Desde que a Humanidade existe, a esmagadora maioria dos homens pertence ao grupo dos produtivos, que quer fazer coisas, enquanto uma minoria, infelizmente, apenas deseja agredir, roubar ou violar o próximo. Da coexistência destes dois grupos derivam, obviamente, conflitos, não só entre os dois grupos, vítimas e agressores, mas também entre o grupo produtivo. Infelizmente, o paraíso de Adão e Eva não existe: terra, recursos (metais preciosos, água, minérios…) e tempo são, por desgraça, escassos.
Para uma civilização prosperar é essencial a protecção dos direitos de propriedade, bem como a existência de mecanismos de arbitragem de conflitos. Um agricultor não vai semear se existir a forte possibilidade de ser assaltado a qualquer momento ou de aparecer alguém a ocupar-lhe as terras. Ninguém investe sem estar seguro da existência de penalidades e indemnizações, caso os contratos sejam incumpridos de forma impune.
Por fim, a especialização e as trocas comerciais são essenciais para o aumento exponencial do bem-estar. Em sociedades complexas, todos dependemos de todos, em que cada um se especializa naquilo que sabe fazer melhor. Em resumo, segurança, previsibilidade, especialização e mercados são essenciais para o florescimento e prosperidade de qualquer civilização.
As primeiras cidades surgiram em zonas de fácil defesa, aproveitando obstáculos naturais como montanhas, rios ou lagos. Para além de um local seguro, as primeiras comunidades viram-se forçadas a eleger juízes para arbitrar conflitos, elegendo, regra geral, o mais bravo, inteligente e com maior sucesso, fossem estes nobres, homens de negócios ou anciões com autoridade.
O Estado moderno foi-nos vendido como indispensável para arbitrar estes conflitos, algo inevitável, no entanto, até ao aparecimento das monarquias absolutas, este simplesmente não existia. Trata-se de uma organização que exerce um monopólio territorial, de violência e jurisdicional, de arbitragem final em casos de conflito; um juiz em causa própria. Sem o consentimento das partes, estas são obrigadas a recorrer ao Estado, impondo-se-lhes, sem discussão, um preço pelo respectivo serviço. Mas não são os únicos privilégios, nem os principais, pois o maior é o monopólio de confisco da população, vulgarmente conhecido por tributação.
Com a queda do Império Romano do Ocidente, a sociedade europeia organizou-se num sistema a que chamamos feudalismo. Foi um processo natural. Sem a defesa do exército romano, as pessoas associaram-se a um senhor da guerra, por forma a obterem segurança. Eis a especialização a funcionar: o senhor oferecia segurança ao servo por troca de horas de trabalho e ajuda militar em caso de conflito.
Nos seus domínios, o senhor feudal estabelecia as regras e administrava a justiça. O Rei era o senhor feudal de maior importância, que provinha, regra geral, de famílias com prestígio e que possuía mais terras e um exército privado de maior dimensão face aos outros senhores feudais.
Importa ter em conta que o Rei não tributava a população nem tinha o monopólio da justiça, tinha de viver dos rendimentos dos seus domínios; no entanto, em muitos casos, prestava serviços como um tribunal de segunda instância, a quem a população se socorria caso não estivesse satisfeita com as decisões do respectivo senhor feudal. Muitas vezes, o servo podia fugir e associar-se a outro senhor feudal ou ir mesmo ajudar a fundar cidades “livres”, sem laços de vassalagem.
Como foi posto fim a este equilíbrio? Através de uma “crise”, com o intuito do poder real obter essencialmente duas vantagens: o monopólio da arbitragem de conflitos e lançar a tributação sobre a população. Todos eram obrigados a utilizar os seus tribunais. Os custos da guerra, que antes impactavam o seu “bolso”, podiam agora ser “distribuídos” pela população através dos impostos. Eis o início do Estado.
E como se desencadeia uma “crise”. Como sempre: estimulando a inveja e espalhando o medo. Por parte dos servos, a tentação de não pagar a renda ao senhor feudal ou de não aceitar as suas regras era enorme, bastando prometer-se liberdade para que aparecessem revoltas “espontâneas”. Como sempre, a “carneirada” necessita sempre de uma mão superior a conduzi-la!
Depois do problema, a reacção: os senhores feudais apelavam aos monarcas o fim do caos. Martinho Lutero, o iniciador da “revolução” protestante, para além do confisco da Igreja Católica, propôs a seguinte solução para o conflito: “Contra as hordas assassinas e saqueadoras molho minha pena em sangue, seus integrantes devem ser estrangulados, aniquilados, apunhalados, em segredo ou publicamente, como se matam os cães raivosos”.
Depois de satisfeitos os senhores feudais com o fim do caos, e apesar dos privilégios que acabavam de perder, como a administração da justiça nos seus domínios, oferecia-se-lhes sinecuras na burocracia real, tornando-os membros da máquina de propaganda e de prestígio da corte, e extinguiam-se os seus exércitos privados, integrando-os no exército real e pondo fim a qualquer oposição.
Em lugar do senhor, passava-se a lutar em nome do Estado. Para se garantir soldados obedientes e com sentido de nação, a revolução protestante fundou a escola pública, por forma a doutrinar as crianças bem cedo. Tudo passou a ser centralizado, até a cunhagem de moeda, deixando esta de estar em mãos privadas para passar a ser um privilégio real – roubava-se também a população de forma silenciosa, caso fosse necessário.
Agora que a conta da guerra podia ser paga pela plebe, através de impostos e inflação, a dimensão dos exércitos cresceu substancialmente. Foi precisamente o que aconteceu na Guerra dos Trinta Anos, talvez o primeiro conflito mundial.
E assim foi parido o Estado: da “crise” e da guerra. Uma organização com tantos poderes e privilégios que inevitavelmente passou a atrair parasitas, necessariamente uma minoria, pois um parasita pode viver de vários hospedeiros e não o contrário. Para se obter o consentimento dos hospedeiros, não basta a força, também é necessário o seu consentimento: como? Através do medo.
E que medo foi instigado e que até hoje perdura? O medo do caos. Na percepção da população, sem o Estado, os conflitos entre as pessoas são intermináveis, não têm fim, é necessário um monopolista da força e da arbitragem final.
Todos sabemos que um pequeno grupo ou uma pequena comunidade não necessita do Estado para nada na arbitragem de conflitos; no entanto, quanto maior a dimensão do Estado menos existe essa percepção. É precisamente isso quando se utiliza o seguinte argumento: e quem faria as estradas senão o Estado? Como se numa pequena comunidade não se conseguisse colocar de acordo na construção de uma estrada e respectivo financiamento!
Importa ter em conta a diferença entre parasitas e pessoas produtivas? Os segundos aumentam o bem-estar de pelo menos uma pessoa, sem reduzir o bem-estar dos outros indivíduos; os primeiros aumentam o bem-estar de alguns à custa de outros, seja por apropriação indevida de terras, seja por roubo do que os demais produziram, como é o caso dos impostos.
O butim tornou-se tão luzidio que começaram a surgir ideias igualitárias, como a democracia e o socialismo. Por que motivo só o Rei pode ter o monopólio da justiça e do confisco dos demais cidadãos: “eu também quero”. Em lugar de um privilégio pessoal, havia que transformá-lo num privilégio funcional: qualquer um podia aceder ao tacho, não era necessário um Rei para liderar um Estado.
O fim da instituição real surgiu, uma vez mais, com uma “crise”, conhecida pela Tomada da Bastilha, onde a “carneirada” se insurgiu contra as “injustiças” deste mundo. Consequências? Os parasitas de Luís XVI foram decapitados e substituídos por um gangue de assassinos e fanáticos, posteriormente liderado por um “génio” da guerra total.
Surgiu assim o Estado moderno, passando a existir propriedade pública e privada, lei pública e lei privada. Quem está no público pode permitir-se coisas que seriam crime na esfera privada, como escravizar jovens do sexo masculino, como foi o caso do aparecimento da conscrição obrigatória na Revolução Francesa. Por essa razão, a dimensão dos exércitos subiu desta vez de forma exponencial, passando a envolver forças superiores a um milhão de soldados.
Na monarquia absolutista, o Rei tinha a preocupação de não tributar excessivamente, pois diminuía a produtividade dos seus súbditos, dado que diminuiria as suas receitas no longo prazo; nem tão pouco endividar-se excessivamente, pois poderia onerar os seus herdeiros ou até afectar a sua reputação. Nem tão pouco a inflação era um método que se pudesse abusar, pois passados uns anos, o Rei estaria a receber impostos em moeda inflacionada. Tudo mudou com o advento do Estado moderno.
Quando existe propriedade privada, o seu dono pode comprar, vender, ceder o seu uso e obter um rendimento, dar-lhe fins distintos, fazer obras, etc.; no caso da propriedade pública, os que se encontram no poder, apenas podem saquear o respectivo rendimento enquanto lá estão, nada mais.
Se o Rei arrendasse uma propriedade, iria certamente ter em conta o número de inquilinos e de como tratariam o imóvel; no caso do “cuidador público”, apenas lhe importa o rendimento. Colocar lá um número excessivo de inquilinos, apesar de destruir a propriedade em poucos anos, é uma opção seguida, dado que permite roubar no mais curto espaço de tempo. O risco de perder a posição a tal obriga.
Em conclusão, os incentivos passaram a ser totalmente diferentes com o aparecimento da propriedade pública, naquilo a que hoje chamam o “dinheiro de todos nós”! Com o advento da “democracia”, passou a haver enorme concorrência para os lugares de parasitismo. Chamo a atenção de que a concorrência é benéfica para as actividades produtivas, pois incrementa a qualidade e baixa o custo do serviço ou produto, não significando necessariamente a eliminação de um ou mais concorrentes.
Tal não se passa com uma actividade parasitária, onde se “luta” para obter o pior entre os piores: o mais mentiroso, o mais demagógico, o mais conspiracionista, o mais ladrão. Para além de se garantir tal gangue ao poder, as sinecuras são temporárias, pelo que o roubo terá de se processar com a máxima intensidade e no mais curto espaço de tempo.
Não é obra do acaso que tenham sido democracias – Hitler foi eleito – a espoletar grandes guerras, com milhões de vítimas; nem tão pouco que pela sua iniciativa sejam desencadeadas guerras em nome da “democracia” ou “combate ao terror”. Não é obra do acaso, que as democracias tenham criado milhões de dependentes do Estado, comprados com o roubo a uma minoria produtiva da população.
A guerra e o Estado Social são a forma mais rápida e eficiente de enriquecer a casta parasitária, dado que exigem colossais emissões de dívida de pública, que produz suculentas comissões e butins através da inflação, como vimos na recente putativa pandemia e conflitos militares.
E como mantém o consentimento da população? Pelo medo e doutrinação; não se esqueçam: sem o Estado estaríamos todos aos tiros uns aos outros.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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