Tinta de Bisturi - Opinião de Diogo Cabrita

O desperdício e o exagero

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minuto/s restantes


As instituições públicas são hoje vítimas da cultura desresponsabilizada. O “quero lá saber”; o “não me importa”; o “isto é tudo nosso”, permitiu um regabofe que desautoriza as coordenações e a gestão.

Retomo a manhã num hospital onde passaram a noite dezenas de computadores ligados, onde os ares condicionados estiveram a bombar para salas desertas, onde o calor desmedido vai para a rua pelas janelas abertas, onde as luzes acesas não importam a ninguém.

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De manhã, chegarão os cumpridores de protocolos, os carneiros e as ovelhas que fazem o que lhes dizem – cumprem, portanto!

São os mesmos que deixaram as luzes acesas, os computadores ligados, as torneiras a pingar, e não registam. São os mesmos que não levantam os pratos, não arrumam os tabuleiros e não se questionam. Porque coloco uma tolha de papel nos tabuleiros da cantina ou do restaurante? Porque preciso de telemóvel de manhã? Para que serve este ruído que coloco nos ouvidos ao despertar? Porque tomo banhos tão demorados? Porque deixo a torneira aberta enquanto esfrego os dentes? Porque?

São os mesmos do discurso sustentável e amigos dos animais.

Nunca se questionam do valor da pegada ecológica dos seus pets. Nunca se interrogam da enormidade de coisas desnecessárias que fazem. Antes de ver doentes, já pediram análises e exames complementares. Antes de palpar, auscultar, sentir, já têm opinião. Abrir coisas sem ter certeza de as utilizar. O desperdício e a cultura de não reutilizar instalaram-se como normas e protocolos indiscutíveis.

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Não há perguntas, e quando se levantam, são como ofensas. Claro que os volumes de entradas e saídas levam a rotinas, e estas facilitam os gestos repetidos. O discurso da identidade, da individualidade, morre nesta prática repetitiva.

Há uma cultura defensiva que sobre passa a sustentabilidade. Melhor fazer tudo do que ser acusado de alguma coisa. Assim, desresponsabilizar é diluir decisões, é aumentar desperdício, é fazer exames de modo incontrolado. Hoje, a cidadania vive dos medos televisivos.

Os problemas hiperbolizados nas reportagens insanas, onde os miseráveis explanam suas dores, onde os protestos geram audiências que não cuidam de saber, não cuidam de perguntar, mas atiram ódios e likes para matar.

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É o tempo das perguntas-aforismo: “Pode ser grave”; “pode haver alguma coisa”; “como pode garantir isso?” O pânico gera sempre processos irracionais e o medo pode ser construído, induzido, incutido. Afinal o medo é um negócio também. Temos de perceber e interiorizar que a vida é sem garantia. A vida decorre sem certezas.

Já os sinais existem para se lhes dar atenção. Se fizermos milhares de exames sem sinais de perigo, estamos a gerar desperdício. A cultura dos rastreios é cada vez mais discutível! Os rastreios geram muito poucos diagnósticos para o volume que se gasta. Há toda uma indústria do rastreio que gera negócios avultados. Uma observação cuidada das pessoas tem muito maior eficiência.

A realidade de hoje são milhões de toneladas de lixo e desperdício construídas para obrigação de normas e milhões de inutilidades para satisfazer a desresponsabilização. Os supermercados dão aulas de desperdício quando vendem maçãs embaladas duplamente. Mas eles cumprem normas europeias, desenhadas por meninos que legislam em diarreia sobre coisas de que não tiveram qualquer experiência. Os hospitais são supermercados com tripla embalagem para a maçã.

O desperdício e o exagero são pois a doença nova das sociedades que vivem sob o mando dos legisladores. A melhor regra que conheço é o Código de Estrada, mas a realidade das megacidades asiáticas e africanas comprova que no caos também se desenrascam. Prefiro viver com regras, prefiro uma sociedade com educação.

E o que é a educação? É a percepção da importância dos outros nas nossas vidas. Porque os outros existem, não devo ter o telefone aos gritos. Porque respeito os outros, devo deixar entrar na fila um a um. Porque somos pessoas, não devo pedir exames desnecessários. Porque somos gente, devemos falar mais que teclar nas redes.

Diogo Cabrita é médico


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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