Tinta de Bisturi

Saúde Pública: abrir, fechar, abrir de novo…

stainless steel scissor

por Diogo Cabrita // Outubro 1, 2023


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Uma realidade que se muda sem haver avaliações das vantagens, nem perspectivação de consequências, é sempre uma evolução, mas que pode encontrar um abismo. 

A verdade é assim que nas últimas décadas se decide e organiza em matérias de Saúde Pública.

Há umas mentes iluminadas que decidem juntar serviços médicos.

orange room with open door

Outras mentes decidem criar centros hospitalares. Gente mais inteligente ainda encerra serviços com ocupação de 90%.

Fecham-se camas hospitalares para construir cuidados sem o mesmo nível de assistência ou de apoio. Fecham-se hospitais, que, por vezes, se reabrem para suprir falhas que eram óbvias antes do fecho.

Criam-se corredores de centros hospitalares com 40 quilómetros de distância. Transitam ambulâncias num insano negócio que parece compensar o Estado, ou servir bem os acólitos das decisões.

Para melhorar a ideia deste esquema demente, ninguém avalia as medidas postas em prática e as consequências das decisões tomadas. Já careciam de medir os dados antes de tomar decisões; que já eram tomadas em gabinetes carregados de funcionários sem exposição no terreno, sem conhecimento algum da situação da saúde nacional.

brown wooden door with padlock

Os directores de serviço não têm poder, não podem interferir com outros profissionais, não gozam da capacidade de afastar gente problemática, não se lhes paga pelo incómodo, mas “exige-se-lhes” resultados de produção. Também se perpetuam directores com péssimos resultados, como se excluem os que atingiram objetivos, sempre sem critérios coerentes. 

Vem um iluminado e fecha uma enfermaria. Vem outra lâmpada e encerra uma urgência. Depois vem uma gambiarra e constrói uma necessidade: registos de hora a hora impossibilitando qualquer atividade com os doentes. Burocracia substituindo gestos terapêuticos e de contacto com os doentes. Muito computador, muito registo que seria lógico se houvesse estudos nascidos deles.

Infelizmente, é como nas inspeções militares, que durante décadas inscreveram milhões de registos em papel que nunca serviram para editar qualquer trabalho ou tomar qualquer decisão. Jazem algures nos quartéis, onde elas se faziam, ocupando quilómetros de estantes, isto se um candeeiro não os mandou queimar. 

Trabalhamos assim desde há 20 anos. Eu estava na Cirurgia 2 que integrou a cirurgia do Hospital Geral (HG) de Coimbra, que depois se converteu em Cirurgia C que integrou as compactadas do Hospital da Universidade de Coimbra (HUC) e agora somos a Cirurgia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) única, com corredores de oito quilómetros e uma produção coletiva que não sei se é melhor que a dos cinco serviços unidos, não sei se tem melhores resultados que a dos cinco separados e não sei se tem menor lista de espera. Aliás, ninguém parece saber!

Esses argumentos nunca aparecem nas decisões tomadas. Sei que em urgência os doentes do distrito estão pior, sei que em resposta à disponibilidade de camas os doentes estão muito piores. Cheira-me que em matéria de custos esta solução é mais cara que as dos cinco em separado. Também não há nenhuma prova, nenhum trabalho científico, que prove que a dedicação plena ou a exclusividade médica tragam benefícios onde a liderança tem dificuldade na exigência.  

Diogo Cabrita é médico


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.