EDITORIAL DE PEDRO ALMEIDA VIEIRA

À frente, a caravana; atrás, os cães, ladrando

man riding on carriage on gray concrete road

por Pedro Almeida Vieira // Outubro 10, 2023


Categoria: Opinião

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Em menos de dois anos, um projecto jornalístico pessoal transformou-se, com o auxílio de um excelente punhado de vontades e colaboradores, naquilo que é hoje o PÁGINA UM: um jornal digital que (sobre)vive exclusivamente dos seus leitores, do valor (monetário) que os leitores lhe atribuem, e da sua credibilidade. Sem dívidas nem penhores. Não é pouco.

Como somos um órgão de comunicação social sem mecenas por detrás para arcar prejuízos; como não temos publicidade nem parcerias comerciais; como nascemos sem um investimento forte (o capital social da empresa que o gere, do qual sou sócio maioritário, é de apenas 10.000 euros, e não temos nenhuma autorização para darmos calote ao fisco de 11,4 milhões de euros); e como, ainda por cima, o jornal é de acesso livre, temos consciência de que desafiamos todas as regras da Economia. E desafiamos muito mais.

man riding on carriage on gray concrete road

O nosso valor é o valor da nossa credibilidade. Vale o nosso sustento, periclitante, frágil, mas honrado, até porque é por tudo isto que o PÁGINA UM actua de forma desassombrada, assombrando muitos. Somos verdadeiramente livres, independentes, sem agendas escondidas, sem necessidade de agradar a gregos e a troianos, ou a dar uma no cravo e outra na ferradura. Enfrentamos, porque acreditamos estar ainda numa democracia, todos os poderes em pé de igualdade.

Denunciamos as situações anómalas da imprensa – mesmo sabendo que desagradamos a uma classe corporativista que, de forma viciosa, foi vendendo a alma ao diabo (não há mal em vender-se a alma ao diabo; convém é então não andar travestido de asas de anjinho).

Enfrentamos qualquer poder, quer seja político quer seja judicial, sempre que está em causa o acesso à informação e a transparência, usando as armas que a democracia nos concede: as leis e os tribunais. Ao longo de dois anos, interpusemos 18 intimações no Tribunal Administrativo de Lisboa, e mais se seguem. Perdemos alguns casos (poucos), ganhámos muitos, outros estão em kafkianos processos de decisão, com recursos e expedientes dilatórios da Administração Pública.

Fazemos um trabalho invisível mas muito árduo e desgastante, nesta linha, que mesmo os leitores mais fiéis do PÁGINA UM nem imaginam. Mas não desistimos. Como poderíamos se nem pejo tivemos de confrontar, com a lei, o Conselho Superior da Magistratura? E continuaremos. Ainda esta semana pediremos a execução de uma sentença por incumprimento integral de uma decisão do Tribunal Administrativo e de uma acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. E iremos fazer novo pedido de consulta de outros processos, que terá nova intimação se não satisfeito. A lei tem de começar a ser cumprida pelos próprios magistrados.

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Tudo isto é uma tarefa quotidiana árdua. Todos os dias sinto que a minha credibilidade é colocada em causa, não apenas por mim (e sou muito zeloso da minha credibilidade), não apenas pelos meus leitores, mas sobretudo pelos nossos detractores. E são muitos. E são facilmente identificáveis. Por isso, reajo de forma veemente quando se coloca em causa a minha credibilidade e a credibilidade do PÁGINA UM.

Ao longo destes quase dois anos, enquanto o PÁGINA UM anda a revelar e a denunciar sem parança – num estilo aguerrido, que, sabendo ser particular no novi-jornalismo dos tempos modernos, nem foge muito à linha daquilo que eram os meus artigos na saudosa Grande Reportagem, quando Miguel Sousa Tavares era seu director –, sei bem os incómodos que provoco, mesmo, ou sobretudo, nos meandros do jornalismo. Um mundo pequeno e que se tem mostrado pequenino.

Começou logo no início do PÁGINA UM com uma campanha lamentável da CNN Portugal, seguida por outros jornais, onde se destaca o Público, o Observador e o Expresso, onde aliás colaborei vários anos.

Continuou com a postura da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que não apreciou certas questões sobre transparência, e chegou a fazer um execrável comunicado contra mim por simplesmente eu estar a defender o acesso à informação. Os membros do Conselho Regulador anunciaram processos judiciais: sei que apresentaram duas queixas, que chegaram à fase de inquérito, mas desistiram antes de eu ser ouvido (não lhes custou os encargos dos advogados, pagos com dinheiros públicos). Malgrado isto, tem andado a ERC entretida a elaborar pareceres a pedido – já são quatro, e deverá haver mais –, contra o PÁGINA UM, incluindo notícias que até resultaram em processos na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

man sitting on chair holding newspaper on fire

Continuou com a Ordem dos Médicos, com “excelentes” relações com os media, que, perante pedidos de acesso a documentos administrativos a uma campanha de solidariedade que é um caso de polícia, decidiu apresentar uma queixa judicial contra mim (acompanhada pelo ex-bastonário, pelo inefável Filipe Froes e pelo pediatra Luís Varandas) numa tentativa de influenciar uma decisão num tribunal administrativo.

E continuou também na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que, depois de um conjunto de notícias desfavoráveis ao suposto mérito da actual presidente, veio a correr abrir os braços a uma queixa do almirante Gouveia e Melo, abrindo-me um processo disciplinar sobre notícias que, hélas, resultaram na abertura de uma inspecção pela IGAS. A mesma CCPJ fizera, no ano passado, uma lamentável recomendação censória para alegrar o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que, à conta de notícias do PÁGINA UM, teve um processo de contra-ordenação da IGAS e a perda do estatuto de consultor do Infarmed.

E talvez me esteja a esquecer de outros casos.

No meio disto, veio a terreiro recentemente uma “coisa” chamada Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) como novo braço armado para me pôr na linha. E digo “coisa”, com alguma dor de alma, porque fui membro por um ano nos idos de 2006 (salvo erro), até me demitir por me aperceber que havia questões mais de política e de conveniência do que de deontologia. Adiante que isto é história. Ora, o CD-SJ é, na verdade, uma “coisa” que existe mas não existe. Ao contrário da ERC e da CCPJ, não tem qualquer competência legal nem ligação directa ao Sindicato dos Jornalistas, nem tem um critério de actuação, nem tão pouco uma linha transparente de intervenção. Basicamente, no meio da deterioração geral da imprensa e dos atropelos constantes até das normas do Estatuto dos Jornalistas, o CD-SJ vai dando os bitaites, de quando em vez.

Compreende-se: além de ser presidido pelo Provedor do Adepto do Rio Ave, especialista em vinho alvarinho e docente universitário, o CD-SJ integra ainda um jornalista da Trust in News (empresa que deve 11,4 milhões ao Fisco), outra do Observador (que nunca soube o que eram lucros e agora convive alegremente com parcerias comerciais de duvidosa deontologia e legalidade, além de já ter feito ataques soezes a mim) e uma outra jornalista da Lusa (o Pravda do actual Governo, no sentido de que para a agência noticiosa tudo o que sai do Governo é Verdade, e que, em tempos, publicou, como se fosse um relatório sério, algo que era um embuste sob a forma de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”). Há um quinto elemento sobre o qual poucas referências detenho, excepto saber que terá andado em inquirições para descobrir os supostamente misteriosos, obscuros e tenebrosos financiadores do PÁGINA UM.

Aliás, eu nem sei como ainda não surgiu a “lenda” de eu ser um tipo a ser suportado com dinheiros da extrema-direita ou do Putin ou da… ia dizer China, mas isso são outros; deve ser pelo meu aspecto dar mais ares de extrema-esquerda. Ficam confusos e indecisos, certamente, por ser difícil colar o “cromo”.

Ora, mas de repente, esta “coisa” chamada CD-SJ acordou da letargia, embora já tivesse feito uma trapalhona tentativa de me lixar no início de 2022, malparida por um jornalista da CNN Portugal, ao ponto de terem então metido a viola no saco. Até Maio deste ano, com tanta porcaria a ser feita por tantos jornalistas e directores de supostamente respeitáveis órgãos de comunicação social, o CD-SJ tinha feito cinco pareceres. Mas nem sequer tugiu nem mugiu em concreto sobre a actuação de 14 ‘jornalistas comerciais’ detectados pela ERC, incluindo até um dirigente sindical (Miguel Midões), que assobiou para o ar e manteve o poiso no Sindicato. O CD-SJ também se borrifou para os jornalistas da Cofina que serviram de mestre-de-cerimónia em 12 emissões de telejornais da CMTV pagos por autarquias. Quis lá saber de um Reginaldo que faz programas como jornalista enquanto obtém patrocínios como empresário para o dito. Nem um ai deu perante directores que se vergam em sorrisos aos patrocinadores, em alguns casos da Administração Pública e do Governo, que lhes besuntam as mãos em eventos “vendidos” aos incautos leitores como simples notícias quando se trata de prestação de serviços. Mas, de repente, no meio deste pântano asqueroso, o CD-SJ e o Provedor do Adepto do Rio Ave acordaram nos últimos meses apenas para apanharem as supostas falhas deontológicas do PÁGINA UM.

Deram logo um ar da sua desgraça em Maio, quando decidiram acolher uma queixa da própria Presidente da CCPJ, mui incomodada com as notícias e perguntas do PÁGINA UM, e por um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa (depois de vários pareceres da CADA) para acesso a informações (incluindo actas e contas), e que luta em prol do secretíssimo da sua actividade alegando uma suposta protecção da vida privada ao abrigo do Regulamento Geral da Protecção de Dados (RGPD). E isto na mesmíssima CCPJ (numa outra presidência que não a da ‘jurista de mérito’ Licínia Girão) defendia em 2018 que os jornalistas deveriam ser excluídos das restrições do RGPD. Enfim, coerências institucionais…

Mas sobre a condução (e conclusão) deste parecer, abjecto na forma como o CD-SJ recusou a minha defesa, aceitou acréscimos à queixa e atropelou regulamentos (aprovando o dito fora de uma reunião ordinária), já escrevi o que tinha a escrever, até porque sintetizei no título de um editorial aquilo que penso: “A deontologia de quatro crápulas, ou cronologia de uma patifaria“. É certo que não falei da atitude de silêncio corporativista e compincha da direcção do Sindicato dos Jornalistas, porque, enfim, sendo mais lamentável (há associados incómodos), ainda tenho esperança de que os seus dirigentes, alguns deles pessoas decentes, se envergonhem um dia das suas omissões. Talvez no dia em que, por falta de condições para se ser um jornalista livre em Portugal, lhes fecharem a porta do emprego de mangas de alpaca.

Tinha, aliás, sobre este parecer do CD-SJ relativo à queixa da presidente da CCPJ – entidade que, aliás, nada diz sobre o meu desafio para me abrir um processo disciplinar para que haja regras legais a cumprir pela acusação, o que não sucedeu até agora – uma decisão tomada: instaurar a cada um dos seus membros um processo por difamação.

Contudo, vou desistir desse intento. Não vale a pena. E por uma simples razão: o CD-SJ vai voltar à carga, ad aeternum per saecula saeculorum; não se vai cansar de me fustigar tentando caninamente descredibilizar-me. E conseguirá se eu lhes der mais trela.

man in black crew neck shirt with red and white face paint

Veja-se que, em vez de um, agora já tenho dois pareceres censórios. Em tempo recorde, o CD-SJ acolheu e decidiu uma queixa contra mim da administração do Hospital de Braga sobre dois artigos que escrevi denunciando “contratos de sete milhões de euros escondidos durante mais de dois anos“, publicado em 12 de Junho, e o sistemático uso (quase total) de ajustes directos na contratação pública, em 13 de Setembro. Dificilmente se encontrará, na imprensa portuguesa, investigação jornalística baseada em tamanha quantidade de documentos (contratos) e de análise de informação, mas o CD-SJ conseguiu descortinar falhas deontológicas por causa do estilo com que apresento factos e sintetizo a interpretação de factos.

Alias, a sanha pressente-se logo na inquirição, nem sequer disfarçando. Por exemplo, no assunto do seu e-mail para mim com as suas acusações, constava o seguinte: “HB vs PAV”, como se se tratasse de uma mera competição e quezília entre o Hospital de Braga (HB) e o jornalista Pedro Almeida Vieira (PAV), e não de uma investigação jornalística sobre a gestão de um hospital. Depois de uma reacção de mera repulsa em pactuar com palhaçadas, cai no erro de acabar a argumentar e a entrar em debate, porque deveria antever o que sucederia. Com efeito, o Conselho do Provedor do Adepto do Rio Ave manipulou e descontextualizou trechos dos meus argumentos, omitiu outros tantos, e interpretou tudo à sua maneira, de sorte a compor um chorrilho de disparates que transformou uma irrepreensível peça de jornalismo rigoroso e aguerrido numa suposta infame peça de pasquim.

Honra seja feita ao Provedor do Adepto do Rio Ave e mais ao seu CD-SJ, com seus compinchas: são bons seguidores do polaco Arthur Schopenhauer que, no século XIX, já nos explicava como vencer uma discussão mesmo sem ter razão. E, portanto, concedo ao Provedor do Adepto do Rio Ave a vitória: aqui está neste novo parecer, que até divulgo em primeiríssima mão.

Ainda há dias me questionei sobre o que diria o Provedor do Adepto do Rio Ave se a Dra. Edite Estela se tivesse queixado desta minha reportagem na Grande Reportagem de Julho de 1998. Como se pode admitir palavras como “intrigas”, “caótico”, “escandaloso” e “infelizmente” só numa chamada? Como se pode admitir tanta adjectivação opinativa?

Mas há uma altura em que tem de se dizer basta, ainda mais para gente ordinária. Como não vale a pena perder tempo com quem chateia e nem sequer detém um poder fáctico, como é o caso do CD-SJ, só deve receber o desprezo como taça. Eles nem existem, porque onde lhes falta credibilidade e competência, sobra-lhes em manipulação e manha. E nada existe sem honra nem credibilidade.

Se esperavam que, com reles pareceres, vergonhas deontológicas até em cada vírgula, vomitados por uma Santa Inquisição jornaleira, eu baixaria as orelhas, meteria o rabinho entre as pernas e ficaria bem-comportadinho e caladinho, desenganem-se: a caravana chamada PÁGINA UM seguirá, mesmo sobre trancos e barrancos, o seu caminho de rigor e independência, aguerrido e livre, com um estilo próprio (porque as palavras valem), enquanto os leitores quiserem e apoiarem. E assim, dedicando-me à jornada seguinte, virando a página, deixo para trás quem, já por duas vezes, me andou a rosnar invecticas. Ouvi a primeira, e nem tinha de os ouvir segunda vez, investidos às canelas. Já nem os ouvirei quando ladrarem terceira vez. Ponto final sobre este assunto.

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