Estátua da Liberdade

Querem um ladrão na crise da habitação? O Estado!

Statue of Liberty in New York City under blue and white skies

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Um dos grandes temas da actualidade é a crise na habitação. Efectivamente, obter um tecto a preços acessíveis tornou-se missão impossível para a grande maioria dos portugueses. Por um lado, as prestações do crédito à habitação duplicaram num espaço de um ano; por outro, registaram-se fortes subidas nos preços dos novos contratos de arrendamento nos últimos meses, que não é mais do que uma defesa dos proprietários às medidas governamentais que se anunciaram.

Nos últimos meses, o Governo propôs uma legislação que designou por “Mais Habitação”. Prevê várias alterações: congelamento de rendas para os novos contratos, com base no último contrato de arrendamento dos últimos cinco anos, arrendamento forçado, fortes restrições ao licenciamento e novos tributos sobre o negócio de Alojamento Local.

Para acrescentar mais um “problema” à crise, recentemente o Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou o indexante para actualização das rendas no próximo ano (2024): 6,9%. De imediato, os órgãos de propaganda lançaram reptos ao Governo no sentido de uma intervenção, tal como sucedeu no ano passado: apesar de uma inflação de 7,8% em 2022, os senhorios apenas puderam actualizar as rendas em 2%, ou sejam, uma perda de 5,4 pontos percentuais em termos reais.

O ambiente para os proprietários não é famoso. Até já se lhes lançou um odioso à expressão: “cada um mete o preço que quer na sua propriedade”.

Ora, isso simplesmente não é verdade, pois cada um pede o preço que entender pela sua propriedade; mas, para que haja negócio, terá de haver alguém disposto a pagar o preço pedido.

É um princípio sobejamente conhecido: quando a liberdade é respeitada, as transacções entre pessoas são voluntárias e livres. Até hoje, não se conhecem proprietários, em busca de “lucro fácil”, que tenham sacado de uma pistola, apontando-a à cabeça do inquilino, a exigir a assinatura do contrato de arrendamento. Aliás, quando se assina um contrato livremente, as regras são claras para ambas partes, incluindo a actualização da renda.

aerial view of city buildings during daytime

Neste contexto de crise, surgem todos os dias propostas mirabolantes para a debelar, como, por exemplo, esta saída da pena do Tiago Franco, também cronista do PÁGINA UM: quem tenha emigrado e estava a pagar um crédito à habitação em Portugal, pode reflectir as subidas da prestação sobre o inquilino. Certamente, que tal liberalidade já não se aplica ao famigerado “especulador” que arrenda uma casa adquirida através de um crédito à habitação, nem tão pouco ao que decidiu investir as poupanças de uma vida no mercado de arrendamento, por forma a fugir à repressão financeira do Banco Central Europeu (BCE), onde o aforro é, há mais de uma década, remunerado a 0%.

No primeiro caso, segundo a proposta, o inquilino paga o empréstimo ao emigrante que, ao final de umas décadas e sem sobressaltos de maior – pode enviar o aumento das prestações ao inquilino! – tem mais património, está mais rico. No caso do segundo e do terceiro, já não é bem assim, pois estão sujeitos ao “tenebroso” mercado e ao terrorismo de Estado, onde o respeito pela propriedade privada começa a ser inexistente.

Mas vamos então supor que o Emigrante do Tiago Franco comprou uma casa no Lumiar, em Lisboa, em Julho de 2019 por 327 mil euros: um T2 de 90 metros quadrados (m2), a 3.632 euros o m2. Para isso, contraiu um empréstimo bancário com as seguintes condições: 40 anos, Euribor a 12 meses + 1% de spread, financiamento a 100%.

Como a Euribor a 12 meses naquele momento se encontrava em -0,3%/ano, a prestação mensal ao banco seria de 780 euros. A este custo, acrescia o condomínio (75 euros/mês) e os seguros da casa (75 euros), totalizando 930 euros. O mercado de arrendamento aplicava 13,3 euros por m2, uma renda mensal de 1.200 euros, obtendo, desta forma, uma margem de 270 euros por mês.

Em Julho de 2023, em resultado da subida da taxa Euribor a 12 meses, as prestações mensais do empréstimo à habitação “saltaram” de 780 euros para 1.610 euros, um incremento de 830 euros. Segundo a proposta, o inquilino passaria a pagar 2.030 euros por mês, em lugar de 1200 euros, garantido o mesmo lucro ao Emigrante do Tiago Franco.

Aplicando a mesma situação para o “malvado Especulador”, que não emigrou, e assumindo contratos anuais com novos valores de renda em cada ano, estaria a receber 1.460 euros (16,2 euros por m2) de rendas mensais em Julho de 2023. Como seriam os seus custos? Pagaria agora 1.610 euros de prestação mensal, acrescido das despesas de condomínio e seguros, o que seria um encargo mensal de 300 euros por mês, em lugar de um rendimento!

Por fim, o “malvado Especulador” que adquiriu a mesma casa, mas, neste caso, com as suas poupanças, por forma a fugir dos juros 0% no banco. Em Julho de 2019, a rendibilidade anual seria de 4,4% (1.200 × 12 ÷ 327.000), em termos reais praticamente o mesmo, já que nessa altura a “inflação oficial” estava em torno de 0%. Em Julho de 2023, a situação, aparentemente, seria mais favorável: uma rendibilidade de 5,36% (1.460 × 12 ÷ 327.000). Acontece que a inflação situa-se em 7,8%, representando uma remuneração real negativa da poupança: -2,3%. As suas poupanças valem menos!

Não incluímos nesta equação o Ladrão-Mor, que nos assalta os rendimentos prediais em 28% (ainda há quem peça o englobamento, talvez para ajudar um pouco mais o mercado de arrendamento) e aplica o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) sobre a compra. Não se considera o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), já que este tributo – roubo – é deduzível em sede de IRS para os rendimentos prediais, ao contrário dos juros do empréstimo bancário!

Podemos então imaginar a presente situação dos “Especuladores” que decidiram meter-se no mercado de arrendamento através de um empréstimo bancário. Mas já no caso do Emigrante, é todo um mundo especial, pois “está ao fresco” das subidas da taxa de juro da Sra. Lagarde.

Aquilo que me deixa perplexo em toda esta crise acaba por ser o desrespeito total pela propriedade privada, um dos nossos principais direitos naturais: a vida, a liberdade e a propriedade privada. As sociedades que mais protegem estes direitos são as mais prósperas, e não o contrário.

Reparem, em toda esta discussão, tende-se sempre a culpar a suposta ganância do proprietário e nunca a do Ladrão-Mor: o Estado.

Close-Up Shot of a Person Counting Paper Money

Foi o Estado, através do BCE, que imprimiu mais de 4 biliões de Euros (atenção: 12 zeros) desde o início da putativa pandemia, a verdadeira causa da inflação que hoje vivemos. Com este dinheiro, vindo do “ar”, em que o BCE imprimia enquanto o Governo emitia dívida pública, pagou-se fornecedores de testes, farmácias, fabricantes de inoculações experimentais e fornecedores de fraldas faciais. Foi também com este dinheiro que se pagou a profissionais de saúde, enquanto os hospitais afinal estavam como nunca estiveram, ou seja, nunca estiveram tão vazios.

Assistimos, nos últimos anos, ao maior processo de redistribuição de riqueza da História da Humanidade, onde, através da inflação, os pobres e a classe média foram assaltados a favor da casta parasitária e de multimilionários próximos do poder. Para o proprietário e inquilino foi uma roubalheira sem fim, mas a culpa nunca se assacou ao Ladrão-Mor.

O roubo deste nunca é suficiente. É sempre preciso mais. Não satisfeito, prepara-se agora para evitar uma actualização das rendas de acordo com a inflação, roubando uma vez mais os proprietários. Prepara-se também para congelar as rendas, uma medida que destruiu as principais cidades portuguesas. Ainda se recordam como eram, há uns anos os principais centros urbanos do país, com edifícios devolutos e ruas desertas à noite?

Close Up Photography of Person in Handcuffs

As pessoas investem apenas onde existam garantias de que os seus direitos de propriedade sejam respeitados; caso contrário, não acontece. A oferta só aumenta assim. Ter mais casas no mercado exigirá liberdade negocial da renda e liberdade de actualização da renda, e sobretudo o fim do roubo e das restrições ao licenciamento de novas construções e alojamento local.

Mas isso não será suficiente; também será necessário abolir o BCE, evitando que se criem bolhas imobiliárias à conta de juros 0% durante anos a fim e o roubo a favor da casta próxima da fonte do dinheiro.

Uma coisa é clara: não é roubando uns para dar a outros que se irá resolver um problema que nos atormenta a todos.

Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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