'Verificador de factos' informa regulador de mudança mas mantém ficha técnica desactualizada há meses

Polígrafo: Fernando Esteves é o director editorial? FALSO!

selective focus photography of Pinocchio puppet

por Pedro Almeida Vieira // Novembro 25, 2023


Categoria: Imprensa

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Em caso de ferreiro, espeto de pau. O adágio popular bem se pode aplicar ao Polígrafo, o mais conhecido ‘fact checker’ português, fundado em 2018 para combater as ‘fake news’ e que teve uma função de ‘cão-de-guarda’ do Facebook a partir de 2020 contra conteúdos ‘classificados’ como falsos. Apesar de o jornalista Fernando Esteves, seu mentor, continuar a constar na ficha técnica como director do Polígrafo, a informação no registo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social é outra. A responsável editorial é afinal a jornalista Sara Beatriz Monteiro, mas que não assume. E Fernando Esteves diz ainda, na nota biográfica, ser ‘publisher’ da Media9. Também já não é.


Apareceu há cinco anos, com honras de apresentação no Web Summit, e com nome da máquina que detecta mentiras. Tendo como mentor Fernando Esteves, ex-editor de Política da revista Sábado, o Polígrafo apresentou-se então para ocupar um nicho de ‘verificação de factos’, não propriamente da própria imprensa, mas dos protagonistas políticos.

“A primeira vez que alguém for apanhado no Parlamento com uma declaração falsa, essa pessoa e todas as outras irão pensar duas vezes antes de fazerem outra declaração porque sabem que há um jornal que só existe para verificar aquilo que eles dizem”, prometia então Fernando Esteves numa notícia do Público em Novembro de 2018.

selective focus photography of Pinocchio puppet

O projecto – que germinara sob a aura das fake news do mandato de Donald Trump nos Estados Unidos – teve também como alvo as redes sociais. Fernando Esteves dizia então que “os media tradicionais são influenciados pelas redes sociais, onde encontramos uma coisa e o seu contrário. O Polígrafo nasce para fazer essa triagem, quero que seja uma espécie de Google da verdade.”

Não sendo propriamente um Google, o Polígrafo transformou-se sim, sobretudo com a pandemia a partir de 2020, no ‘cão de guarda’ do Facebook para ‘apanhar’ e penalizar todas as opiniões que fugissem das ópticas governamentais e da Organização Mundial da Saúde. O Facebook é, aliás, um ‘sugar daddy financeiro’ deste verificador de factos, tendo a empresa de Mark Zuckerberg transferido já mais de 1,3 milhões de euros entre 2020 e 2022.

Quanto à verdade prometida pelo Polígrafo, além de o PÁGINA UM ter detectado no início do Verão passado que a empresa do Polígrafo, a Inevitável e Fundamental – que tem como sócio (com 40%) o proprietário da Media9, N’Gunu Tiny –, há agora outro caso surpreendente: apesar de Fernando Esteves se manter na Ficha Técnica como seu director, essa informação que consta no site é falsa.

Fernando Esteves congratulou-se há três semanas, na sua página do Facebook, com os cinco anos do Polígrafo, mas não dá sinais de vida no ‘verificador de factos’ desde Janeiro deste ano.

E mais: na nota biográfica de Fernando Esteves no próprio site do Polígrafo, há outra mentira. Está escrito que “desde Outubro de 2022, acumula a direção do Polígrafo com as funções de Publisher da Media9, a empresa que detém o Jornal Económico e o Novo, bem como as licenças de publicação das revistas Forbes Portugal e Forbes África Lusófona”, mas tal não é verdade.

No mês passado, a função de publisher da Media9 – cargo não reconhecido pela Lei da Impresa nem pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – passou a ser detida desde o mês passado por Filipe Alves, que acumula com a direcção do Jornal Económico.

Com efeito, de acordo com o Portal da Transparência dos Media, regulada pela ERC – e cujo preenchimento é da responsabilidade das empresas que detém os respectivos órgãos de comunicação social –, o Polígrafo tem agora como responsável editorial a jornalista Sara Beatriz Monteiro, que acumula com a direcção do Viral Check, dedicado à análise da veracidade de notícias de saúde. A ficha técnica do Viral Check, hoje consultada pelo PÁGINA UM, está correcta: Sara Beatriz Monteiro surge como directora editoral, surgindo na sua biografia que ocupa essa função desde Setembro de 2022.

Sara Beatriz Monteiro: para a ERC é directora editorial do Viral Check e também do Polígrafo, mas só assume a função do primeiro.

No entanto, apesar de constar no Portal da Transparência dos Media também directora do Polígrafo, esta jornalista – que se formou em Ciências da Comunicação na Universidade do Porto em 2016 – refere apenas que “faz parte da equipa permanente” do verificador de factos que, falsamente, aponta Fernando Esteves ainda como director. E numa consulta aos arquivos da Internet, essa situação já ocorre pelo menos desde Agosto passado.

A falsidade do nome do responsável editorial não é apenas uma formalidade nem um detalhe, mesmo se estamos perante um verificador de factos que assume a Verdade como parte da sua genética.

A Lei de Imprensa concede uma grande relevância ao director de um órgão de comunicação social, concedendo-lhe competências na orientação e determinação dos conteúdos, na designação dos jornalistas com funções de chefia e coordenação, na representação do período (mesmo junto da administração ou gerência) e na presidência do conselho de redacção.

Registo de hoje do Portal da Transparência dos Media relativo à jornalista Sara Beatriz Monteiro

Em todo o caso, além do problema reputacional, esta informação falsa não tem uma sanção relevante: se a ERC quiser aplicar as sanções da Lei da Imprensa, a empresa detentora do Polígrafo fica sujeita a uma multa entre 500 e 2.500 euros.

A saída de Fernando Esteves e a entrada em funções de Sara Beatriz Monteiro teria de ter sempre um parecer do Conselho de Redacção, uma vez que o Polígrafo tem mais do que cinco jornalistas.

Refira-se ainda que o último texto publicado por Fernando Esteves no Polígrafo tem data de 2 de Janeiro deste ano, onde fez o fact checking sobre a informação de que João Galamba avisara José Sócrates em 2014 de estar a ser investigado no âmbito da Operação Marquês.

Nota biográfica de Fernando Esteves no Polígrafo mantém-no como director deste fact checker e também como publisher da Media9. Mentira com direito a ‘pimenta na língua‘?

Na actual ficha técnica do Polígrafo, hoje consultada pelo PÁGINA UM, além do nome de Fernando Esteves constar ainda falsamente como Director, surge ainda Gustavo Sampaio como director-adjunto. E em seguida, mesmo antes da lista de jornalistas da redacção – onde Salomé Leal é identificada como coordenadora e Sara Beatriz Monteiro é o último nome, sem qualquer relevância – está referenciado um denominado “Diretor de Operações”.

Embora esse cargo não seja reconhecido pela Lei da Imprensa, o destaque concedido na ficha técnica evidencia um papel relevante na estrutura funcional da actividade jornalística do Polígrafo. Esta função é ocupada, desde Fevereiro deste ano, por Filipe Pardal, um ex-jornalista que foi, até Março deste ano, chefe de gabinete de Miguel Guimarães, o antigo bastonário da Ordem dos Médicos.


N.D. O PÁGINA UM elaborou este artigo jornalístico com base em factos, consultando os registos do Portal da Transparência dos Media, cujo preenchimento é da responsabilidade da empresa detentora do Polígrafo, sendo que a validação e eventual fiscalização é uma função da Entidade Reguladora para a Comunicação. São factos já confirmados, que podem ou não ser comentados por terceiros. Por legítima opção editorial, o PÁGINA UM decidiu não contactar, desta vez, nenhum responsável editorial do Polígrafo, até porque, em solicitações anteriores para outros artigos, nunca o PÁGINA UM obteve resposta. Neste caso, mesmo que houvesse um comentário, este não alteraria os factos.

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