Sem actividade empresarial conhecida, em 2022 facturou 6 milhões de euros mas quase sem lucros e com um passivo assustador

Páginas Civilizadas: conheça a estranha accionista da Lusa e da Global Media que tem apenas dois funcionários

por Pedro Almeida Vieira // Outubro 14, 2023


Categoria: Imprensa

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Criada em Setembro de 2020, a Páginas Civilizadas é apenas um veículo financeiro criado por Marco Galinha para controlar a Global Media e comprar também uma quota da Agência Lusa. Mas em dois anos, sem ser conhecida actividade empresarial em concreto, e tendo apenas dois funcionários, a empresa tem tido um desempenho financeiro sui generis. Depois de quase nada ter facturado em 2020 e 2021, no ano passado a prestação de serviços (não se sabe bem a quem) superou os 6 milhões de euros, mas isto resultou em lucros residuais. Ao invés, o passivo é já três vezes superior ao capital social. É esta a estranha empresa que um fundo de investimento das Bahamas terá comprado, embora o acto ainda não surja nos registos societários do Ministério das Finanças. O PÁGINA UM analisou e mostra as contas.


Supostamente dominada por um fundo das Bahamas, a empresa Páginas Civilizadas – a principal accionista da Global Media (50,25%) e que detém 22,35% da Agência Lusa, maioritariamente estatal – tem apenas dois funcionários desde a sua criação em Setembro de 2020, mas apesar de não lhe ser conhecida actividade concreta apresentou uma facturação de mais de 6,2 milhões de euros no ano passado. Mas para essa facturação, os dois funcionários tiveram de tratar de gastos superiores a 5,7 milhões de euros, o que, para além de outras despesas, entre as quais pagamentos de juros de quase 290 mil euros, deu para ter um lucro de 29 mil euros.

Porém, não se pode dizer que o estado financeiro destas empresas – que terá deixado de estar sob domínio do empresário Marco Galinha, detentor do Grupo Bel – seja sólido, porque desde a sua criação aparenta estar a servir sobretudo para acumular dívidas. E também, não sendo nada sólido, não é por causa dos dois funcionários: no ano passado custaram, no conjunto, menos de 68 mil euros. Em valor líquido, em média, cada um ganhou um pouco menos de 2.000 euros por mês.

Marco Galinha controlava a Global Media desde 2020, mas com a ‘sangria financeira’ e o calote ao Estado, está a desfazer-se dos investimentos.

Constituída em 2 de Setembro de 2020, a Páginas Civilizadas serviu de veículo financeiro para a entrada de Marco Galinha como accionista da Global Notícias – proprietária, entre outros órgãos de comunicação social, dos periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias e da rádio TSF. Apesar do seu objecto social estar associado sobretudo à “edição de publicações periódicas, não periódicas ou eletrónicas” e actividades afins, e também incluir o “desenvolvimento de software” e ainda a “prestação de consultadoria (…), orientação e assistência operacional às empresas em matérias como planeamento, organização, controlo, informação e gestão” e a “organização de conferências”, ignora-se, em concreto, qualquer actividade que seja publicamente divulgada.

O PÁGINA UM, aliás, tentou saber pormenores dessa actividade junto do Grupo Bel, e particularmente de José Paulo Fafe, gerente da Páginas Civilizadas e administrador da Global Media, mas não obteve resposta.

Certo é que, quando foi criada, a Páginas Civilizadas não incorporou logo os investimentos na Global Media e na Lusa, nem tão pouco lhe chegou dinheiro fresco dos seus então sócios a título de capital social de dois milhões de euros: o Grupo Bel e as Páginas de Prestígio, ambas ainda na esfera de controlo de Marco Galinha. Isto porque no balanço de 2020 ainda não constava qualquer valor na rubrica de investimentos financeiros e a maior rubrica dos activos (então de 2.193.774 euros) era referente a “outras contas a receber”.

Ignora-se se o Grupo Bel e a Páginas de Prestígio chegaram alguma vez a fazer entrar dinheiro na Páginas Civilizadas, porque as demonstrações de fluxo de caixa entregues na Base de Dados das Contas Anuais estão vazias nos três anos de exercício (2020, 2021 e 2022) consultados pelo PÁGINA UM. Certo é que 2021 foi, na verdade, ano para fazer engordar o passivo da accionista da Global Media e da Lusa. Nesse ano, os dois funcionários conseguiram facturar um pouco menos de 165 mil euros, e entre gastos e outros ganhos, a Páginas Civilizadas até acabou o ano com um lucro de 78 mil euros.

Porém, em contrapartida, o passivo – que em 2020 era de 191 mil euros – disparou para os 10,6 milhões de euros. Uma parte deste passivo deveu-se a um financiamento de longo prazo de quase 3,4 milhões de euros – além de outro de curto prazo de cerca de 560 mil euros –, mas aparentemente a Páginas Civilizadas terá passado a assumir dívidas de outras entidades, em princípio da Global Media. Isto porque em 2021 o activo da Páginas Civilizadas passou já a incluir as participações directas na Global Media e na Lusa (valorizadas em 5,7 milhões de euros), mas no passivo, além dos quase 4 milhões de empréstimos bancários, acresceram aproximadamente 6,7 milhões de euros de “outras contas a pagar”. A quem? E por que actividade? Mistérios não esclarecidos pela gerência da empresa.

No ano passado, com o extraordinário e inexplicável aumento da facturação, embora os seus lucros tenham sido de apenas 29 mil euros, é certo que o passivo da Páginas Civilizadas desceu, situando-se, mesmo assim, nos 6,1 milhões de euros, ou seja, três vezes superior ao capital próprio. Essa redução ter-se-á devido sobretudo ao pagamento de devedores, porque houve uma redução da rubrica “outras contas a receber”, que terá permitido o abate de uma parte da dívida do ano anterior. No entanto, isto são suposições, tendo em conta a ausência de esclarecimentos da gerência das Páginas Civilizadas e da ausência de dados nas demonstrações de fluxos de caixa.

Ascensão e queda: Marco Galinha (ao centro) teve em 2020 uma entrada fulgurante como empresário dos media, mas está já de saída, sendo apenas o quarto maior accionista da Global Media e está a preparar a sua saída da Lusa.

Por outro lado, a dívida de longo prazo diminui apenas para os 738 mil euros, mas em compensação a rubrica de “outras contras a pagar” (que não são fornecedores) continuou alta, situando-se nos 4,8 milhões de euros.

No meio desta análise financeira do PÁGINA UM às contas da maior accionista da Global Notícias, que detém também quase um quarto do capital da Lusa, talvez o maior mistério seja conhecer a razão pela qual um fundo de investimento das Bahamas compra parte de uma empresa já fortemente endividada ao fim de dois anos, que detém uma empresa de media com prejuízos acumulados de quase 42 milhões de euros desde 2017, e ainda com uma dívida ao Estado de 10 milhões de euros. Saliente-se que a compra de quotas da Páginas Civilizadas ainda não consta na base de dados dos registos societários do Ministério da Justiça.

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