Em sete anos, empresa de vigilância 'saca' 12,5 milhões em contratos, quase tudo por ajuste directo

Segurança à ‘base da confiança’: Securitas começa a prestar serviços ao Fisco antes de se definir preços

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Já passaram quase 20 meses desde que o Ministério das Finanças publicou em Diário da República um anúncio de procedimento para aquisição de serviços de vigilância das instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira, mas ninguém aparenta grande preocupação em concluir o concurso público, sobretudo a Securitas e Nélson Roda Inácio, subdirector-geral da máquina fiscal do Estado, que nos últimos anos tem vindo a assinar a generalidade dos chorudos ajustes directos.

Tanto assim que, paulatinamente, desde 2021 já foram celebrados 12 ajustes directos entre a ATA e a Securitas, com periodicidades distintas, mas os últimos dois, ambos deste ano, com montantes apreciáveis. Mas se recuarmos mais, desde finais de 2016 a Securitas arrecadou 17 contratos de vigilância com um montante próximo dos 12,5 milhões de euros, sendo que apenas numa situação, há dois anos, teve concorrência. Foi uma excepção na regra.

O mais recente contrato, assinado anteontem, e publicado ontem no Portal Base, tem o valor de 992.591 euros – que ultrapassa os 1,2 milhões de euros incluindo IVA –, tendo a particularidade de ter sido assinado com efeitos retroactivos. Ou seja, de uma forma irregular, mesmo se invocando uma norma do Código dos Contratos Públicos, a ATA assumiu que o contrato com a Securitas, actualmente em curso – mesmo se apenas assinado no dia 18 de Outubro deste ano, e estando em vigor até finais de Dezembro –, “produz[iu] efeitos a partir de 1 de Julho de 2023”.

O mais curioso é a ATA assumir no próprio contrato que a “condição de eficácia” é a “sua publicitação prévia” no Portal Base, para efeitos de quaisquer pagamentos. Significa assim que a ATA – que se mostra inflexível em matérias fiscais – vai pagar serviços à Securitas, que também implicam pagamentos de IVA, nos meses de Julho, Agosto, Setembro e em 17 dias de Outubro, quando ainda nem sequer havia suporte contratual. E a Securitas devolverá o IVA em Novembro por serviços que, na realidade, prestou em Julho, Agosto e Setembro.

Mas este procedimento é, na verdade, já corriqueiro na ATA, pelo menos desde que Nélson Roda Inácio tem poderes delegados para este tipo de contratações, mesmo em serviços envolvendo o pagamento de mais de meio milhão de euros.

Assim, por exemplo, no ajuste directo anterior com a Securitas, que abrangeu o primeiro semestre deste ano, e por um valor de 990 mil euros (sem IVA), o subdirector-geral também só assinou o contrato em Fevereiro, 52 dias depois do início dos serviços de segurança.

Mas recuando para os anos anteriores, observa-se similar procedimento que evidencia um impune à-vontade por parte da entidade que zela pelo cumprimento escrupuloso dos deveres fiscais dos contribuintes.

Assim, no contrato para os dois últimos meses de 2022, no valor de mais de 302 mil euros, a ATA celebrou o ajuste directo no dia 15 de Dezembro. O contrato mensal de Outubro, com duração de 31 dias, foi apenas assinado no dia 28, ou seja, a três dias de expirar. Dizia respeito a um serviço de 151 mil euros, o que para a máquina fiscal são peanuts. Já o contrato anterior a este, que por cerca de 453 mil euros serviu para pagar à Securitas a vigilância do terceiro trimestre de 2022 (Julho a Setembro), a data da assinatura é de seis de Agosto.  

Para não se ser fastidioso, acrescente-se que os três contratos de vigilância com a Securitas que cobriram o primeiro semestre de 2022, envolvendo verbas da ordem dos 906 mil euros (sem IVA), foram sempre celebrados já com o período de vigência em curso.

Embora estes contratos não identifiquem os locais a vigiar – remetem para cadernos de encargos que não foram colocados no Portal Base –, na lista de 2021 surge um bastante sui generis. Com um valor de cerca de 208 mil euros (IVA incluído), este contrato é algo diferente dos outros, porque explicita que se refere à “aquisição de serviços de locação operacional, assistência técnica, manutenção programada, reparação ou substituição de equipamentos de sistemas instalados de circuito fechado de televisão (CCTV), sistemas de deteção de intrusão (SDI), sistemas automáticos de deteção de incêndios (SADI), controle de acessos (CA) e cancelas”, identificando os locais: ATA do Parque das Nações, da Guarda, a Direcção de Finanças de Santa Catarina, no Porto, e ainda os Serviços Centrais.

No Portal Base surge a referência de o prazo de execução ser de 365 dias, mas formalmente o contrato explicita que o prazo de execução decorre “até 31 de Dezembro de 2021”, sendo que foi celebrado no dia 28 de Dezembro. Portanto, ou o contrato de 208 mil euros teve uma duração de apenas quatro dias (bastante bem pago) ou então foi assinado 362 dias depois do efectivo início da prestação de serviços, ou por outras palavras, a quatro dias de terminar..

Helena Borges, directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, e Nuno Santos Félix, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Nem sempre a Securitas, mesmo em contratos por ajuste directo, beneficiou destes facilitismos, como o de começar a prestar serviços enquanto negociava preços com o adjudicante, o que significa que se foi estabelecendo relações ‘à base da confiança’, algo que, com dinheiros públicos, é de ética questionável e de legalidade muito duvidosa. Por exemplo, um contrato de 300 dias celebrado para serviços de vigilância nos primeiros 10 meses de 2017 só entrou em vigor depois da sua assinatura e podia ser denunciado a cada quatro meses.

No meio destas relações de evidente privilégio, a ATA apenas teve de considerar propostas de concorrentes à Securitas por uma vez, em 2019, através de um concurso ao abrigo de um acordo-quadro. Esse contrato – que vigorou entre 1 de Maio de 2019 e 31 de Dezembro do ano seguinte – acabou por ser ganho pela Securitas, que derrotou as propostas de outras sete empresas. Desde essa data, tudo na ‘paz do Senhor’: a Securitas assegura sempre a manutenção dos serviços de vigilância.

Porquê e até quando? Não se sabe, porque o Ministério das Finanças, contactado pelo PÁGINA UM, não deu quaisquer esclarecimentos. Repetindo, aliás, a mesma (não) reacção face aos estranhos contratos de limpeza com a empresa francesa Samsic, também por ajuste directo e também assinados pelo subdirector-geral Nélson Roda Inácio.

Nélson Roda Inácio, à esquerda (cumprimentando em 2016 o então presidente da autarquia de Pombal) foi nomeado subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 2015, tendo assinado todos os polémicos ajustes directos com a Securitas e também com a Samsic.

O mais recente contrato por ajuste directo entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Securitas é um dos destaques do Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados ontem. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

PAV


Ontem, dia 19 de Outubro, no Portal Base foram divulgados 778 contratos públicos, com preços entre os 1,02 euros – para aquisição de caixa de plástico, pelo The Cricket Farming Co, através de ajuste directo simplificado – e os 4.719.874,65 euros – para requalificação e ampliação de complexo escolar, pelo Município de Alcobaça, através de concurso público. 

Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 10 contratos, dos quais nove por concurso público, um ao abrigo de acordo-quadro e um por ajuste directo. Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados nove contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Autoridade Tributária e Aduaneira (com a Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança, no valor de 992.591,04 euros); Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (com a Gilead Sciences, no valor de 327.000,00 euros); dois da Escola Básica e Secundária Padre Manuel Álvares (um com a Porto Editora, no valor de 305.724,72 euros, e outro com a RODOESTE – Transportadora Rodoviária da Madeira, no valor de 104.761,90 euros); Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (com a CZ Veterinária, no valor de 303.480,00 euros); Centro Hospitalar Universitário do Porto (com a Profarin, no valor de 258.461,28 euros); Hospital Garcia de Orta (com a Efago – Manutenção Hospitalar, no valor de 232.436,46 euros); Escola Secundária da Lagoa (com a Porto Editora, no valor de 171.681,45 euros); e a Escola Básica e Secundária da Madalena (com a Porto Editora, no valor de 124.061,67 euros).


TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 19 de Outubro

(todos os procedimentos)

1 Requalificação e ampliação de complexo escolar

Adjudicante: Município de Alcobaça

Adjudicatário: Nova Gente – Empreitadas

Preço contratual: 4.719.874,65 euros          

Tipo de procedimento: Concurso público


2Construção de Estrutura Residencial de Pessoas Idosas       

Adjudicante: Casa do Povo de Alcofra        

Adjudicatário: António Lopes Pina, Unipessoal, Lda.          

Preço contratual: 2.572.652,99 euros

Tipo de procedimento: Concurso público


3Empreitada de reabilitação de edifício de novo Comando Sub-regional de Emergência e Proteção Civil

Adjudicante: Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil           

Adjudicatário: Isidovias – Investimentos

Preço contratual: 1.362.927,06 euros

Tipo de procedimento: Concurso público


4Aquisição de vacinas e tuberculinas      

Adjudicante: Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo

Adjudicatário: GlaxoSmithKline

Preço contratual: 1.296.720,00 euros

Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


5Empreitada de plano de intervenção em edificado disperso

Adjudicante: Município de Lisboa    

Adjudicatário: Tosvec – Sociedade de Empreitadas e Construções          

Preço contratual: 1.182.572,39 euros

Tipo de procedimento: Concurso público


TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 19 de Outubro

1 Aquisição de serviços de vigilância e segurança

Adjudicante: Autoridade Tributária e Aduaneira      

Adjudicatário: Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança

Preço contratual: 992.591,04 euros


2Aquisição de medicamentos      

Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte

Adjudicatário: Gilead Sciences

Preço contratual: 327.000,00 euros


3Aquisição de manuais escolares digitais, bens e serviços conexos

Adjudicante: Escola Básica e Secundária Padre Manuel Álvares 

Adjudicatário: Porto Editora

Preço contratual: 305.724,72 euros


4Aquisição de doses de tuberculina bovina e tuberculina aviária          

Adjudicante: Direção-Geral de Alimentação e Veterinária  

Adjudicatário: Veterinária, S.A.

Preço contratual: 303.480,00 euros


5Aquisição de medicamentos

Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário do Porto

Adjudicatário: Profarin

Preço contratual: 258.461,28 euros

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