ARQUITECTURA DOS SENTIDOS

Azul

brown and blue wallpaper

minuto/s restantes

Viste os ecos azuis nos azulejos molhados do corredor que se estendia do balneário, frio, escorregadiço? Chinelos slap slap, cuidadosos, e o aconchego da toalha, a linha do elástico da touca, a repuxar cantos da pele, as coxas arrepiadas, a aproximarem-se de um degrau de chuveiro.

O pudor tímido.

O reverberar de água, motores, chlap, o mergulho daquele homem em braçadas ríspidas. O cheiro.

Close-up of Water Droplets Against Blue Background

Cheiro azul de cuspe, desinfectado, e gestos hesitantes (vais cair, vais cair!). Abandonar tudo num canto e chegarmo-nos junto a uma toca aquática, suave, tina de água tépida, e o cloro a entrar pela alma dentro (quando morremos o ar que nos abandona é o nosso espírito?)

Cada pequeno pulinho, bailarinas em pontas, deita-te, que assim já te equilibras. Flutua, que assim já te moves com o movimento dos outros. Que mais fácil, que é assim, deitada, e o mundo navega na mesma.

Claro, alguém passará, salpicando tudo em volta, sem delicadezas, agitando ondas e perturbando o sono leve. Que mais fácil que seria assim, com bolha que protegesse a cara da água fria, que viajou no ar, que pairou um segundo livre antes de se derramar na pálpebra fechada.

Existe uma claraboia que deixa o sol se despejar por ali abaixo. Gaivotas pairando longe, flutuando no céu azul, (e tu a flutuares em azulejo), fazendo de conta que o tempo também flutua, que também balança, como mesa manca, só um bocadinho manca, só o suficiente para estremecer – e te deixar na dúvida se foste tu que vacilaste.

flock of bird flying on sky

Nadadores que se escondem debaixo de água, a encolher o nariz, ao romper a película transparente, ouvem os brilhos azuis das pessoas que deslizam junto à borda?

Que brilho tens tu quando estás sem roupa e tiritas pelo mundo fora? Sabes que se não tiveres medo das gotas, que fogem livres da dança dos outros, te podes aquecer num abraço, e se chorares ali ninguém vê? Porque é tudo azul. E o tempo flutua.

Mariana Santos Martins é arquitecta


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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