ARQUITECTURA DOS SENTIDOS

Perdura, porventura, ternura

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minuto/s restantes

Há pequenas coisas, como, por exemplo, sentir areia nos dentes enquanto comemos fruta na praia, que sabe à ferrugem que avistamos ao longe numa escultura imensa, maciça, de ferro a oxidar ao longe, lacrau áspero de rabo eriçado na nossa direcção (vou picar, vou picar!)

Podemos exasperar-nos. Tentar cuspir, selectivamente. Ou podemos tentar continuar a mastigar, o mínimo de movimentos, até a engolir quase assim, como está. Engolir a praia suja, a bem da paz de espírito.

Explicarmos a alguém como vemos, as coisas, exige articulação suave, candura, um refinar a areia até ser pó dourado entrando pelas narinas, bem dentro, até respirarem a nossa verdade, e nada verem mais, e o deserto ficará nos seus olhos, ondulado e amarelo.

Person Foot Prints on Sands Photo

Palavras.

Falarmos com paredes é exercício de lamento, duro, emparelhado e sólido. Cego. Surdo também. Mais fácil o murmúrio, sempre, entre dentes (talvez o mínimo de movimentos para engolir a areia com sumo da fruta), o sol queimando as vistas e o horizonte a bater-nos o cabelo, na cara. Aguentar a nortada e continuar, se as mãos tremerem esforçamo-nos para que não notem, que não acudam.

Mas o corpo diz mais, mais do que a boca.

Então, assim, fácil é enredar-nos. Descobrimos, se calhar, que não conhecemos os nossos pensamentos (como não conheço os teus), e divagamos, e viajamos, e papagueamos frases curtas, que nos deram embrulhadas e torcidas nas pontas (rebuçados), caramelo sem gosto, a gosto.

Oh Deus! (deuses!), quantos caramelos a derreter ao sol, a colar a areia ao céu da boca!

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Sacode! Sacudamos! Que se o corpo ainda tiver força para sacudir, talvez se espantem então para longe os magros demónios que se penduram nas nossas costas. Como sombras de mãos que, dançando sozinhas, povoam o tecto, enormes, para distrair a birra.

E se tropeçarmos, porventura, temos de nos agarrar, cada vez mais a algo terno, que nos ampare, que a idade não perdoa, e perdura.

Mariana Santos Martins é arquitecta

P.S. A autora pede humildemente aos seus esforçados leitores que se deleitem com a hiperligação no início do texto em pleno, ouvindo, mas também vendo. Porque o Belo é urgente.


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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