SALA DE REFLEXÃO

Os genes e as crenças

blue and green peacock feather

por J. L. Pio Abreu e Maria João Carvalho // Outubro 17, 2023


Categoria: Opinião

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A Estrutura Genómica Humana foi realizada pela primeira vez por James Watson Francis Crick. Não obstante, a contribuição de Rosalind Franklin para a descoberta da dupla hélice do DNA fora essencial, mas faleceu sem obter o merecido reconhecimento. Há mais de 20 anos pensávamos que tínhamos nas mãos os segredos da vida e as suas doenças. Elas poderiam ser enunciadas pelos genes que encontraríamos desde o embrião, e havia a esperança de que, por manipulação genética, as poderíamos resolver.

O entusiasmo dos biólogos sobrepunha-se às preocupações éticas que aí advinham. Ao longo do tempo fomos percebendo que este raciocínio não se adequava à realidade. E hoje, estamos a perceber que as crenças são mais importantes que os genes. Mais do que o código genético, é o código postal que importa, como escreveu Van Der Kolk num livro publicado em 2014.

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Desde então, tem-se acumulado evidências de que a saúde e a esperança de vida dependem mais da cultura e das crenças que nos foram transmitidas em criança do que a mensagem codificada nos genes. Na ordem do dia, já não está a Genética, mas a Epigenética. O que nos diz a Epigenética? Diz-nos que os genes condensados na cromatina presentes nos cromossomas, só se activam ao receber informação do ambiente.

A Primazia do Ambiente revela-nos que a informação que controla a biologia começa com os sinais do meio envolvente, que por sua vez, controlam a produção das proteínas reguladoras do ADN sendo essas proteínas que determinam a actividade dos genes. A heresia de Howard Temin, quando descreveu a transcriptase reversa, mecanismo molecular através do qual o ARN poderia ser convertido em DNA, o que implicou o seu descrédito na época, ao desafiar a comunidade científica e os seus dogmas. Posteriormente, Howard Temin é agraciado com o Prémio Nobel pela sua descoberta, a transcriptase reversa.

Afinal, não são os genes que nos fazem como somos? Os genes servem apenas para a reprodução das células. Por exemplo, as células enucleadas (núcleo retirado para extração do DNA) conseguem sobreviver e realizar todas as suas funções durante aproximadamente 2 meses, mas não têm capacidade para se reproduzir. E, se agora, descobríssemos que o sistema reprodutor da célula é o núcleo e o seu cérebro a membrana? As membranas das células eucarióticas são constituídas por diversos tipos de límpidos que regulam e coordenam a entrada e saída das substâncias da célula. Ou seja, o Sinal Ambiental é transmitido à membrana, que aciona as proteínas reguladoras do DNA no núcleo, sendo este traduzido em RNA e novamente em proteína. 

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Nós pensávamos que os genes determinavam a vida humana condenando-nos  à prisão da hereditariedade, mas hoje sabemos que, os estímulos do meio ambiente que nos rodeia tem mais influência sobre nós do que os genes. O ecossistema é determinante na vida dos seres vivos e nos seus processos comunicativos de desenvolvimento.  No caso das células, os estímulos agem sobre os receptores localizados na membrana citoplasmática, de modo a que esta controle a actividade das proteínas e, assim, possa alterar a ordem estabelecida no núcleo.

No caso do organismo, o meio ambiente também influencia os receptores que são extremamente complexos: o tacto, os receptores da dor e os pequenos fusos que assinalam a tensão muscular, os receptores que se alojam no nariz e na boca. As ondas sonoras e visuais que chegam ao cérebro depois de descodificadas por pequenos órgãos que se encontram na periferia do corpo, como os ouvidos e os olhos. No fim, é o cérebro que organiza todas estas informações, antes de as enviar coordenadamente, como se fosse um comando, a todo o organismo.

Paremos agora para pensar: o comando do cérebro para o organismo destina-se a uma acção coordenada com vista a um objectivo, tal como: fugir, lutar, deslocar-se, procurar algo. Pode ser uma simples reacção imediata ou alguma coisa que foi analisada e pensada anteriormente. Palavras, hábitos aprendidos e memórias bem estabelecidas contribuem para essa acção coordenada. Imaginemos, se, descobríssemos que o que pensávamos ser o cérebro humano, fosse apenas o intérprete e coordenador do processo semiótico (sinais) do coração?

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Na Universidade de Nova Iorque, Thomas Jefferson demonstrou pela primeira vez, através da tecnologia computadorizada de imagem, que o coração é revestido por uma camada fina de neurónios e mantido pelo cérebro através de uma intrincada rede de nervos. Além disso, o órgão cardíaco tem o seu próprio sistema nervoso intracardíaco (ICN) para monitorar e corrigir quaisquer distúrbios locais na comunicação entre os sistemas do corpo.

Será que eu penso com o coração? Poderá o coração ligar-me ao universo de possibilidades infinitas cujas limitações advém das nossas próprias crenças? Já Protágoras, sofista, na Grécia Antiga, referia que o Homem era a medida de todas as coisas. 

J. L. Pio de Abreu é psiquiatra

Maria João Carvalho é filósofa com pós-graduações em Biologia, Ciências Cognitivas e Economia Social


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