconselhamento da Austrália, “que se notabilizou por estrita exigência de vacinação anti-COVID no passado recente”, que agora reconhece que “na população infantil até aos 5 anos a vacinação, ou revacinação, não são recomendadas independentemente da situação de risco individual, e dos 5 aos 17 anos a hipótese poderá ser individualmente considerada em população de risco”.
Acrescente-se que esta norma australiana, publicada no passado dia 1, também não recomenda a vacinação para pessoas saudáveis entre os 18 e os 64 anos. A Austrália foi um dos países mais radicais do Mundo no processos de vacinação, chegando a deter e deportar em Janeiro de 2022 o tenista Novak Djokovic, actual número 1 do ATP Tour.
O parecer do Colégio de Pediatria informa também que emitira pareceres em Julho e Outubro de 2021, que “oportunamente submeteu Bastonária da Ordem do Médicos” à época, Miguel Guimarães. Mas tudo aponta para terem sido engavetados, uma vez que não constam ainda da lista de pareceres na página deste colégio de especialidade. Jorge Amil Dias não confirma taxativamente o engavetamento dos dois pareceres de 2021 por Miguel Guimarães, apenas referindo ao PÁGINA UM que “os pareceres são documentos internos de órgãos consultivos, que necessitam de homologação superior” e que “só com a autorização do bastonário, como aconteceu agora, podem [então] ser divulgados publicamente”.