Estrutura de gerência negociada mostra que o World Opportunity Fund vai exercer controlo efectivo

Novo ‘patrão’ da Global Media integra empresa ‘complexa’ com 35 fundos nas Bahamas

aerial photography of white and blue cruise ships during daytime

por Pedro Almeida Vieira // Novembro 1, 2023


Categoria: Exame

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E fez-se alguma luz, mas ainda há muitas sombras. O registo do negócio entre o empresário Marco Galinha e a World Opportunity Fund associado à principal accionista da Global Media mostra que o fundo das Bahamas não vem só pelo investimento, mas sim para controlar a gestão dos órgãos de comunicação social como o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias e a TSF. Mas aquilo que continua sem se saber é quem está por detrás do investimento, para o qual bastaram 1,4 milhões de euros. No entanto, uma investigação do PÁGINA UM revela quem é a empresa gestora do fundo das Bahamas, a Winterbotham Trust Company Limited, que, além de gerir mais 34 fundos nas Caraíbas, foi identificada no Bahamas Leaks, num processo subsequente ao Panama Papers, revelado pela Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.


Apenas através da compra de uma quota no valor de 1,4 milhões de euros, um fundo das Bahamas, sobre o qual se ignora os investidores, vai passar a controlar a administração dos periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias, bem como a rádio TSF. A confirmação advém da concretização do negócio já anunciado no mês passado, mas que apenas foi registado no Portal do Ministério das Finanças na segunda-feira da semana passada, dia 23 de Outubro, e que permitirá agora que o World Opportunity Fund Ltd indique dois dos três gerentes da empresa Páginas Civilizadas, a principal accionista da Global Media. Recorde-se que a Páginas Civilizadas, um ‘veículo empresarial’ criado por Marco Galinha em 2020 para entrar no negócio dos media – detém directa e indirectamente 50,23% da Global Media e também 22,35% da Agência Lusa.

De acordo com a informação consultada pelo PÁGINA UM sobre a alteração do contrato, a World Opportunity Fund Ltd – sedeado no Winterbotham Place Marlborough & Queen Street, em Nassau, nas Bahamas – adquiriu 51% da Páginas Civilizadas, por duas vias: um lote de 38% comprado à Palavras de Prestígio (detida integralmente pelo Grupo Bel de Marco Galinha) e outro lote de 13% adquirido directamente ao Grupo Bel. Deste modo, a Páginas Civilizadas passou a ter quatro sócias: a World Opportunity Fund Ltd, com 51%; a Norma Erudita – com 28,6%, sendo que a maioria desta empresa (51%) é detida pelo Grupo Bel e a restante parte por uma empresa do empresário de resinas António Mendes Ferreira –, e a Palavras de Prestígio e o próprio Grupo Bel, com 10,2% cada.

Marco Galinha vendeu maioria das quotas da principal accionista da empresa que controla Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF.

No entanto, embora a maioria da quota já lhe concedesse um direito dominante, o acordo assinado estabeleceu uma norma específica da estrutura de gestão para clarificação, prevendo-se que o conselho de gerência passasse a ser “composto por três gerentes, dividido em dois grupos” específicos. O denominado grupo A, com dois gerentes, será controlado em exclusivo pelo World Opportunity Fund Ltd, ficando o terceiro elemento na decisão do Grupo Bel.

Como a Páginas Civilizadas tem a maioria dos votos na Assembleia Geral da Global Media – e esta empresa tem, neste momento, oito membros do Conselho de Administração –, será previsível que o fundo das Bahamas também queira exercer influência maioritária no grupo de media. Mesmo com mexidas nos últimos meses, os interesses de Marco Galinha, através do Grupo Bel, permitiam-lhe dominar o Conselho de Administração da Global Media, onde actualmente apenas Kevin Ho King Lun – um dos accionistas, com 23,35% – não está sob seu controlo.

Esta alteração da estrutura de gerência da Páginas Civilizadas clarifica, de forma evidente, que o World Opportunity Fund Ltd não pretendeu apenas fazer um investimento, para diversificar rendimentos, mas sim que pretende ter uma acção directa e controladora na gestão de um dos mais importante media portugueses, com históricos periódicos como o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias, ambos fundados no século XIX.

Diário de Notícias é o mais antigo jornal de âmbito nacional de Portugal.

Mas, continua a subsistir a questão fundamental: quem está por detrás deste fundo das Bahamas?

De acordo com a pesquisa do PÁGINA UM, o World Opportunity Fund Ltd está cotado na Bahamas International Securities Exchange como fundo mutualista regulado, sob controlo da The Winterbotham Trust Company Limited. Esta gestora de activos tem, apenas naquele país das Caraíbas, a responsabilidade de administrar 35 fundos distintos, entre os quais o White Conch Fund, World Oil System Fund, Victorem Global Perfomance Fund, Quercus Multi-Strategy Fund, Planifolia Trade Finance Fund, Envision Special Fund, Americas Energy Growth Fund, OCIM Mining Fund, Emerging Energy Services Fund e AsiAmerica Fund.

No caso específico do sócio maioritário da Páginas Civilizadas não está disponível qualquer informação na bolsa de valores das Bahamas, dando erro quando se procura informação detalhada. Deste modo, desconhece-se assim o património ou carteira de investimentos, bem como a pessoa responsável pela gestão.

No entanto, a empresa gestora do fundo que agora controla a Global Media não é assim tão desconhecida. Integrada no Winterbotham Group, fundada em 1990 por Geoffrey Hooper, a The Winterbotham Trust Company Limited apresenta-se como um banco e empresa fiduciária, administradora e correctora de fundos de investimento a partir das Bahamas, fazendo parte de uma panóplia de empresas-irmãs localizadas em Porto Rico, Ilhas Cayman, Uruguai, Hong Kong e Austrália.

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Gestora do fundo que controlará a Global Media também administra mais 34 fundos de investimento nas Bahamas.

O Winterbotham Group detém também interesses no sector imobiliário, segurador e até na gestão de carreiras desportivas, através da SeventyTwo Sports Group. Por exemplo, o tenista russo Andrey Rublev, actual número 5 do ranking ATP, é um dos clientes desta empresa.

Mas o facto de a gestão do fundo World Opportunity Fund Ltd – formalmente considerado em Portugal uma empresa, que agora até possui um número fiscal (980798116) – ser feita pelo Winterbotham Group não significa que seja esta empresa que vá controlar efectivamente a Páginas Civilizadas, e em consequência a maioria da administração da Global Media, dona do Jornal de Notícias, Diário de Notícias e TSF e accionista da Agência Lusa.

Sendo sobretudo um veículo financeiro e de investimento, com regras, os fundos de investimentos podem ser abertos ou fechados, sendo que, neste último caso, quem controla são o(s) detentor(es) do capital que formou o fundo. Ora, no caso do World Opportunity Fund essa informação não está disponível, ainda mais por estar num paraíso fiscal. No limite, e por hipótese académica, qualquer pessoa com recursos financeiros pode ser o investidor. Até o próprio Marco Galinha.

Certo é que quem investiu – e convém recordar que um fundo de investimento procura apenas rendimentos – dificilmente contará com um retorno a curto prazo: desde 2017, a Global Media acumula 42 milhões de euros em prejuízos. No entanto, a Páginas Civilizadas pode não reflectir esses prejuízos, por não ser uma holding da Global Media, e até conseguir canalizar receitas dos media que controla para obter lucros.

Entidade Reguladora para a Comunicação Social ainda não obrigou a mostrar o beneficiário efectivo da World Opportunity Fund.

Para aumentar mais as dúvidas sobre quem, de facto, controlará um dos mais relevantes grupos de media português, acrescente-se que a Winterbotham Trust Company Limited foi identificada no Bahamas Leaks, num processo subsequente ao Panama Papers revelado pela Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. De acordo com o registo da Consórcio, a gestora do fundo que controla agora a Global Media teve 2303 entidades relacionadas com o Bahamas Leaks.

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) poderá obrigar, contudo, se assim desejarem os membros do Conselho Regulador, a Páginas Civilizadas a identificar quem está por detrás do fundo. Mas até agora, no Portal da Transparência dos Media, ainda continua desactualizada a informação respeitante à estrutura societária da Páginas Civilizadas, não estando sequer identificado o novo sócio, a World Opportunity Fund Ltd, nem o beneficiário efectivo. Talvez, antes do regulador ‘acordar’, o PÁGINA UM venha a encontrar o fio à meada que ainda falta.

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