O antigo jornalista e actual comentador Miguel Sousa Tavares tem estado debaixo de fogo, depois de ter criticado a escolha deste ano para Miss Portugal, que recaiu sobre uma mulher transgénero, de seu nome Marina Machete. No seu novo espaço de comentário, que estreou no Jornal Nacional da passada quinta-feira, Sousa Tavares dizia ao jornalista José Alberto Carvalho que não foi uma “mulher bonita” que venceu o concurso, mas sim o resultado das várias operações plásticas a que foi sujeita para se tornar mulher. Disse ainda que as mulheres saíam “maltratadas” com esta eleição, que tornou o concurso numa “anedota e numa batota.”
Como seria de esperar, depressa se elevou um coro de vozes indignadas, com vários comentadores da nossa praça a despejarem sobre Miguel Sousa Tavares os seus sermões e anátemas. É mais uma polémica “instantânea”, que num país saudável nem sequer teria lugar – mas aqui, cá estamos nós, mais uma vez, a fingir que não temos coisas realmente sérias para nos preocuparem e entreterem-nos, e que a história é merecedora de se lhe dedicar imensa atenção.
O único motivo que nos deve levar a reflectir sobre este (não) assunto é no sentido de concluir como hoje ter opinião se transformou num acto perigoso, se for a opinião “errada”, obrigando figuras públicas, pela pressão de uma ‘massa’ chamada opinião pública, a pedir desculpa apenas por terem dito a maior das obviedades.
Uma das tiradas que suscitou mais celeuma e foi quando Miguel Sousa Tavares perguntou a José Alberto Carvalho se casaria com Marina Machete. Qualquer pessoa tem o direito de considerar a questão esdrúxula ou a despropósito, mas será caso para revolta? É assim tão ofensiva e desrespeitosa? O mais provável é que se fossem duas mulheres a indagar se casariam com um homem transgénero, não assistíssemos a tanto burburinho – a não ser, talvez, entre a comunidade do alfabeto.
Ao porem em causa o sentido que faz uma mulher transgénero ser coroada Miss Portugal, os dois jornalistas receberam até a distinção de “machos dominadores” por uma fan-girl do actual Governo. Acredito que nunca ninguém tenha imaginado ler “machos dominadores” e os nomes de José Alberto Carvalho e Miguel Sousa Tavares na mesma frase, mas enfim, hoje é fácil contestar as afirmações de um homem, da forma mais básica, parecendo-se eloquente: basta acusá-lo de machismo.
Houve também quem condenasse a conversa de “balneário” e de “taberna” dos ditos cavalheiros. Falou-se ainda em boçalidade e numa “humilhação” feita a Marina Machete. Com todas as alarvidades e futilidades diariamente transmitidas na televisão portuguesa, incluindo nos espaços de comentário e de notícias, só agora a trupe Comentadores & Companhia se apercebeu que pouco ou nada se aprende em frente ao pequeno écrã.
Seja como for, afirmar que um homem biológico não é uma mulher só peca por ser tão óbvio que não deveria ser necessário recordá-lo – não devia fazer de ninguém um herege. Seguindo esta linha de raciocínio, não é de todo descabido defender que alguém que nasceu homem não pertence num concurso de mulheres.
A opinião de Miguel Sousa Tavares, concorde-se ou não, é estritamente racional e adstrita a um facto insofismável: Marina Machete não teria o físico que possui se não fosse pelos procedimentos cirúrgicos a que se submeteu. Constatá-lo não denota qualquer fobia; é uma verdade simples e objectiva. E mesmo não tendo qualquer simpatia pelo comentador em causa, que já terá proferido opiniões muito questionáveis, não creio, no caso em apreço, que mereça castigo por dizer uma verdade.
Certo é que alguns, a quem os factos fazem urticária e as opiniões “erradas” ainda mais, conseguiram que a polémica assumisse proporções tais, que José Alberto Carvalho se prestou a um mea culpa no Jornal Nacional de ontem, retratando-se e pedindo desculpa pela sua “atitude irreflectida”. Atitude essa que foi simplesmente responder a Miguel Sousa Tavares: que não se casaria com Marina Machete. Hoje, isto é um crime de lesa-majestade e serve de tema de discussão para vários dias.
Quem viva num universo paralelo e considere problemático afirmar-se em público que “um homem não é uma mulher”, ou outras verdades de La Palice, está no seu pleno direito se quiser indignar-se. Mas a sua ira não deve ter tanto poder que consiga silenciar quem bate o pé e tenta ser o adulto na sala, repondo alguma da sanidade perdida nos últimos anos.
Perante os gritos e choros da comitiva de ofendidos com a opinião alheia, a resposta não deve ser aquiescer, mas a indiferença. A liberdade que os arautos do politicamente correcto têm para ventilar a sua revolta, com a notícia do dia, não pode servir para espezinhar a liberdade de expressão dos outros.
Durante a polémica conversa, José Alberto Carvalho perguntou a Miguel Sousa Tavares se não tinha receio de ser acusado de transfobia, ao que o último respondeu “não ter idade” para se preocupar com as coisas de que o acusam. Veremos, na próxima quinta-feira, se o “desbocado” comentador mantém a sua posição, ou se verga a esta exaustiva censura.
Maria Afonso Peixoto é jornalista
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