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Saúde: uma autópsia – parte I

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É preciso que todos saibam que relatórios a prever a situação actual não faltavam.

É fundamental saber que desde os privados aos públicos, e mesmo os observatórios de saúde, foram deixando informação. O Conselho de Finanças Públicas, a Administração Central do Sistema de Saúde e até o Observatório Português dos Sistemas de Saúde, que “é constituído por uma rede de investigadores e instituições académicas dedicadas ao estudo dos sistemas de saúde e produz anualmente um documento síntese da evolução do sistema de saúde português.”

É preciso reconhecer que a demagogia governamental e as suas capacidades em aldrabar a realidade se tornaram perversas e ilimitadas. Manuel Pizarro é um dos agentes da demagogia mais burilada. Há poucos dias afirmou que a crise da saúde se deve à melhoria do sistema que a política do Partido Socialista (PS) foi construindo.

De facto, esta enormidade contraria os relatórios todos. Os portugueses vivem muito, mas sem saúde. O número daqueles que perderam Medicina Familiar aumentou 30% com o PS. A falta de médicos de família afecta 61% da população de Lisboa. Os médicos dentistas têm também documentos onde se prova a medíocre saúde oral dos portugueses. Os psicólogos têm documentos que comprovam a crescente presença de depressão e ansiedade sobretudo em jovens. Manuel Pizarro mente e não se importa, pois para ele o lugar de Ministro é uma apoteose, um momento de êxtase.

Os médicos estão zangados porque não querem fazer mais horas extraordinárias. Alguém se pode opor a esta reivindicação? Cumprido o meu horário vem o patrão e manda fazer mais horas, pagas, mas acima do meu contrato. Só faz quem quer! A isso se chama trabalho extraordinário. Isto é básico e não carece de bitaites ou opiniões.

Os médicos detestam urgências, sobretudo. Sim porque se transformaram num caos graças à destruição do atendimento primário. Hoje, qualquer pessoa que sente uma maleita por mais pequena que seja só tem uma porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde: a urgência.

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Imagine que trabalha com fruta e entram no mercado 1.500 pessoas por dia. Ou na loja de roupa com ritmo natalício todos os dias. Não se aguenta psíquica nem fisicamente. E estamos a falar de Saúde, de decidir sobre prioridades em que o tema é vida e falta dela.

Sabia-se que os salários baixos acarretariam fugas dos técnicos para o privado. Sabia-se que estender prazos de atendimento na Medicina Familiar carregava as urgências. Sabia-se que reduzir o número dos que pagam taxas “facilitava” o acesso a urgências.

O PS retirou 6% de proventos do SNS ao acabar com as taxas, deu a informação errada que a Saúde é de graça e não tem limites. O SNS promoveu métodos de medicina defensiva que acarretam protocolos e normas que aumentaram os exames complementares e as incertezas dos profissionais para dar altas.

Não se construíram mecanismos de encaminhamento nem de resposta atempada. Não se promoveu a tecnologia como solução para consultas online. Os computadores hospitalares e a maioria dos programas lá instalados são dinossauros inadaptáveis à Inteligência Artificial.

Deste modo, as Urgências converteram-se na voragem caótica onde se espera e desespera. No final, acabam por cumprir a sua função à custa da exaustão dos funcionários. Um auxiliar com salário mínimo é um recurso que não aumentou nos hospitais. A higiene em outsourcing não é chamada a aumentar a resposta à afluência. O número de camas por metro quadrado não permite retirar os doentes das ambulâncias.

Mas este caos tem alguma coisa a ver com exclusividade? Esta falta de apoio aos médicos e enfermeiros melhora com a alteração do vínculo de trabalho? Claro que não!

A demagogia culpabilizadora atacou a greve dos enfermeiros e silenciou a inédita greve dos farmacêuticos hospitalares. Agora vêm com inúmeras mentiras contra os médicos. Os biltres que o PS tem nas redes sociais a denegrir a cidadania, e a apoucar a opinião contrária, são mestres na ofensa e na propagação de injúrias.

Os médicos estão em luta porque o sistema rebentou pela incúria, incapacidade de previsão, ausência de antecipação aos problemas, falta de soluções credíveis e sobretudo os inúmeros tiros nos pés que estiveram em roda livre.

Retrato do Midjourney imaginando um hospital caótico em Portugal.

O fim das PPP foi uma catástrofe para Loures, Vila Franca de Xira e Braga. Os centros hospitalares reduziram camas, aumentaram listas de espera, afastaram dos cuidados milhares de doentes. A aposta nos cuidados continuados é uma das grandes falácias que empurra os doentes para unidades onde não há qualquer tratamento de situações agudas, retirando o cuidar das famílias, transferindo para “lares caros” internamentos eternos e nas mãos de negócios, esgotando recursos válidos do lugar onde deviam estar.

Continuarei na próxima semana…

Diogo Cabrita é médico


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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