Com um novo accionista maioritário que mostra mais sinais de desinvestimento do que de investimento, a Global Media anunciou a intenção de despedir até 200 funcionários, o que fará diminuir a sua ‘força de trabalho’ para apenas cerca de 150 trabalhadores, Há cinco anos, a empresa empregava 553 pessoas, ou seja, reduzirá mais de dois terços dos seus quadros em pouco mais de cinco anos. Num cenário de prejuízos acumulados e até de aumento das dívidas ao Estado, o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias também revelam números que os colocam a caminho da extinção. O PÁGINA UM mostra como evoluíram nas últimas três décadas as vendas destes dois centenários títulos da imprensa portuguesa.
As dificuldades de tesouraria, a falta de crédito bancário, a contínua perda de receitas com a quebra de vendas dos principais periódicos, o aumento das taxas de juro e as dívidas ao Estado estão a levar a Global Media cada vez mais próximo da derrocada económica. Nas contas do ano passado, aprovadas há cerca de cinco meses, a consultora PKF & Associados já avisava que “os prejuízos acumulados em exercícios anteriores, bem como o resultado líquido negativo obtido no exercício de 2022, colocam em causa a capacidade da Entidade [Global Media] para continuar a operar, caso os acionistas não tomem as medidas necessárias no sentido de dotar a Empresa dos meios financeiros adequados”.
Daí para cá, apesar da nova entrada de um accionista relevante – o World Opportunity Fund –, não houve propriamente alterações relevantes para além da ‘dança de cadeiras’ na administração da Global Media. O fundo das Bahamas apenas comprou ao Grupo Bel de Marco Galinha a sua quota na Páginas Civilizadas – o accionista maioritário da Global Media –, mas sem qualquer reforço do capital. Ou seja, sem investimento e sem sinais de controlo do passivo, onde se destaca uma dívida de cerca de 10 milhões ao Estado.
Pelo contrário, a situação financeira deteriorou-se com a subida das taxas de juro que previsivelmente ‘sufocará’ as contas do exercício de 2023. No ano passado, as taxas de juro estiveram sempre abaixo dos 2%, e mesmo assim a Global Media teve de suportar encargos de quase 900 mil euros para o serviço da dívida. Em 2023, com os juros acima dos 4%, esse valor poderá ultrapassar os dois milhões de euros, se os empréstimos antigos não tiverem sido contraídos a taxa fixa.
O anúncio de despedimento de até 200 trabalhadores, já anunciado pelo CEO da Global Media, aparenta ser apenas a confirmação da caminhada para o abismo. A concretização deste volume de rescisões tem o simbolismo de transformar a Global Media numa média empresa, porque ficará apenas com cerca de 150 funcionários. Mas mostra sobretudo uma imparável ‘sangria’ da força de trabalho.
Em 2018, antes ainda da entrada do empresário Marco Galinha e do seu Grupo Bel, a Global Media contava com 553 colaboradores, mas no ano passado o relatório e contas já indicava apenas 341. As rescisões previstas podem cortar para menos de metade este último número. E os que restarem são apenas 30% dos que havia em 2018.
A situação financeira da Global Media é crónica desde há vários anos, acumulando prejuízos pelo menos desde 2017. Antes da entrada de Marco Galinha na Global Media, a empresa já apresentava dificuldades de liquidez, sendo necessário recorrer a “alguns bancos” para obtenção de “financiamentos que permitem assegurar o desenvolvimento normal das suas operações”, como se salientava no Relatório e Contas de 2018. As rescisões acompanharam a queda das receitas e também da circulação dos dois principais títulos. Assim, se em 2018 as vendas e serviços prestados ainda atingiram os 40,3 milhões de euros, em 2022 alcançaram apenas os 28,6 milhões de euros.
Ignora-se ainda se a saída das revistas Volta ao Mundo e Evasões da esfera da Global Media terão também algum impacte ao nível do seu número de trabalhadores. Com efeito, a entrada do World Opportunity Fund como sócia maioritária da Páginas Civilizadas – a principal accionista da Global Media –, resultou também num ‘rearranjo’ da propriedade de alguns dos títulos.
As duas revistas de viagens Volta ao Mundo e Evasões passaram, conforme já se confirma no Portal da Transparência dos Media, da posse da Global Media para a Palavras de Prestígio, uma empresa 100% detida por Marco Galinha (através do Grupo Bel) e que detém uma posição muito minoritária (10%) na Páginas Civilizadas. Em todo o caso, aparentemente as revistas continuam a ser produzidas pelos jornalistas e outros colaboradores da Global Media.
Com as novas rescisões, a intenção da administração da Global Media, agora liderada por José Paulo Fafe – indicado pelo fundo das Bahamas – será reduzir drasticamente a folha salarial. No ano passado, os custos com pessoal foram de 13,8 milhões de euros, o que significa a necessidade de um ‘fundo de maneio’ de cerca de um milhão em cada mês só para gastos de pessoal, a que acrescem os subsídios de férias e de Natal de igual montante.
No entanto, reduzir custos salariais e diminuir despesas de serviços externos não parece ser uma solução com resultados extraordinários no passado, sobretudo porque as empresas de comunicação social vivem do ‘capital humano’. Por exemplo, face a 2018, o ano de 2022 teve menos cerca de 9,8 milhões de euros em gastos com pessoal e menos nove milhões de euros em fornecimentos e serviços externos, mas também registou uma queda significativa nas vendas e serviços: passando de 40,3 milhões para 28,6 milhões de euros. Ou seja, melhorou alguma coisa, mas as contas continuam no vermelho.
O desinvestimento em pessoal, com repercussões na qualidade e credibilidade do produto jornalístico, explicará em parte a quebra de circulação dos dois principais órgãos de comunicação social da Global Media: o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias.
Com vendas diárias inferiores a 20 mil exemplares impressos – e apenas cerca de três mil assinaturas digitais, de acordo com os mais recentes dados trimestrais da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT) –, o Jornal de Notícias é hoje uma pálida imagem daquilo que foi até 2012.
Nas últimas décadas, o matutino sedeado no Porto teve a sua ‘época de ouro’ nos anos 90 e primeira década do século XXI. As vendas diárias chegaram a ultrapassar em largos períodos os 100 mil exemplares. Porém, a partir de 2012, as quedas das vendas têm sido imparáveis, apresentando uma tendência que não mostra sinais de inversão.
Ainda em pior estado se encontra hoje o Diário de Notícias, que vende agora menos do que alguns jornais regionais, incluindo o seu congénere da Madeira. Os mais recentes dados trimestrais da APCT, ao período entre Julho e Setembro, indicam vendas de 1.176 exemplares impressos, a que acrescem mais 1.439 assinaturas digirais.
As vendas em papel no início de 2017 ainda estavam acima dos 10 mil, e mesmo assim já se situavam bastante abaixo dos valores do início da segunda década do presente século. Por exemplo, no terceiro trimestre de 2011, quando ainda não existiam assinaturas digitais, o Diário de Notícias ainda vendeu mais de 43 mil exemplares por dia. E longe vai o segundo trimestre do ano 2000, período em que o Diário de Notícias chegou a um ‘pico’ de mais de 80 mil exemplares vendidos por dia.
Recorde-se que entre o Verão de 2018 e Dezembro de 2020, o Diário de Notícias decidiu apostar quase em exclusivo no digital, mantendo apenas uma edição dominical em papel, uma ‘experiência’ que foi desastrosa.