Em Olhão não houve um sem dois, nem dois sem três, nem três sem quatro. Na verdade, já se vai em oito ajustes directos entre a empresa municipal de ambiente, a Ambiolhão – presidida pelo próprio presidente da autarquia, o socialista António Miguel Pina –, e a multinacional Sotkon, que tem uma sucursal no Entroncamento, especializada na instalação de ‘ilhas ecológicas’ subterrâneas em espaço urbano, mais concretamente ecopontos enterrados. O último contrato foi assinado anteontem, e publicado ontem no Portal Base. São mais 334.025,20 euros, numa conta por ajustes directos que já vai em mais de 941 mil euros, usando as mais mirabolantes justificações para tais procedimentos.
Tal como nos anteriores contratos, a autarquia não esboçou qualquer sinal de interesse em avançar para um concurso público para a instalação de contentores. E alega mesmo uma estranha justificação para o ajuste directo: que se mostra “necessário proteger direitos exclusivos [da Sotkon], incluindo direitos de propriedade intelectual”.
O primeiro destes oito ajustes directos com a Sotkon ocorreu em 2014, já com António Pina a liderar o município e a empresa municipal, embora de pequena monta: seis contentores enterrados no valor de 40.800 euros. A justificação que surge no Portal Base para o ajuste directo não se enquadra no Código dos Contratos Públicos, uma vez que faz referência a concursos públicos ou concurso limitado por prévia qualificação.
O presidente da Câmara Municipal de Olhão deve ter ficado satisfeito com o ajuste directo, porque nos dois anos seguintes fez mais dois com a Sotkon, mas ainda com valores relativamente pequenos: 62.467,12 euros, em 2015, e mais 24.000 euros, em 2016, para instalar mais 12 e quatro contentores, respectivamente.
Em 2019 surgiu, porém, um contrato mais chorudo no valor de 253.088 euros. A justificação para o ajuste directo neste caso ainda é mais rebuscado. A empresa municipal justifica o recurso directo através de uma norma do Código dos Contratos Públicos que diz que “para a formação de contratos sem valor (…) pode ser adotado qualquer um dos procedimentos”, ou seja, um concurso público, uma consulta prévia ou um ajuste directo. Não se consegue compreender como um ajuste directo de 253.088 euros pode ser considerado um “contrato sem valor”. Saliente-se que este contrato não contém, no Portal Base, o caderno de encargos, pelo que se ignora quantos ecopontos enterrados terão sido instalados. No entanto, atendendo ao contrato de 2016 terão sido 42.
Dois anos mais tarde, a Ambiolhão quis ter mais ecopontos da Sotkon. E assim lá tivemos António Miguel Pina a fazer mais dois contratos por ajuste directo com a empresa do Entroncamento: o primeiro de pouco mais de 21 mil euros e o segundo de quase 200 mil euros, neste caso para o fornecimento e instalação de quatro dezenas de contentores enterrados para resíduos indiferenciados e de recolha selectiva.
Antes do mais recente contrato, a Ambiolhão ainda gastou mais 5.465 euros num ajuste directo para a compra de um simples ecoponto: um só, assim. O contrato foi executado em três dias, conforme consta no Portal Base.
No total, temos assim oito contratos por ajuste directo entre a Ambiolhão e a Sotkon, todos assinados pelo presidente da autarquia e usando variados expedientes para não lançar qualquer concurso público.
Não se pense, contudo, que Olhão seja, sobretudo no Algarve, a única autarquia com óptimas e desburocratizadas relações comerciais com a Sotkon, uma empresa que tem, mesmo no mercado português, uma forte concorrência.
Na verdade, consultando o Portal Base, a empresa do Entroncamento tem acumulado contratos públicos sobretudo com autarquias e empresas municipais. Até agora estabeleceu 359 contratos envolvendo cerca de 27,6 milhões de euros. Embora a instalação de ecopontos enterrados seja uma tarefa que dificilmente se enquadre numa urgência que justifique o recurso sistemático aos ajustes directos, certo é que cerca de 10,7 milhões de euros, correspondentes a 262 contratos, dizem respeito a este modalidade.
Curiosamente, com excepção da empresa municipal de ambiente de Cascais – com quem já celebrou 16 ajustes directos no valor de 2,4 milhões de euros –, os melhores clientes da Sotkon são do Algarve. Melhores não apenas na facturação como em não lhe meterem concorrência de permeio.
Assim, numa análise do PÁGINA UM, a Ambiolhão é, na região algarvia, apenas o terceiro melhor cliente a ‘enterrar’ contentores da Sotkon. O município de Lagoa lidera, tendo já recorrido à Sotkon em 31 ocasiões, gastando já 1,83 milhões de euros. Seis desses contratos têm um valor superior a 100 mil euros, sendo que o maior (quase 801 mil euros), assinado em 2016, foi por ajuste directo. Em todo o caso, saliente-se que os dois contratos seguintes (em 2020, no valor de cerca de 394 mil euros; e em 2022, no valor de 121 mil euros) foram precedidos de concurso público.
A EMARP, empresa municipal de ambiente de Portimão, recebe a ‘medalha de prata’, por já ter estabelecido 32 contratos com a Sotkon, todos por ajuste directo para contentores, no total de 1,52 milhões de euros. Dois desses contratos foram celebrados no ano passado, totalizando 876 mil euros. Com um valor também relevante (quase 800 mil euros) encontra-se o município de Lagos, com 17 compras à Sotkon.
O PÁGINA UM tentou obter comentários sobre os contratos da Ambiolhão com a Sotkon, mas o presidente da autarquia e da empresa municipal, não respondeu.
O contrato por ajuste directo da Ambiolhão é um dos destaques do Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados ontem. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
Ontem, dia 17 de Outubro, no Portal Base foram divulgados 822 contratos públicos, com preços entre os 1,01 euros – uma estranha aquisição de viagem/alojamento, pela Universidade de Aveiro, ao abrigo de acordo-quadro – e os 14.017.100,00 euros – para aquisição de 81 veículos pesados, pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 24 contratos, dos quais 19 por concurso público, um ao abrigo de acordo-quadro e quatro por ajuste directo.
Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 14 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: dois do Centro Hospitalar Universitário do Porto (um com a Profarin, no valor de 1.292.306,40 euros, e outro com a Biogen Portugal, no valor de 380.566,20 euros); Casa Pia de Lisboa (com a Interlimpe – Facility services, no valor de 674.690,40 euros); dois do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia – Espinho (um com a Boston Scientific Portugal, no valor de 563.456,00 euros, e outro com a Getinge Group, no valor de 230.490,00 euros); Município de Alandroal (com a HCI – Construções, no valor de 556.255,00 euros); Ambiolhão – Empresa Municipal de Ambiente de Olhão (com a Sotkon Portugal – Sistemas de Resíduos, no valor de 334.205,20 euros); Hospital da Senhora da Oliveira Guimarães (com a Servier Portugal, no valor de 240.960,00 euros); Infraestruturas de Portugal (com a Pagaqui, S.A., no valor de 150.000,00 euros); Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (com a Roche Farmacêutica, no valor de 149.310,50 euros); Instituto Nacional da Propriedade Industrial (com a Clarivate Analytics Limited, no valor de 133.137,21 euros); Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (com a Getinge Group, no valor de 125.050,00 euros); Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (com a Proside – Concepção e Implementação de Soluções Informáticas, no valor de 125.000,00 euros); e o Município de Setúbal (com a Pirilampo Artes, no valor de 100.000,00 euros).
TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 17 de Outubro
(todos os procedimentos)
1 – Aquisição de 81 veículos pesados
Adjudicante: Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil
Adjudicatário: Jacinto Marques de Oliveira, Sucrs, Lda.
Preço contratual: 14.017.100,00 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
2 – Fornecimento de combustíveis líquidos a granel (gasóleo colorido)
Adjudicante: CP – Comboios de Portugal
Adjudicatário: Petrogal
Preço contratual: 5.986.000,00 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
3 – Prestação de serviços para o estabelecimento de servidões
Adjudicante: REN – Rede Eléctrica Nacional
Adjudicatário: Flonopor, S.A.
Preço contratual: 3.327.444,30 euros
Tipo de procedimento: Concurso limitado por prévia qualificação
4 – Prestação de serviços para o estabelecimento de servidões
Adjudicante: REN – Rede Eléctrica Nacional
Adjudicatário: ECOREDE – Engenharia e Serviços
Preço contratual: 2.911.388,60 euros
Tipo de procedimento: Concurso limitado por prévia qualificação
5 – Prestação de serviços para o estabelecimento de servidões
Adjudicante: REN – Rede Eléctrica Nacional
Adjudicatário: Perene, S.A.
Preço contratual: 2.706.935,45 euros
Tipo de procedimento: Concurso limitado por prévia qualificação
TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 17 de Outubro
Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário do Porto
Adjudicatário: Profarin
Preço contratual: 1.292.306,40 euros
2 – Serviços de higiene e limpeza
Adjudicante: Casa Pia de Lisboa
Adjudicatário: Interlimpe – Facility Services
Preço contratual: 674.690,40 euros
3 – Aquisição de material de Hemodinâmica
Adjudicante: Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia – Espinho
Adjudicatário: Boston Scientific Portugal
Preço contratual: 563.456,00 euros
4 – Empreitada de obra pública denominada “Fortaleza de Juromenha”
Adjudicante: Município de Alandroal
Adjudicatário: HCI – Construções
Preço contratual: 556.255,00 euros
Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário do Porto
Adjudicatário: Biogen Portugal
Preço contratual: 380.566,20 euros
MAP