Algo transformar-se, no decurso do tique-taque do universo, num clássico não é, na verdade, necessariamente positivo. Por exemplo, o farnel com que sou presenteado nas minhas visitas à Varanda da Luz, para escrever esta crónica, é chapa-três: baguette, barrita de cereais, peça de fruta e água ou sumo. Hoje foi água. Não me estou a queixar, apenas a constatar que tem sido sempre a mesma ementa, qualquer que seja o jogo, Porto ou Casa Pia – ou seja, sempre a mesma coisa quer nos jogos mais fáceis quer nos jogos mais difíceis. Por esta ordem.
Eu estou verdadeiramente confiante que, com o tal tique-taque em curso, discorrendo o tempo, a realidade ilumine o córtex, os lobos temporal, parietal e occipital, os gânglios de base e o corpo caloso, mesmo dos mais cépticos e crédulos, incluindo os adversários do Benfica, de sorte que a todos assim fique patente a minha capacidade de talismã – ou seja, estando eu na Varanda da Luz, sai sempre vitória…
(nem de propósito, esvoaça a águia Vitória, não sei se com reforço alimentar)
… e que, provando-se isso, e quero que seja com critérios objectivos, revistos pelos pares, comecem a ofertar-me acepipes a preceito, a saber: caviar de beluga ou sevruga do Mar Cáspio, foie gras Mont d’Or, salmão defumado escocês, que o da Noruega dá-me azia, e uns queijinhos Roquefort, Gruyère e Parmigiano-Reggiano; e para molhar o bico, talvez um Dom Pérignon e um Moët & Chandon, para não ser demasiado exigente, e talvez também um Bordeuax à falta de um Château Mouton-Rothschild. Dispenso uísque e bourbon.
(entretanto, começa o jogo… Di Maria no banco, Arthur Cabral como terceiro central do Casa Pia)
Já estou a imaginar os leitores, incrédulos, aqueles poucos que acompanham futebol (e fazem muito bem): então, mas o Benfica já não vai em quatro derrotas esta época em jogos oficiais? Claro que vai! Uma desgraça… Ainda mais porque bem perdidos, porque muito mal jogados… Mas eu nunca assisti ao vivo a nenhuma desses desaires, nem àquelas duas que já ali em baixo sucederam, no caseiro gramado, onde, aliás, se desenrola um jogo de passes falhados e pouca objectividade.
(objectividade: lá estou eu com os jargões futebolísticos)
Portanto, não vi a derrota no Boavista, em Agosto, nem as derrotas contra o Salzburgo, em Setembro, e em Milão, contra o Inter, e nem sequer a derrota desta semana contra a Real Sociedad. Comigo aqui sentadinho, a escrevinhar bitates, só vitórias… E assim se escreverá daqui a cerca de uma hora… Espero, senão desespero.
(vamos lá ver se não me estatelo com esta minha decisão de hoje dissertar sobre ser eu um porta-sorte para o Benfica… ali em baixo, o jogo já vai nos 38 minutos, e, apesar de umas boas oportunidades, falta-nos um Gonçalo Ramos, ou um Félix do Barça)
Está, de facto, o intervalo a chegar – e eu a ver isto mal encaminhado…
(goloooooooo… chiça, estava difícil… ainda por cima, um remate de belo efeito, mais um jargão, do João Mário, que nos jogos mais recentes andava que metia nojo)
Ufa! Agora que estou mais calmo – e a vitória se começa a desenhar –, vou revelar porque estava, e estou, tão confiante, pelo menos neste jogo em concreto, sobre a minha presença nesta Catedral manter a invencibilidade, melhor ainda, ser-se invicto. Hm! invicto, não! Isso faz lembrar a coragem do Porto nas Guerras Liberais do século XIX, e agora estamos no século XXI e quem fala de Porto numa crónica futebolística, logo se remete para o Futebol Clube do Porto, que aqui na Luz deu, há umas poucas semanas, menos trabalho do que este Casa Pia. Fiquemo-nos, enfim, por imbatível.
(entretanto, lá temos a segunda parte a começar)
A confiança provém, na verdade, da Estatística que, no futebol, não ganha golos mas é um ‘posto’…
(merda! O Florentino a fazer porcaria com uma rasteira clássica dentro da grande área; nesta nem VAR é preciso, que até eu míope daqui de cima vi… E estava eu confiante… esqueço-me da existência de jogadores com paragens cerebrais… ai… ai… ai… GRANDA DEFESA DO Trubin!!! Como se chamava mesmo aquele grego que foi recambiado para o Nottingham Forest?)
Portanto, continuando isto em versão Casa Pia 1.0, expliquemos que, pela Estatística, o Benfica tem 100% de probabilidades de vencer este jogo…
(Jesus! Maria! José! Isto hoje vai ser só sobressaltos. Mais uma grande intervenção do Trubin)
Repitamos, que já me estou a irritar: o Benfica já antes defrontou o Casa Pia por 11 vezes, embora apenas três vezes neste século. Não interessa: sempre vitórias, sendo que a duas últimas foram na época passada e a mais recente em Fevereiro passado, com um seco 3-0. Presumo, pelo andar da carruagem, mesmo se agora entrou o Di Maria, que isto chegue a esse patamar sequer. E não vai ser, desta vez, que trucidamos com um 10-1, como as águias fizeram aos pobres casapianos no longínquo 16 de Abril de 1939, pouco mais de quatro meses antes de Hitler invadir a Polónia…
(e agora se não se importam, interrompo isto um bocadinho, para dar uma olhadela mais atenta ao jogo, e começar a paginar, que hoje ainda tenho de ir a um jantar e discursar sobre liberdade de expressão, informação e jornalismo)
Faltam 15 minutos, e agora já só me interessa a vitória, para manter a esperança no ‘meu’ beluga no saquinho do farnel….
(e lá se vai o beluga… depois de fazer excelentes defesas, incluindo um penalty, o Trubin leva com um remate defensável por baixo da ‘rata’… Regressa Vlachodimos, que estás perdoado!)
Enfim, faltam sete minutos até aos 90, e já que a Estatística não resolve, e nem os jogadores, e muito menos o Schmidt, comecemos a ter Fé… num milagre.
(entretanto, sete minutos de desconto para que Deus Nosso Senhor tenha piedade do Benfica, mesmo se o adversário é o Casa Pia)
Não houve milagres…
Sai um coro de assobios para a mesa do Roger Schmidt e jogadores, à conta de um péssimo jogo com pior resultado. Mas têm a minha promessa de regresso no próximo jogo, com direito, espero, ao farnel habitual… que está sempre muito saboroso e aconchega, diga-se. Parafraseando Ilsa Lund, interpretada por Ingrid Bergman no filme Casablanca, aqui na Varanda da Luz, mesmo com maus resultados, “we’ll always have baguette“…