EDITORIAL DE PEDRO ALMEIDA VIEIRA

Sai mais uma ciclogénese explosiva, um rio atmosférico e um comboio de tempestades para a mesa do canto…

boy singing on microphone with pop filter

por Pedro Almeida Vieira // Novembro 2, 2023


Categoria: Opinião

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Sou um jornalista que adora mistérios – que, na verdade, revelam tão-só uma coisa: ignorância. E adoro mistérios porque detesto a ignorância. A minha própria, para começar.

E, por isso mesmo, por pura ignorância minha continua a ser um mistério para mim os recorrentes temas abordados pela directora-adjunta do jornal/rádio Observador, Filomena Martins.

gray asphalt road under gray clouds

Por Zeus!

Por Hermes!

Por Tyche!

Por Néfeles!

Por Zéfiro!

Por Éolo!

Por Bóreas!

Por Notus!

Por todos os Anemois!

Por Tutatis!

Filomena Martins diz, na sua biografia, que “depois da paixão pela história e da prática obsessiva na área da arqueologia”, acabou licenciada em Comunicação Social, tendo passado pelo Record, Correio da Manhã, Sábado e Diário de Notícias, antes de ingressar em Março de 2015 no Observador. E conclui: “O resto é história”.

Não é só história; é meteorologia também, mas da dura, ao melhor estilo do jargão meteorológico, onde não há apenas chuva, sol, humidade relativa, pressão atmosférica e, vá lá, um ‘anticiclonezito’ dos Açores.

Não. A directora-adjunta do Observador – que em 44 textos escritos este ano, 34 vezes dedica-os à meteorologia – não é assim tão simplista. Por exemplo, hoje anuncia que a tempestade Domingos “não será tão devastadora como a sua ‘irmã’ Ciarán, porque a ciclogénese explosiva se produzirá no mar”.

Na pena de Filomena Martins, aquilo que em tempos não muito longínquos seria, enfim, um temporal outonal – cujos estragos causados se devem mais ao péssimo planeamento biofísico do território (o saudoso arquitecto Ribeiro Teles explicava isso muito bem) e à ainda pior gestão de equipamentos urbanos (a começar pelas sarjetas) – transforma-se numa “das mais violentas tempestades a atingir o Reino Unido nesta altura do ano”, sendo a “depressão mais grave e profunda da temporada”; é, enfim, “trocando por miúdos”, para citar textualmente a directora-adjunta do Observador, é “um ciclone bomba”.

E porquê? Porque, explica ela, “a forma como evoluiu o tornou raro, mesmo muito raro. Falamos de uma tempestade em que a pressão atmosférica deve cair 29 hPA num só dia, quando o limite de uma ciclogénese já explosiva na nossa latitude costuma ser de 20/24 hPa em 24 horas. Ou seja, a intensificação vai acontecer de uma forma extremamente rápida, daí tornar-se tão violenta”.

Eis o melhor estilo do atirar um número ao calhas e com uma unidade sobre a qual o vulgo nada sabe e a jornalista nada explica. Só para impressionar e assustar. Ah!, já agora hPa são hectoPascais, que são 100 Pascais, coisa que a jornalista Filomena Martins acha que não precisa de dar nem de contextualizar. Antigamente, usava-se mais os bares, mas agora não deve ser tão vendável… As voltas que o circunspecto Anthimio de Azevedo deve estar a dar…

green leaf tree under cloudy sky

Tudo nos textos meteorológicos de Filomena Martins – que seguem uma escola, mas em que ela se transforma em sacerdotisa – remetem para o trágico, fatal, sinistro, aterrorizante, cruel, diabólico – e patético, acrescento eu.

Nunca na minha vida (como técnico e como jornalista), em que me debrucei e li muito sobre eventos meteorológicos extremos, alguns com tendência crescente de frequência, tinha assistido, como no último ano, a títulos da imprensa como – e vou citar títulos da Filomena Martins – “rio atmosférico atravessa centro do país”, ou ainda “Portugal atingido por um comboio de tempestades”, ou ainda “Furacão Franklin+DANA espanhola = nova tempestade”, ou ainda “Oscar: vem aí uma tempestade rara para esta altura do ano. E pode trazer um “rio atmosférico” na quarta-feira”, ou ainda “Esta quarta foram batidos seis recordes de temperaturas de abril. Mas o pior chega amanhã”, ou ainda “Vêm aí dois dias com umas gotas de chuva. E depois uma semana de forno, em que se pode chegar aos 35ºC”, nestes casos sempre com mapas de amarelo para cima e nunca muito abaixo de vermelho, que melhor sempre se mostra meter encarnado em cima de vermelho.

A loucura que se passou na pandemia – com a comunicação social a desejar e a promover o “quanto pior, melhor” – está agora a tentar seguir o seu caminho com as alterações climáticas, onde se confunde e exagera cada evento meteorológico diário, como se fosse, cada pingo de chuva ou cada subida de nível do mercúrio, uma prova irrefutável do aquecimento global.

Como tenho defendido, e continuarei a defender, existem evidências de uma intensificação de fenómenos climáticos em determinadas regiões do Mundo que devem merecer acção – e mais de adaptação já do que de inversão de emissões –, mas não pactuo com falácias, nem hipocrisia e não assino linhas de comunicação que assentam no susto, no pavor, na manipulação. Ainda há duas semanas abordei essa questão num absurdo artigo do Expresso sobre a Torre de Belém.

Pior ainda, sou visceralmente contra a banalização comunicacional de eventos meteorológicos, através da emissão de constantes alertas amarelos, laranjas e vermelhos pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). E sou contra o uso de jargão técnico que, no contexto do quotidiano, são percepcionados de uma forma distinta. Não cuidar da comunicação, exagerando e exacerbando, faz-me sempre lembrar a história do lobo e do Pedro: com tanto alerta, certo dia ninguém acreditará nas Filomenas Martins – como eu já não acredito.

E isso não é necessariamente bom, nem sequer para as causas que supostamente certos jornalistas, por moda, defendem sem saberem da poda. E sou sobretudo contra este nível de comunicação porque serve para desculpar tudo e um par de botas, como se tem visto com o (contínuo) excesso de mortalidade em Portugal.

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