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Não se pode falar de imigração desenfreada? Ou deve-se?

silver bell alarm clock

por Maria Afonso Peixoto // Outubro 6, 2023


Categoria: Opinião

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É hoje um dos temas ‘tabu’. Salvo algumas excepções, e descambando sempre numa discussão ideológica e pouco racional, o debate sobre a imigração desenfreada – e repita-se, a imigração desenfreada – não encontra espaço nem tempo na sociedade civil. Tal como sucedeu na pandemia, ou em outras questões “fracturantes”, cria-se aqui um eixo onde apenas um lado é consensualmente aceite e as demais opiniões são proibidas. Não há lugar sequer ao meio-termo: ou se está visceralmente contra, ou incondicionalmente a favor.

Aqueles que divergem, rapidamente são apodados de insensíveis e desumanos vilões que encolhem os ombros perante a desgraça alheia, ou pior – com sorte são xingados simplesmente de fascistas. Por outro lado, quem aceita sem reservas as crescentes remessas de imigrantes são os humanistas, os evoluídos, os solidários e os altruístas; enfim, os cidadãos exemplares com um lugar reservado no céu. Este compasso moral foi, nas últimas décadas, sendo paulatinamente estabelecido, até se cristalizar como uma verdade inquestionável. O problema disto é ser uma dicotomia simplista, e por isso errónea, que ignora a complexidade do tema e rejeita qualquer nuance.

aerial view of people on shoreline

Em Portugal, os imigrantes têm aumentado de uma forma galopante, sobretudo desde que António Costa é primeiro-ministro. Por exemplo, em Setembro noticiou-se que só este ano se passou de 781.915 imigrantes, no final de 2022, para os 980.000. São quase 200 mil. Por ano, nascem apenas cerca de 80 mil crianças e esse número apresenta uma tendência decrescente há décadas também porque muitos jovens portugueses tiveram de emigrar – e nos países onde lhes deram melhores condições lá têm os seus filhos.

Sempre podemos dizer que os imigrantes que escolhem o nosso país procuram o mesmo, mas convém, já agora, ver se a “troca” faz sentido, sobretudo porque os nossos emigrantes, além de portugueses (o que, salvo melhor opinião, não é desonroso), saem agora com um curso superior, que é um investimento também público a ser aproveitado por países terceiros.

Em Março, com as autorizações de residência automáticas para cidadãos da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), Portugal passou de uma política de portas abertas para portas “escancaradas”. Atendendo às enormes dificuldades na Habitação e na Saúde, é pertinente interrogarmo-nos sobre o porquê de tal decisão. Qual o intuito? É por pensar que duas ou três dezenas de emigrantes se podem encaixotar num T1 na Mouraria? É mesmo disto que o país precisa? É, sequer, uma medida recíproca e proporcional? Não. Facto é que, em apenas seis meses, mais de 151 mil vistos já foram concedidos.

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Bem conhecemos as declarações diárias de personalidades políticas, incluindo membros do Governo , assumindo que tanto a população portuguesa como a europeia estão em queda livre, e apontando a chegada de imigrantes como a única saída para esta crise, para o aumento do PIB e para a sustentabilidade da Segurança Social. Mas esta será sempre uma solução artificial, além de ser um argumento facilmente desconstruído.

Perante um Governo que não só permite, pela inacção, a debandada de portugueses – não criando condições para os jovens se estabelecerem como famílias –, forçoso é concluir que não existe vontade política de assegurar a renovação das gerações com portugueses de origem. Renovar é sempre bom, mas qual seria o mal se fosse sobretudo com portugueses. Ou ser humanista é abrir os braços aos imigrantes e escorraçar os portugueses?

Quem defende uma imigração descontrolada costuma invocar um imperativo moral, que teoricamente faz sentido: gozando de um nível de vida superior, a Europa deve abrigar todos os estrangeiros porque é o “correcto”. Mas onde é que começa, e onde acaba, exactamente, a solidariedade destes bons samaritanos? Quando é que uma “ajuda” deixa de ser razoável e se torna contraproducente? E será que as objecções à imigração não têm legitimidade?

Passkontrolle Passport control signage

Quem responde “não” a esta questão, por regra faz vista grossa a consequências negativas; a começar pela perda de coesão e da identidade nacionais – Roma e Pavia não se fizeram num dia, e também a ausência de conflitos regionais (vd. Espanha) deve-se ao facto de sermos um país uno há mais de 800 anos. Mas esse nem é o pior mal, e os outros males são pouco humanistas. Receber imigrantes de braços abertos e deixá-los depois amontoarem nas ruas ou em habitações sem condição, atirando-os à pobreza, não é ser humanista. Deixá-los cair em redes de tráfico humano ou de extorsão, não é ser humanista.

Bem sei qual é o outro lado da moeda: se um Estado restringe a entrada de imigrantes, esse Estado é xenófobo e racista. E também sei que se pode ser preso por ter e não ter cão: se aceita, então é-se acusado de não fazer o suficiente na integração. Nada de novo debaixo do sol, ou no “reino de Portugal” (leia-se, Dinamarca) : faça o que fizer, as culpas de todos os males do mundo recaem sobre o Ocidente. Não há avé-marias nem pais-nossos que lhe dêem a Salvação, depois de todos os pecados cometidos.

Contudo, aqueles que fazem escárnio do legítimo direito do Ocidente em preservar o seu património cultural e identidade nacional, defendem-no curiosamente, na maior parte dos casos, esse direito para outros países. Na verdade, não é que desprezem a afirmação da nacionalidade: apenas parecem fazê-lo com aqueles que lhes são culturalmente mais próximos. Não preconizam a abolição de fronteiras ou a diluição de todos os países num mosaico multicultural de cidadãos sem noção de pertença e de raízes históricas, como expatriados dentro dos próprios países. Caso contrário, não poderiam condenar – como condenam – o colonialismo nem defender a soberania das antigas colónias e a sua independência e autonomia.

white bird

A sua aversão àquilo que denominam, com desdém, de “nacionalismo”, não se aplica, por exemplo, a nações africanas, árabes, ou aos países que empregam políticas estritas para “proteger” a sua composição demográfica, como a China ou Israel. A “conversa” da inclusão e da diversidade revela-se, assim, pura demagogia, ou uma flagrante hipocrisia. Apregoam o respeito pela singularidade dos diversos países e respectivos povos; mas só para alguns.

Na verdade, e perdoe-se o pleonasmo, a verdadeira diversidade pressupõe a existência de países e culturas fortes, coesas e heterogéneas, que interagem saudavelmente entre si, em vez de um (ou muitos) melting pot (em) que nos querem “cozinhar”, sem se saber se, no fim, ficamos todos fritos, assados ou esturricados.

Maria Afonso Peixoto é jornalista


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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