O que se passa com a Saúde em Portugal?
Ouvimos críticas diárias da população, em geral, e de praticamente todos os políticos que não sejam os do Partido no Poder.
Os médicos e os enfermeiros andam em luta, há meses, com reivindicações que o Governo considera impossíveis de atender.
Os Bombeiros não conseguem fazer o seu trabalho em condições, já não só por falta de verba mas porque as suas ambulâncias ficam paradas, durante horas, às portas dos hospitais, porque os doentes que transportam têm de ficar nas macas das viaturas por não haver camas vagas no edifício.
A maior parte dos hospitais vão perdendo médicos especialistas levando a que os seus antigos utentes se tenham que deslocar para outras localidades, muitas vezes a dezenas de quilómetros de distância.
No entanto, sempre que o Primeiro-Ministro se debruça sobre este tema é peremptório: nunca houve tantos médicos em Portugal, o número de consultas tem aumentado em dezenas de milhares todos os anos, tal como as cirurgias e, mais, nunca se investiu tanto na saúde como nos dias de hoje com o Orçamento do Serviço Nacional de Saúde a chegar aos 14 mil milhões de euros.
Fiquei um pouco mais esclarecido – sobre o que tem levado a esta aparente contradição, de haver cada vez mais médicos, consultas, cirurgias e dinheiro, mas, em simultâneo, um aumento nas queixas por dificuldades nos atendimentos, incluindo aos doentes em risco, e um descontentamento generalizado de médicos, enfermeiros e utentes – quando li um texto do Professor Miguel Gouveia, da Universidade Católica de Lisboa.
Escreveu ele:
“O problema é que no SNS estes profissionais de saúde têm uma produtividade baixa. A raiz do problema não é apenas a redução do horário de trabalho de alguns profissionais para as 35 horas semanais. As estimativas da produtividade por hora trabalhada indicam que mesmo nesta perspetiva mais específica a situação se deteriorou.
Porque é que a produtividade dos profissionais de saúde baixou? Não é por falta de esforço ou pelas poucas horas de trabalho. Pelo contrário, as preocupações são que muitos profissionais de saúde estão em situação de “burn out”, ou seja, no limiar ou para lá do esgotamento. Como se explica então que haja mais médicos, que estes trabalhem tão intensamente e que tantos problemas de saúde não sejam resolvidos?”
Quando eu pensava que o Professor Miguel Gouveia seria mais um a apontar para o envelhecimento da população como razão principal para o problema, fiquei surpreendido ao constatar que, sendo este um dos motivos apontados, os dois principais culpados deste caos, para ele, são a má gestão dos hospitais e “o não financiar de forma razoável as unidades de cuidados continuados, na sua grande maioria não estatais” fazendo com que “o Estado tenha estado a estrangular estas unidades e a reduzir a sua capacidade de oferta de cuidados e logo a forçar o desvio para dentro do SNS de muitos consumos de recursos”.
Este texto, que devia ser de leitura obrigatória, é elucidativo sobre a criação e ampliação deste enorme problema, mas dá, também, algumas pistas para a sua correcção.
Se, pelo menos, os responsáveis o tivessem em conta, talvez fossem evitados alguns dos dramas que se vivem nos nossos hospitais e que já vão sendo de tal modo frequentes que começamos a ser cúmplices das maiores vergonhas e humilhações a que os cidadãos que procuram cuidados médicos estão sujeitos.
Nem que seja pelo silêncio e pelo engolir da revolta.
É que a remodelação profunda no Serviço Nacional de Saúde também passa, ou deveria começar, pela consciência que todos os que ali trabalham deveriam ter pela gente fragilizada, muitas vezes em pânico, que a eles recorre como sendo a sua última esperança.
Sim, muitas vezes estes profissionais estão esgotados, e legitimamente zangados, pelo modo como o Estado, e alguns utentes, os tratam.
Sim, muitas vezes sentem-se impotentes por não terem os meios para o cumprimento escrupuloso da sua missão e têm que improvisar, que fazer horas extraordinárias e deixarem a sua vida, e a dos seus, para trás.
No entanto, há linhas limite que não podem ser ultrapassadas. Custe o que custar.
Esta semana atingiu-se o apogeu da falta de profissionalismo no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, onde uma jovem de 32 anos, grávida de oito meses, foi informada, numa consulta de rotina, que a filha “não tinha batimentos cardíacos”.
Foi medicada “para induzir o parto” e mandada para casa.
No dia seguinte regressou ao hospital para o parto mas, por não haver pessoal para o realizar, voltou para a sua residência com o feto na barriga.
A jovem optou por não ficar na enfermaria porque iria ficar “com outras mulheres grávidas ou recém-mães com os seus bebés” o que, obviamente, iria aumentar o seu terrível trauma.
Só três dias depois o parto foi feito.
Sou um acérrimo defensor do Serviço Nacional de Saúde e estou imensamente grato aos seus fundadores e a todos os profissionais com que me tenho cruzado.
Mas sei que nem eles se revêm naquilo em que ele se transformou.
Tenho saudades do meu SNS.
Do SNS de António Arnaut.
Vítor Ilharco é assessor
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