VISTO DE FORA

A Greta de Xabregas

person holding camera lens

por Tiago Franco // Outubro 5, 2023


Categoria: Opinião

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Tenho, por norma, o hábito de apreciar (quase) todas as manifestações de ideias, convicções e ideais no espaço público. As excepções à regra serão, obviamente, manifestações anti-democráticas, fascistas e outras que tal.

Entendo o grupo de jovens que agora aparece, quase todos os dias, em acções de luta contra as alteracões climáticas mas parece-me que precisam rapidamente de um estratega naquele meio-campo. 

Close-Up Photo of Assorted Color of Push Pins on Map

A primeira coisa a perceber é quem devem chatear. Em princípio não vão conseguir grande coisa com três almas sentadas numa rua de Lisboa ou uma dúzia a atrapalhar o trânsito na Segunda Circular. E porquê? Porque aqueles desgraçados que andam na Segunda Circular já têm problemas que cheguem na vida, a começar pela própria Segunda Circular, e não podem fazer absolutamente nada pela causa ambiental. Bom… não é bem assim, dizes tu jovem votante do PAN; eles podiam todos largar o carro e ir nos transportes públicos. O que é verdade, mas, para isso, a rede pública de transportes tinha de ser uma verdadeira alternativa, o que nos traz, novamente, para a minha primeira afirmação: os automobilistas da Segunda Circular não decidem nada. 

Neste caso não se aplica aquela máxima das greves: “greve boa é aquela que incomoda”. Vejam o caso da CP, por exemplo: não há forma de reivindicar sem atrapalhar a vida de milhares, mas nesse caso faz sentido porque é uma forma directa de pressionar os decisores. Não é o que acontece aqui.

As únicas pessoas que os manifestantes incomodaram, como se percebeu, foram aqueles condutores que os tiraram da estrada como quem puxa um fardo de palha. Apareceram nos noticiários, de facto, mas a discussão sobre o tema foi inexistente, e o incómodo a quem tem que decidir foi nulo. Quanto muito conseguiram virar a opinião pública contra eles.

Não é fácil discutir este tema num país pequeno como Portugal, que se limita a seguir as políticas da União Europeia e a gerir fundos comunitários. Reconheço esse esforço aos activistas. Mas estar a chatear pessoas que andam na luta diária para conseguir pagar taxas de juro e a inflação no supermercado, não os levará a bom porto. Fazem-me lembrar um jornalista que andava a lamber maçanetas de porta, durante os confinamentos, para dizer que a vida continuava apesar da covid-19.

person holding black and brown globe ball while standing on grass land golden hour photography

De facto, continuava e continuou mas para isso bastava, por exemplo, fazer o que os suecos faziam nessa altura: uma vida relativamente normal com algum distanciamento e regras básicas de higiene. No fundo aquilo que se deveria fazer sempre. Ninguém lambia maçanetas de portas antes de se ouvir falar na covid-19, portanto, começar essa nobre actividade era só estúpido e não trouxe nada do que se pretendia para a discussão. Hoje, que pagamos a factura dos confinamentos e vivemos na mesma com infecções por covid-19, o tema já não se discute com o fanatismo de então. E ainda bem. Mas as discussões entre dois pólos de radicalismo raramente ajudam seja que causa for.

Portugal tem na pirâmide das necessidades um mundo de prioridades antes de se focar nas alteracões climáticas. Não é que não sejam importantes, entenda-se, mas normalmente quem não sabe se garante o jantar, não está assim tão preocupado com o aquecimento do planeta. 

Eu diria para estes activistas, que querem ter o assunto na agenda, se concentrarem em arranjar números e alvos. Números, desde logo, porque três pessoas subnutridas não incomodam ninguém. Alvos porque se querem discutir ideias, têm de ir ao encontro de quem as pode legislar. Vão furar pneus aos ministros, fazer greves de fome em frente à Assembleia da República, mandem um mail à Greta para acções conjuntas, marchem com outros jovens europeus sobre Bruxelas. Mas não vão aborrecer os lisboetas que já andam com a cabeça em papa por aquilo que a realidade lhes traz diariamente e, muito importante, não podem fazer absolutamente nada pelas alterações climáticas.

aerial photography of city buildings

Como em todos os grandes temas da actualidade, Portugal seguirá o que outros disserem. Não somos líderes e muito menos temos peso político para impôr agendas na União Europeia. Este é um assunto global, que será decidido por políticas comuns, quando e como as potências assim quiserem. Quando os interesses se alinharem, as guerras acalmarem (acabar, nunca) e as trocas comerciais entre produtores e consumidores não estiverem em risco.

Notem, por exemplo, que toda a indústria automóvel, dos países desenvolvidos da Europa, nos vende uma revolução verde com a transicão dos motores a combustão para motores eléctricos. Como se o lítio nascesse nas árvores e o seu ciclo de vida não tivesse um enorme impacto ambiental e na saúde das populações que vivem perto das zonas de extração. Revolução verde, ou lá o que lhe quiserem chamar, é tirar 50 pessoas de 50 carros e colocá-las num autocarro. Todo o resto que se discute são apenas alterações de modelo de negócio para diferentes multinacionais. 

Portugal, como todos sabemos, está longíssimo de ter no clima a sua principal preocupacão e, como qualquer país pobre, tratará de sobreviver primeiro aos juros e depois logo verá o que fazer com a subida das águas. Se, entretanto, quem de facto dá as ordens indicar outra direcção qualquer, pois trataremos de a seguir com algumas bazucas pelo meio.

man near building

Até lá, recomendo aos activistas, que certamente não quererão deixar o tema arrefecer, que se manifestem junto dos agentes políticos e procurem granjear simpatia e apoiantes para a discussão que, repito, é importante. E pela vossa saúde, arranjem um porta-voz que tenha apanhado sol nos últimos três anos e não coma só rebentos de soja. 

Uma pessoa tem mais vontade de ouvir se o interlocutor não for um rapaz que declarou guerra a todo o tipo de vitaminas.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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