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Eleições na Argentina: afinal, quem é Javier Milei?

Statue of Liberty in New York City under blue and white skies

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Este fim-de-semana realizou-se o primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina, com a vitória do candidato Peronista, de “centro-esquerda”, Sergio Massa, com 36,7% dos votos.

O peronismo é um movimento político e ideológico que surgiu com a ascensão de Juan Domingo Perón ao poder em 1946. Foi presidente da Argentina em três mandatos não-consecutivos (1946-1955, 1973-1974), dando origem a um fenómeno político assente essencialmente em ideias socialistas e social-democratas, com um pendor fortemente proteccionista da Economia – pautas aduaneiras altamente penalizadoras de importações.

Sergio Massa, em primeiro plano

Em 1946, a Argentina era um dos países mais ricos do mundo; hoje, 77 anos depois, é um país pobre, a viver com uma inflação superior a 120%. Foi neste contexto que surgiu o fenómeno Javier Milei, que ficou colocado em segundo lugar, com 30% dos votos, e vai à segunda volta contra Sergio Massa.

Quem ficou relegada da corrida foi a candidata de “centro-direita”, Patricia Bullrich, com apenas 23,8%. Na verdade, o único fenómeno destas eleições é o candidato Javier Milei, que defende ideias libertárias e anarcocapitalistas e partiu praticamente do anonimato há cerca de três anos na vida dos argentinos.

Os órgãos de propaganda nacionais e internacionais classificam as suas ideias de uma forma curiosa. Há uns meses, a Lusa dizia-nos que era de “extrema-direita”; agora, parece que é um “ultraliberal” ou mesmo “ultradireitista”.

Javier Milei

Que ideias defendeu Javier Milei ao longo desta campanha presidencial e nos últimos anos? Destaco algumas afirmações: “Imposto é roubo”; “os políticos são uns parasitas e não necessitamos deles para nada”; “a instituição do banco central é um dos maiores ladrões na história da humanidade”; e “o teu Estado Social é obtido com uma arma apontada para a cabeça dos outros”. Tudo ideias de liberdade, em particular de que do Estado e dos políticos nada se pode esperar. Qual a relação disto com a extrema-direita? Não sabemos.

Recordo que o Partido Nacionalista Alemão defendia a nacionalização dos monopólios, a divisão dos lucros de todas as indústrias pesadas ou arrendamento dos grandes armazéns a baixo custo para as pequenas empresas, tudo ideias intervencionistas, em que se fixam preços abaixo do preço de mercado, se determinam os “lucros possíveis” e quem continua ou não em mãos privadas.

E o que dizer da máxima de Benito Mussolini, o fundador da ideologia fascista: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado”. Estas ideias são hoje defendidas por partidos como o Bloco de Esquerda e Partido Comunista, onde o Estado é o pai que nos rouba, decide o que cada um recebe de esmola e que direitos temos.

Patricia Bullrich

Mas talvez a ideia mais certeira de Javier Milei é “onde existe uma necessidade, nasce um direito”. Efectivamente, a necessidade de uma casa, um bem escasso, é razão para se proclamar que é um “direito”, quando na verdade é um bem económico. Acertadamente, nos diz que é necessário roubar uma parte da população para satisfazer o tal “direito” de outros. A confusão de direitos com bens económicos suportou o avanço do Estado nas nossas vidas sem precedentes.

O incrível destas eleições foi o triunfo destas ideias: a liberdade e a critica à instituição mais perversa e totalitária criada pelo homem: o Estado. Que 30% dos argentinos votem nestas ideias já foi uma vitória. Apenas foi possível porque Javier Milei é um excelente produto televisivo, altamente polémico e combativo em todas as suas aparições televisivas.

Apesar do desgosto dos órgãos de propaganda, a possibilidade de tais ideias de liberdade vencerem é um sinal de esperança, num mundo crescentemente estatizado, intolerante e a caminho de uma ditadura global distópica.

Caso vença, teremos de ver se o discurso corresponde à prática. Tenho dúvidas que logre cortar 30% sequer do gasto público, onde talvez a medida mais fácil seja encerrar o Banco Central argentino, responsável por emitir uma moeda que nenhum argentino quer. Por outro lado, algumas das suas atitudes durante a putativa pandemia levantam-me dúvidas sobre a sua sinceridade.

No entanto, que estas ideias possam vencer umas eleições deixam-me sempre esperança num mundo melhor.

Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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