Dizem-se “competentes” e “independentes” ao mesmo tempo que distribuem, em conferências patrocinadas, elogios e sorrisos por governantes, banqueiros e empresários. Falam em atingir “objectivos” e em “trabalhar em equipa”, mas apostam em estagiários low cost ou que trabalham de graça.
Foram estes directores de órgãos de comunicação social que ajudaram a criar (e a manter incólume) a “marca” António Costa – ajudados por muitos comentadores. Como agora vão ajudar a criar a marca do seu sucessor (e assim aparecem “Pedros Nuno Santos” a serem promovidos, com o seu tempo de antena num programa dito “informativo” de um canal de TV, ou se assobiam nomes como o de Medina em editoriais e artigos de opinião).
Adoram palavras como “crescimento” e “liderança”, e sentem-se como gestores. Pelo meio, mencionam “liberdade” e “democracia”, como quem canta a tabuada no antigo liceu. São, assim os directores de órgãos de comunicação social dos nossos dias.
São jornalistas, com carteira profissional passada, mas queriam era mesmo ser administradores ou ir para o Governo. Mas não. Estão (ainda) a trabalhar em grupos de media, com olhos num futuro mais risonho e bem-sucedido.
Demonstram militância em relação aos poderosos, o que impede que haja nas suas redacções qualquer semelhança com o jornalismo.
(Nunca se viu tal comunhão entre Governo e autarcas e directores de jornais como nos últimos anos. Era só ler as manchetes. Ver os telejornais. Não se distinguiam os soundbites de governantes das linhas lidas por pivôs ou nas palavras gordas das manchetes.)
Até lá, até serem administradores, empresários, consultores, estes directores somam “sucessos”, “vitórias”. Saltitam alegremente de conferência em conferência. De talk em talk. De cimeira em cimeira. Sempre sorridentes ao lado de governantes, autarcas e empresários e banqueiros de renome. Sentem-se um deles. Sentem que têm poder, assim, ao lado de gente “de topo”.
Imitam. Podem ter carros de gama alta, cartões de crédito e outros benefícios à disposição. Podem ter prémios, seja por conseguir reduzir custos (despedir mais jornalistas) ou pelo desempenho… comercial.
No reinado de Costa, raramente questionaram as políticas do Governo. Era tudo magnífico. Maravilhoso. Quase não se distinguiam as notícias dos anúncios do Governo. As mesmas palavras, os mesmos slogans, as mesmas palavras-chave.
A política na Saúde? Uma maravilha! Melhor do que antes! A política na Educação? Espectacular, e a melhorar! A política fiscal? Impecável (sobretudo por Medina fechar os olhos às dívidas de grandes grupos de media)! A política externa? Nada a apontar.
Até a desastrosa gestão da pandemia foi, segundo se lê nos media, “um sucesso”. Excesso de mortalidade assustador desde 2021? E a continuar depois do programa de vacinação contra a covid-19? Isso não interessa nada. Se Costa não fala no excesso de mortalidade e diz que foi um sucesso a gestão da pandemia, e se a Direcção-Geral da Saúde não dá os números diários de portugueses que morrem sem explicação, incluindo jovens, então para quê noticiar?
Para estes directores de jornais, António Costa e a maioria dos seus ministros eram anjos na Terra. Uns santos. Uns líderes inquestionáveis (e insubstituíveis).
O mesmo se aplica a Marcelo. Num só jornal diário consegue-se identificar dezenas de chamadas de capa maravilhosas sobre o Presidente, apenas no espaço de um ano. E também quase uma dezena de chamadas de primeira página a promover o novo favorito dos media para a Presidência, um novo anjo na Terra: o “futuro incontestado líder” Gouveia e Melo.
(Já diz o ditado: quem mais cedo promover, mais benesses poderá ter… sobretudo se fizer ouvidos moucos às críticas e aos factos.)
Estes directores traem o jornalismo, traem os órgãos de comunicação social que dirigem e traem as suas equipas de jornalistas e profissionais de media, traem as suas redacções. Traem toda a classe e todos os que vieram antes deles. Traem os leitores, os ouvintes, os telespectadores. E traem o país e a democracia. Alguns nem percebem que estão a usurpar funções, porque nunca foram nem nunca serão jornalistas, porque não sabem o que isso é. Outros sabem, mas têm hoje um estilo de vida que não permite voltar atrás.
(Quem lhes pagaria as elevadas contas e despesas dos filhos ou as obras na casa de campo?)
Confundem mais e mais parcerias comerciais com sucesso. Confundem mais conferências com sucesso. Confundem mais edições patrocinadas com sucesso. Confundem mais entrevistas e notícias pagas com sucesso.
(Sim, as parcerias comerciais incluem, por vezes, entrevistas e notícias, que nem sempre são publicadas com a indicação de serem conteúdos pagos).
Confundem sucesso com a publicação de uma entrevista boazinha a um ministro. Com a publicação de um artigo de opinião de um banqueiro.
Confundem sucesso com redacções vazias de jornalistas seniores e cheias de estagiários a escreverem notícias abençoadas ou patrocinadas.
Na realidade, a verdade é que acumulam uma sucessão de insucessos. De falhanços. De derrotas.
Porque é um falhanço redondo o emagrecimento contínuo das redacções ao longo dos anos. O empobrecimento das redacções a todos os níveis. O apagar de gerações das redações. O apagar de sabedoria e conhecimento. Muito conveniente, de resto.
Porque é uma enorme derrota o nível recorde de promoção de anúncios de governantes e autarcas e a publicidade a comunicados de empresas e bancos como nunca se viu. Escrutínio? Investigação? Questionar? Ouvir o contraditório? Quase zero.
Os directores editoriais confundem-se hoje com gerentes de supermercados: “lideram” equipas de trabalhadores obedientes (muitos com salários baixos, outros nem tanto), dependentes, que desembalam, expõem nas prateleiras e arrumam, sem pestanejar. Sem perder tempo. Não há tempo porque há artigos a vender e as marcas já pagaram as campanhas a destacar na entrada na loja… na primeira página do jornal. No telejornal.
São directores de jornais, de TVs, de rádios? São. São jornalistas? Não, não são. São líderes? Também não. Não, pelo menos, de meios de comunicação social.
Quando confrontados com esta verdade, respondem que estão a “salvar” o jornalismo e a Imprensa. Que é o dinheiro dos bancos, dos Ministérios, das direcções-gerais, das autarquias e das empresas que paga os salários dos jornalistas (ou quererão dizer os seus salários e prémios?). Que sem parcerias comerciais os jornais, as TVs, as rádios faliam.
Não compreendem. Não percebem que vendem nessas parcerias comerciais o corpo e a alma dos meios de comunicação social, e que não sobra nada similar a jornalismo. Graças a eles, hoje, banqueiros, governantes e empresários perderam o respeito pelos jornalistas e o jornalismo. Fazem troça. Afinal, são eles quem “financiam” os jornais.
E enquanto directores aparecerem sorridentes ao lado de governantes, banqueiros, empresários, a fazer vénias e a vergarem-se perante as chorudas parcerias comerciais, também não são competentes.
Serão competentes quando as redacções regressarem com jornalistas que questionam e têm tempo e capacidade para investigar, com salários dignos. Serão competentes quando escrutinarem governantes e as suas políticas. Quando escrutinarem banqueiros e os empresários e os seus negócios.
Serão competentes e independentes quando recusarem aparecer em conferências e talks em que se promovem marcas, políticos (e as suas políticas), banqueiros e empresários.
Até lá, não passam de servos dos departamentos comerciais. Dos banqueiros, dos governantes, das empresas patrocinadoras. Não são directores nem são administradores. São servos.
E são também cangalheiros a enterrar o Jornalismo. Todos juntos, os muitos directores de jornais, de revistas, de TVs, de rádios. Juntos a levar em ombros o caixão onde jaz morto o Jornalismo. Nisso sim, estão a ser muito competentes, sendo ajudados pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, que, fechando os olhos às infracções cometidas nas parcerias comerciais, até leva flores para o funeral.
Enquanto ajudam a promover, a criar novos primeiros-ministros, novos presidentes, dão mais um passo no cortejo fúnebre do Jornalismo. De forma muito competente.
Elisabete Tavares é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.