Quem vai ao mar avia-se em terra. E, nessa linha, ainda mais sentido faz se for a própria Marinha, liderada pelo almirante Gouveia e Melo, a aviar-se em terra de produtos essenciais para se ir para o mar: protectores solares.
Já se sabe que o Portal Base é uma ‘caixinha de surpresas’, onde podem surgir as mais estranhas aquisições dos mais variados produtos e serviços. Os protectores solares são apenas mais um produto nessa lista de curiosidades, constando apenas 11 contratos explicitamente registados na última década na plataforma das compras públicas. Mais curioso ainda é que, até agora, só houve três compradores: o município de Oeiras (quatro compras), os Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos dos Municípios de Loures e Odivelas (quatro contratos), e por fim a Marinha (três contratos).
Contudo, o ramo das Forças Armadas – liderado pelo homem que ficou conhecido como coordenador da task force da vacinação contra a covid-19 – destaca-se dos outros, não apenas pelos montantes mais elevados, mas sobretudo pelas idiossincrasias das compras que, recentemente, envolveram uma compra que estava para se fazer após consulta prévia, mas que acabou por ter um concurso público, entretanto rectificado, e que terminou com duas aquisições: uma de 5.640 euros, à empresa Madrigale, e outra de 64.158 euros à empresa Ribcab. Antes desta recente compra, a anterior ocorrera em meados de Dezembro de 2020, mas envolvendo pouco mais de 14 mil euros.
O PÁGINA UM, através dos documentos constantes do Portal Base, não conseguiu perceber as quantidades de protector solar que efectivamente foram compradas pela Marinha, porque nenhum destes contratos foi reduzido a escrito. No caso do contrato com a Madrigale há uma justificação legal, por o contrato ser inferior a 10 mil euros, mas na compra maior (64.158 euros) estamos perante uma ilegalidade. A instituição militar também não se dispõe a responder aos pedidos de esclarecimentos do PÁGINA UM.
Aliás, pela análise dos documentos dos diversos procedimentos, verifica-se que esta compra de protectores solares não foi tarefa fácil, porque em Maio deste ano houve uma recomendação da directora do Departamento de Logística Sanitária da Marinha, a capitão-de-fragata Helena Fernandes para se comprar esses produtos, onde se refere que “para efeitos da consulta prévia sugerem-se as seguintes empresas: Ribcab Unipessoal, Lda.; Perrigo Portugal, Lda.; Laboratórios Dermatológicos da Utiage; [e] Pierre Fabre”.
Porém, a decisão da cúpula da Marinha terá sido de incluir outros produtos e lançar um concurso público. Assim, no passado dia 26 de setembro anunciou-se a abertura de candidaturas para fornecimento de protectores solares, com um preço-base de 64.158 euros, de repelentes, com um preço-base de 13.250 euros, e de bolsas de primeiros socorros, com um preço-base de 6.850 euros.
Esse anúncio seria rectificado no dia seguinte – ignorando-se que aspectos foram alterados –, surgindo no anexo ao caderno de encargos a listagem dos diversos lotes. No caso dos protectores solares, a Marinha queria adquirir 6.000 embalagens de 200 mililitros com factor (FPS) 50+, mais 1.000 embalagens de 50 mililitros e ainda 35 sticks labiais.
Contudo, apesar de o concurso público ter sido concluído – com três candidatos: Epjmédica, Tecniquitek e Madrigale –, a Marinha decidiu apenas fazer um contrato de 5.640 euros, mas ignora-se a que lote (protectores solares, repelentes ou bolsas), porque a Marinha optou por invocar uma norma do Código dos Contratos Públicos para não reduzir o contrato a escrito. Este contrato foi assinado em 24 do mês passado.
Certo é que, sem se conhecer detalhes do concurso, a Marinha acabou por assinar um ajuste directo com a Ribcab na terça-feira passada, no valor de 64.158 euros, e com um prazo de entrega dos protectores solares de apenas cinco dias. No registo do Portal Base justifica-se o ajuste directo com base numa norma do Código dos Contratos Públicos que o autoriza, se num anterior “concurso público todas as propostas ou todas as candidaturas tenham sido excluídas”. Resta saber quais os motivos para a exclusão das candidaturas e se a Ribcab também foi excluída ou se o concurso foi anulado porque não seria a Ribcab a vencedora. E sobretudo também seria necessário perceber a razão pela qual a Marinha justifica a não redução a escrito do contrato invocando a excepção para os casos de aquisições de valor inferior a 10 mil euros quando a compra de protectores solares foi de mais de 64 mil euros. Aliás, sem contrato nem sequer se sabe se as quantidades adquiridas são as mesmas que estavam previstas no caderno de encargos.
Face ao silêncio da Marinha, pelo menos fica-se a saber que os marinheiros, mesmo talvez nos submarinos que o almirante Gouveia e Melo em tempos ‘capitaneou’, não haverá, previsivelmente, ‘escaldões’. Protector solar deverá haver para ‘dar e vender’ como nunca.
O contrato entre a Marinha e Ribcab integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 7 e 10 de Dezembro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
Nos últimos quatro dias, de quinta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 953 contratos públicos, com preços entre os 1,00 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Hospital de Braga, através de ajuste directo – e os 6.487.190,94 euros – para aquisição de energia eléctrica, pelo Metropolitano de Lisboa, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 16 contratos, dos quais 12 por concurso público, dois ao abrigo de acordo-quadro e dois por ajuste directo.
Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 24 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Instituto da Segurança Social (com a Powershield – Segurança Privada, no valor de 971.416,71 euros); oito do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (um com a Roche Farmacêutica, no valor de 650.117,10 euros, outro com a Bausch & Lomb, no valor de 276.992,38 euros, dois com a Sanofi, um no valor de 257.535,60 euros e outro no valor de 212.697,40 euros, outro com a Gilead, no valor de 161.250,00 euros, outro com a Alloga Logifarma, no valor de 129.116,70 euros, outro com a Daiichi Sankyo, no valor de 128.000,00 euros, e outro com a Astellas Farma, no valor de 108.000,00 euros); Unidade Local de Saúde de Matosinhos (com a Astellas Farma, no valor de 445.500,00 euros); Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (com a Bloomberg, no valor de 300.000,00 euros); dois do do Hospital de Braga (um com a Alcon Portugal, no valor de 274.221,74 euros, e outro com a RB Pharma, no valor de 200.588,25 euros); Rádio e Televisão de Portugal (com a Avantools – Serviços e Equipamentos, no valor de 269.204,28 euros); Unidade Local de Saúde do Alto Minho (com a Pfizer, no valor de 261.037,40 euros); Infraestruturas de Portugal (com a Evolaje – Estruturas de Betão e Pré-Fabricados, no valor de 243.301,80 euros); Hospital Garcia de Orta (com a B. Braun Medical, no valor de 235.895,76 euros); Universidade de Coimbra (com a Icnas Pharma, no valor de 202.749,20 euros); Estado-Maior-General das Forças Armadas (com a ViiV HIV Healthcare, no valor de 171.600,00 euros); Hospital Distrital da Figueira da Foz (com a Sanofi, no valor de 156.724,40 euros); Município de Portimão (com a Carlos Manuel Pacheco, Lda., no valor de 110.000,00 euros); Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos dos Municípios de Loures e Odivelas (com a Algeco – Construções Pré-Fabricadas, no valor de 105.015,95 euros); Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (com a Takeda – Farmacêuticos, no valor de 103.000,00 euros); e o Instituto do Emprego e da Formação Profissional (com a Soft2000 – Sociedade Portuguesa de Software, no valor de 100.116,00 euros).
TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 7 a 10 de Dezembro
1 – Aquisição de energia eléctrica
Adjudicante: Metropolitano de Lisboa
Adjudicatário: Acciona Green Energy Developments
Preço contratual: 6.487.190,94 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
Adjudicante: Associação Unitária de Reformados, Pensionistas e Idosos do Casal do Marco
Adjudicatário: NOW XXI – Engenharia & Construções
Preço contratual: 3.695.089,24 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
3 – Empreitada de reabilitação de infraestruturas da AdVT – Fase 5
Adjudicante: Águas do Vale do Tejo
Adjudicatário: Redecor – Revestimentos de Proteção e Decoração
Preço contratual: 2.497.069,99 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
4 – Empreitada de melhoria das condições de segurança da Barragem do Maranhão – Fase 2
Adjudicante: Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Sorraia
Adjudicatário: Extraco, Construccións e Proxectos, S.A.
Preço contratual: 1.955.013,85 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
Adjudicante: Secretaria Regional de Educação, Ciência e Tecnologia
Adjudicatário: Gertal – Companhia Geral de Restaurantes e Alimentação
Preço contratual: 1.680.581,76 euros
Tipo de procedimento: Concurso limitado por prévia qualificação
TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no período de 7 a 10 de Dezembro
1 – Aquisição de serviços de vigilância e segurança
Adjudicante: Instituto da Segurança Social
Adjudicatário: Powershield – Segurança Privada
Preço contratual: 971.416,71 euros
Adjudicante: Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro
Adjudicatário: Roche Farmacêutica
Preço contratual: 650.117,10 euros
3 – Fornecimento de substância activa
Adjudicante: Unidade Local de Saúde de Matosinhos
Adjudicatário: Astellas Farma
Preço contratual: 445.500,00 euros
4 – Prestação de serviços de informação financeira
Adjudicante: Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões
Adjudicatário: Bloomberg
Preço contratual: 300.000,00 euros
Adjudicante: Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro
Adjudicatário: Bausch & Lomb
Preço contratual: 276.992,38 euros
MAP