Os dicionários ensinam que chalupa é “uma pequena embarcação com um ou dois mastros, usada sobretudo para navegação de cabotagem”.
Depois, acrescentam que a palavra também pode definir “pessoa que perdeu o uso da razão, que não tem sanidade mental, que é demente, doido, maluco”.
Conheço gente, cruzo-me diariamente com muita, a quem o segundo significado fica que nem uma luva.
Não conseguirei distinguir a chalupa/embarcação, de um cacilheiro ou de um barco de pesca.
Preferia que fosse o contrário, mas não sou conhecido pela minha sorte.
Vem isto a propósito de um comentário do nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aos jornalistas do “Tal & Qual”, quando estes o questionaram sobre o seu equilíbrio mental, devido ao comentário que fez sobre o decote de uma jovem lusodescendente, no Canadá: “Ainda apanha uma gripe, já viu bem, com esse decote?”…
A questão, que tem a sua pertinência porque, a provar-se tal deficiência, seria motivo para a sua destituição do cargo, mereceu a seguinte resposta:
“Não estou maluco, estou igual ao que sempre fui, mas prometo quando tiver o primeiro sinal avalizado por especialistas, ou sentido por mim, telefono ao Tal&Qual e aviso que estou chalupa“.
Foi pouco esclarecedor e confuso.
Em primeiro lugar, o facto de dizer que está “igual ao que sempre foi” tanto pode provar que “ele não está chalupa” como “ele sempre foi chalupa”.
Dúvida que fica mais forte depois do relato do jornal sobre caso idêntico passado em 2005.
“Enquanto estava num jantar-conferência da Universidade de Verão do PSD, uma aluna de 19 anos, disse o seguinte ao então professor e comentador político: “Gostava de dizer que o grupo azul não está hipnotizado, mas ouviu com toda a atenção e todo o prazer”.
Marcelo respondeu na altura: “Começo por dizer que hipnotizado estou eu com o decote da companheira! Obviamente não pelo decote, mas pela beleza da companheira!”.
Em segundo lugar porque admite a hipótese de alertar a população para o facto de estar chalupa no caso de se sentir tal.
Tanto quanto julgo saber, qualquer chalupa negará, sempre, que é chalupa.
Pior, quanto mais chalupa for, mais veementemente se recusará a admitir que o é.
Muitíssimo pior, se chegar ao apogeu da “chalupice” (seja lá isso o que for) até nos especialistas deixar de acreditar.
Sei que o texto a que me estou a referir foi escrito em termos simpáticos, bem-humorados e a tentar tornar inócuos estes episódios.
Comigo resultaria se, ao mesmo tempo, não houvesse outras frases bombásticas do nosso Presidente.
Infelizmente, houve.
O último exemplar da revista “Sábado” traz a seguinte citação de uma frase proferida pelo Presidente, na conferência da Confederação do Turismo:
“Pela primeira vez estou optimista. Temia chegar ao fim do mandato sem sequer ver a primeira pedra do aeroporto.”
A frase é ambígua, outra vez, porque não esclarece de que aeroporto fala e não é óbvio que a primeira pedra que ambiciona ver seja a indicadora da construção de um novo.
Pode, muito bem, estar a falar da primeira pedra, lançada há décadas, no início da construção de um já existente.
Pelo que se conhece de Marcelo Rebelo de Sousa, parece óbvio, todavia, que ele se refere ao sempre anunciado novo aeroporto de Lisboa.
O Aeroporto Santa Engrácia.
E isso é muito preocupante.
Se se confirmar esta última hipótese seria caso para ser “avalizado” pelos especialistas de saúde mental.
O seu segundo mandato – que é, como se sabe, de cinco anos – começou em 2021, pelo que dois desses anos já se passaram, e terminará, se tudo correr normalmente, em 2026.
Marcelo pensará que, durante esse período, vai assistir, quiçá participar, ao lançamento da primeira pedra do novo aeroporto de Lisboa (digamos assim), que ainda ninguém sabe, ao fim de décadas de estudos, propostas e concursos, onde será construído.
E diz isso sem se rir?…
Há quem diga que “muito riso, pouco siso”.
Neste caso, é exactamente o contrário.
Dizer o que disse, sem se rir, é preocupante porque, quem não o conheça bem, vai pensar que falou depois de ponderar.
E até acreditar no que diz.
As suas palavras não serão tão graves como as garantias do seu antecessor sobre a qualidade das contas do BES, há que reconhecer.
Todavia, a simples hipótese de acreditar na possibilidade que anunciou, vai deixar muita gente a pensar que, a qualquer momento, o “Tal & Qual” irá receber uma chamada preocupante de Marcelo Rebelo de Sousa.
Vítor Ilharco é assessor
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