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O futuro e os jovens ‘infantilizados’

silver bell alarm clock

por Maria Afonso Peixoto // Novembro 14, 2023


Categoria: Opinião

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Tempos difíceis criam homens fortes; homens fortes criam tempos fáceis; tempos fáceis criam homens fracos; e homens fracos criam tempos difíceis – há quem conceba a existência deste ciclo perpétuo como um aspecto incontornável da vida.

Mesmo sabendo que a realidade é sempre demasiado complexa para se resumir a rótulos ou frases pré-fabricadas, considero que este paradigma é aplicável a muitas situações e momentos históricos. E o que vivemos, os tempos mais recentes, são disso um exemplo.

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Se tivesse de situar a fase em que nos encontramos, diria que nos estamos na parte que cruza os “tempos fáceis” com “homens fracos”, adivinhando-se – e desenhando-se já –, por isso, tempos desafiantes. Tempos fáceis construídos pela geração que corresponde aos nossos avós, os “velhos” de agora.

Uma geração que viveu privações, guerras, e pobreza, foi a mesma que nos legou um mundo com substanciais avanços científicos e sociais e melhorias notáveis na qualidade de vida. Os jovens e crianças de hoje têm um mundo de possibilidades e oportunidades que os seus antepassados (não muito longínquos) não tiveram; muitas vezes, à distância de um clique, como se costuma dizer.

Ao mesmo tempo, as camadas mais jovens, que tudo têm e tiveram “de bandeja” – e ainda bem –, parecem evidenciar, paradoxalmente, sinais gritantes de desorientação, insatisfação, falta de sentido e uma expectativa de que tudo lhes é devido, como e quando querem.

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Aqui, não se pretende generalizar nem dramatizar, sendo certo que todas as gerações têm as suas especificidades, e vêm sempre com qualidades e “defeitos” conforme a época em que se inserem. Mas este artigo surge como uma reflexão acerca de uma notícia do Expresso, dando conta de uma crescente infantilização dos jovens no ensino superior – notada (e lamentada) pelos docentes –, e acompanhada de uma hiper-protecção por parte dos pais.

Como alguém que nasceu na década de 1990, e que passou pelo ensino universitário em anos recentes, a minha experiência corrobora este artigo. É visível, nas universidades, remessas de alunos que parecem ter apenas um lema: “exigir, exigir, exigir”. A tolerância à frustração é nula, ou quase inexistente. A mais pequena adversidade serve de motivo para um protesto musculado ou para uma reivindicação. Receber um “não” de um professor, mais do que uma vez, é suficiente para enfurecer os alunos e levá-los a desfazerem-se em queixas aos coordenadores.

Os alunos têm uma enorme dificuldade em manter-se concentrados, em tolerar uma aula mais teórica e expositiva. Alguns, choram se obtém nota menos boa, não obstante o seu esforço não ter merecido uma classificação melhor – e isto, mesmo no meio de um clima de facilitismo, onde os docentes tendem a “puxar” as notas para cima. Os professores têm de ceder às exigências dos jovens, corresponder às suas vontades e caprichos. As matérias, têm de lhes ser todas facultadas conforme acharem melhor, a “papinha” tem de estar toda feita.

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De facto, o que se denota não é um espírito aguerrido ou contestatário dito “saudável”, de alguém que se rebela contra uma injustiça ou luta por causas ajustadas e pertinentes. Não. Aquilo que vemos é mesmo o que vulgarmente se denomina de “meninos mimados”, que fazem birras desproporcionais e creem não ter quaisquer deveres correspondentes aos seus direitos, que não toleram a mais pequena contrariedade ou obstáculo. É natural – é a geração que se habituou a ter tudo antes de sequer precisar de dizer “ai”.

Este paradigma está nos antípodas do experimentado pelos que hoje são idosos. Foi proporcionado por pais que, felizmente, alcançaram maior estabilidade e prosperidade, e quiseram, como é lógico, dar aos seus filhos tanto quanto possível. Não existem culpas a ser apontadas: houve uma confluência de circunstâncias e de mudanças sociais por trás da juventude actual.

Uma juventude com excelentes qualidades, mas que parte com uma certa desvantagem por ter crescido numa bolha de facilidades, fomentando a ilusão de que o mundo gira em seu redor. São também, amiúde, estes jovens que, por falta de sérias preocupações, se indignam, nas redes sociais, com as “causas da moda” – sejam as alterações climáticas provocadas pelo metano das vacas, o flagelo do misgendering (errar-se nos pronomes de alguém), ou a luta incessante contra o patriarcado, sem se aperceberem que, provavelmente, pertencem à geração mais afortunada a pisar a Terra desde que o Mundo é Mundo.

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A este propósito, numa entrevista, uma comentadora canadiana mostrava-se complacente com estes jovens, tão abençoados como atormentados, dizendo que acha mais difícil esta ausência de sentido para a vida do que ter de se enfrentar guerras e fome, como foi o caso dos nossos avós. Se é mais difícil, não sei, mas também estou solidária com todos os jovens “infantilizados”, que cresceram com muito mais facilidades do que dificuldades – um grupo no qual até me incluo, em larga medida.

Mesmo com receio dos tempos potencialmente difíceis ao virar da esquina, e que terão de ser, aliás, enfrentados e resolvidos pelos mais jovens, estou, naturalmente, a torcer por eles; e por todos nós, que somos o futuro.

Maria Afonso Peixoto é jornalista


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