Parece um jogo do gato e do rato. Ontem, a Global Media actualizou finalmente a sua estrutura acionista e identificou o fundo das Bahamas como sócio da empresa que detém a maioria do capital e o controlo da maioria dos oito membros do Conselho de Administração. Mas ‘esqueceu-se’ de dizer qual o homem que está mesmo por detrás do fundo. Já não precisa de esconder mais: o PÁGINA UM encontrou-o no Registo Central do Beneficiário Efectivo. O novo homem-forte do grupo de media – que gere o DN, JN e TSF – é mesmo novo: Clement Ducasse é um francês de 40 anos, mas que, contudo, mostra ser uma ‘raposa velha’ no lucrativo mundo das offshores, surgindo referenciado nos Paradise Papers.
Foram três, mas deveriam ter sido quatro. Na comitiva da administração da Global Media – proprietária do Diário de Notícias, do Jornal de Notícias e da TSF – ontem recebida em audiência pelo Presidente da República, estiveram apenas presentes Paulo Lima de Carvalho, José Paulo Fafe e Diogo Agostinho. O trio deveria ser um quarteto para reflectir a nova imagem deste grupo de media.
Mas se os conhecedores do estrito mundo da imprensa nacional pensam que o quarto, com falta de comparência, seria Marco Galinha, o ainda CEO da Global Media, desenganem-se: quem faltou mesmo foi o francês Clement Ducasse, o novo mas ainda ‘escondido’ homem-forte, que, mesmo se indirectamente, através da World Opportunity Fund, passou desde o mês passado a controlar um dos mais importantes grupo de media nacionais. O PÁGINA UM pode garantir que é este o homem, e não uma empresa que co-fundou (Union Capital Group), por detrás da cortina de um estranho negócio que coloca importantes jornais e rádios a serem controlados a partir das Bahamas, um país das Caraíbas.
Apesar de rodeado de grande secretismo, a venda de 51% das quotas da empresa Páginas Civilizadas concretizou-se, como anteontem o PÁGINA UM revelou, apenas no passado dia 23 de Outubro com o registo no Portal do Ministério das Finanças da nova estrutura societária, confirmando-se assim que Marco Galinha ‘renunciou’ ao controlo indirecto da Global Media. O líder do Grupo Bel, que entrara no mundo da imprensa em 2020, possui agora uma participação pouco relevante tanto na Páginas Civilizadas como na Global Media.
Com efeito, por via da aquisição de 51% das quotas da Páginas Civilizadas, que tem um valor de apenas 1,4 milhões de euros, a World Opportunity Fund Ltd tem agora direito a indicar dois dos três gerentes, o que implica que passará também a ter direito de controlo sobre a Global Media. Como a Páginas Civilizadas detém directa e indirectamente 50,23% da Global Media (e também 22,35% da Agência Lusa), será Clement Ducasse que determinará a escolha do CEO do grupo de media e uma parte do Conselho de Administração, actualmente constituído por oito membros.
De acordo com a pesquisa inicial do PÁGINA UM, soube-se que a World Opportunity Fund Ltd – sedeada no Winterbotham Place Marlborough & Queen Street, em Nassau, nas Bahamas – está cotado na Bahamas International Securities Exchange como fundo mutualista regulado, sob controlo da The Winterbotham Trust Company Limited.
Esta gestora de activos tem, apenas naquele país das Caraíbas, a responsabilidade de administrar 35 fundos distintos, entre os quais o White Conch Fund, World Oil System Fund, Victorem Global Performance Fund, Quercus Multi-Strategy Fund, Planifolia Trade Finance Fund, Envision Special Fund, Americas Energy Growth Fund, OCIM Mining Fund, Emerging Energy Services Fund e AsiAmerica Fund.
Mas apesar de se saber que o fundo está integrado no Winterbotham Group, fundado em 1990 por Geoffrey Hooper, uma holding financeira que inclui uma panóplia de negócios a partir das Bahamas – com empresas-filhas localizadas em Porto Rico, Ilhas Cayman, Uruguai, Hong Kong e Austrália – não havia uma confirmação oficial independente sobre quem, pessoa ou empresa, detinha o controlo efectivo do investimento.
Na verdade, somente ontem a Global Media procedeu no Portal da Transparência ao registo da alteração da estrutura societária da Páginas Civilizadas. E consegue-se provar isso de uma forma simples: o PÁGINA UM gravou a consulta do registo no dia 1 de Novembro, e não havia então sinais do fundo das Bahamas.
Mas uma consulta específica na base de dados do Registo Central do Beneficiário Efectivo do Ministério da Justiça deu um nome em concreto: Clement Ducasse, que, curiosamente, continuava sem estar associado ao World Opportunity Fund Ltd, sócio maioritário da Páginas Civilizadas, no registo alterado ontem no Portal da Transparência dos Media, gerido pela ERC.
Nascido na França, Clement Ducasse fará 41 anos dentro de duas semanas e está no mundo dos negócios desde os 24 anos, quando, depois de um bacharelato em Administração de Empresas na ESSEC Business School em Paris, co-fundou a Union Capital Group, tendo a partir daí expandido actividades e dinheiros pelos quatro cantos do Mundo, com especial incidência nas Bahamas (onde está sedeado o Capital Union Bank), Dubai, Hong Kong, Singapura, Suíça, Taiwan e Estados Unidos.
Na sua nota biográfica, Ducasse refere que a Union Capital Group, fundada em 2006, “se tornou uma bem-sucedida consultora financeira especializada em mercados de capitais, derivados e soluções estruturadas, dedicada ao setor de private banking na Suíça, Europa e América Latina”, e diz ainda, sobre si, que “acredita que nesta fase de elevada polarização da riqueza, uma abordagem transparente e baseada em parcerias com os investidores acabará por prevalecer sobre soluções escaláveis e orientadas para a tecnologia”. Além destas funções, o investidor francês apresenta-se como administrador da Lake Geneva Investments Partners. Mas é quase impossível encontrar o rastro a todos os seus interesses, porque entra e sai de empresas com a maior das facilidades, em qualquer parte do Mundo. E com a maior diversificação. Ducasse tem mesmo negócios no sector da música, no seu país-natal.
Aquilo que Clement Ducasse não diz nada é sobre as suas ligações a um vasto conjunto de empresas em paraísos fiscais, o que acabou por o levar a ser identificado por ligações a diversas empresas associadas aos Paradise Files, divulgados em 2017 pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ). Operando a partir de Genebra e de Nassau, nas Bahamas, o novo homem-forte da Global Media tinha ligações – como accionista, director ou representante legal – a cinco entidades apanhadas na “teia” dos negócios de paraísos fiscais.
O PÁGINA UM enviou questões a Clement Ducasse, endereçando mensagens para duas das empresas onde detém interesses, mas nenhuma teve resposta.