Correio Trivial

Estou com os azeites

black and white abstract painting

por Vítor Ilharco // Setembro 23, 2023


Categoria: Opinião

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As últimas notícias, sobre o aumento em produtos essenciais, têm feito com que a minha tensão arterial suba, os nervos fiquem descontrolados e a raiva me invada.

Sempre que algum Governo anuncia um aumento de três, ou quatro, por cento, nos salários ou nas reformas, logo aparecem responsáveis pela produção e venda de produtos de primeira necessidade a apontar para subidas vertiginosas nos produtos essenciais à nossa vida.

Hoje, a notícia é a de que o azeite deve chegar, em breve, aos dez euros por litro. Talvez mais.

Em Espanha já optaram por assaltar um armazém para roubar azeite no valor de 420.000 €.

Conseguiram mais do que se tivessem levado todo o conteúdo de um cofre bancário.

Sou um português idoso e, para aqueles que dizem que a vida, hoje, está difícil, quero garantir que este é o estado normal de Portugal desde que me conheço.

Lembro bem o saudoso Raul Solnado a queixar-se do custo de vida, em relação ao seu ordenado, que estaria longe de ser dos mais baixos:

“Com este meu salário, e o aumento do custo de vida, passo grandes dificuldades nos últimos dias de cada mês. Principalmente nos últimos vinte e nove!”

A vida melhorou imenso nestas últimas décadas, há que reconhecer, mas é nossa sina nunca conseguirmos apanhar os países mais desenvolvidos.

10 and 20 banknotes on concrete surface

E sem que consigamos estar de acordo quanto às verdadeiras razões desse falhanço.

A dimensão do país?

Mas há países muito mais pequenos e muito mais evoluídos.

As riquezas naturais?

Há países com muito menos que nós e onde os habitantes têm uma vida melhor.

Será pela capacidade intelectual dos portugueses?

Mas como, se em todos os países de referência, há portugueses em lugares de destaque e tornando os países para onde imigraram mais ricos e poderosos?

A explicação mais coerente, pelo menos para mim, é que Portugal tem sido, ao longo de séculos, mal governado.

Os portugueses consideraram, sempre, os políticos como indivíduos à procura de “tachos” e dos proveitos que poderão ter, depois de saírem do Governo (“a posta, depois da pasta”, dizia-se no tempo de Salazar).

E têm alguma razão.

close-up photo of assorted coins

Não querem é entender o porquê desta situação.

E a resposta é simples se formos analisando, friamente, o que se passa.

Portugal tem gente competente para constituir um muito bom Governo?

Resposta: “Sim, sem dúvida!”

Essas pessoas seguem essa carreira?

Resposta: “A imensa maioria, não!”

Sabemos porquê?

Resposta: “Sim. Porque consideram que os cargos de ministros, secretários de Estado, deputados, autarcas, são mal pagos e conseguem ordenados muito superiores nas empresas privadas.”

Devíamos pensar nisto.

Não pagar, a um putativo Ministro – capaz de apresentar obra, com aptidão para fazer evoluir o país, que seja competente, culto e com provas dadas na sua área – um ordenado equiparado ao que as empresas privadas lhe oferecem, optando pela solução mais barata, que é o escolher jovens acabados de sair das faculdades ou das “juventudes partidárias”, sem experiência de vida, sem cultura, sem curriculum, não pode dar bom resultado.

Apostamos na poupança imediata e perdemos, pela incompetência dos escolhidos, milhões de euros e anos de progresso a médio e longo prazo.

E o pior é que tudo isto acontece, de igual modo, nas diversas oposições.

Salvo raríssimas excepções, os líderes dos partidos fora do Governo são igualmente maus, pelo que os eleitores não têm qualquer esperança numa mudança radical, a curto prazo.    

Os discursos destes são, de um modo geral, de uma pobreza atroz.

Alguém lhes terá dito que uma frase com sentido de humor é eficaz, esquecendo-se de os informar que o humor é irmão siamês da inteligência.

O resultado, muitas vezes, é catastrófico.

Montenegro, por exemplo, considerou hilariante dizer que o actual Primeiro-Ministro e o líder do Chega “são namorados e andam aos beijinhos”.

Não deu vontade de rir mas, sim, de lhe calçar uns patins a jacto que o levassem até Boliqueime para sabermos se Cavaco Silva repetiria que o rapaz está mais preparado para ser Primeiro-Ministro do que ele estava quando assumiu esse cargo pela primeira vez?

Para mim seria um empate técnico, mas espero não ter que vir a descobrir se estou certo porque isso seria sinal de que o povo português tinha ensandecido no momento da votação.

Os últimos dias têm sido penosos.

Tivemos que acompanhar o debate da Moção de Censura ao Governo, que resultou nas oposições a censurarem-se entre elas, para gáudio dos militantes do PS, ouvir a intervenção de Marcelo, dizendo que “we are bacalhau, we are caldo verde, we are cozido à portuguesa, we are vira, we are corridinho e fandango”, esquecendo-se de acrescentar “we are os idiotas da Europa” e ficámos a saber que Cavaco Silva escreveu um livro intitulado O Primeiro-Ministro e a arte de governar.

Fiquei convencido de que este país não tem cura.

Desculpem o meu desalento, mas, como sabem, eu costumo andar em contramão e, hoje, estou com os azeites.

Vítor Ilharco é assessor


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