1.
Pedro Nuno Santos (PNS) venceu, sem surpresa, a corrida a secretário-geral do Partido Socialista. Esta é uma boa notícia para o PSD e para a esquerda em geral. José Luís Carneiro representa a versão Montenegro do PS. É o chamado “não chove, nem molha”, para não utilizar uma metáfora à Bocage.
Noto, desde já, alguma crítica fácil por parte dos analistas de direita residentes na televisão portuguesa. Impetuosidade é a primeira fraqueza apontada a PNS. Falam, criticam o gasto público, enquanto ministro das Infraestruturas, na CP e na TAP. Referem, vezes sem conta, a gaffe da localização do aeroporto de Lisboa. Dizem ainda que tem um discurso infantil e pouco preparado, como por exemplo, aquele do calote aos banqueiros alemães.
Ora, meus amigos, isto para mim são qualidades. Alguém que compreende que a ferrovia e o transporte aéreo são essenciais para o país, está a um passo à frente dos habituais ministros do betão que vivem para o lobby das construtoras.
Pensemos, em contraponto, no comportamento de Montenegro em relação ao novo aeroporto de Lisboa. Se bem se lembram, António Costa exigiu o compromisso do PSD antes de avançar com a comissão técnica que colocaria um ponto final na discussão sobre a localização do aeroporto. Montenegro aceitou. Ao fim de mais um ano de estudos e análises, a dita comissão deliberou que o Montijo seria a melhor solução para um problema que se arrasta há 50 anos. Montenegro, como seria de esperar em qualquer fantoche do capital, ignorou a palavra dada e disse que criaria um novo grupo de trabalho com o intuito de validar o estudo da comissão técnica. Nesse grupo de trabalho estão, como se sabe, apoiantes da solução “Alcochete”.
Por outro lado, a Vinci já se manifestou contra a solução Alcochete, embora Montijo não tenha capacidade para receber voos de longo curso. Visto assim, parece que Montenegro, para além de ter muita dificuldade em honrar a palavra dada, tem ainda mais dificuldade em fugir aos interesses instalados que controlam o Centrão. O interesse nacional e o fim de uma vergonhosa novela com cinco décadas parecem ser detalhes na agenda dos donos do PSD.
Como compreenderão, eu prefiro alguém que tome decisões, como foi o caso de PNS, mesmo durante uma gaffe, do que ter um governante como Montenegro que se limita a proteger os grandes grupos económicos.
Apesar de tudo, a vitória de PNS é uma boa notícia para o PSD porque permitirá a Montenegro ter alguma hipótese nas eleições. Há uma diferença de estilo, de discurso e até de propostas. As diferenças entre os candidatos permitirão ao PSD recolher alguns votos ao centro, por parte daqueles eleitores que acharão o jovem turco um pouco mais radical. Já se o candidato fosse José Luís Carneiro, a escolha seria entre uma versão má e outra menos má de Montenegro.
Os partidos de esquerda mais clássicos como PCP, Bloco e até o Livre, poderão beneficiar desta conjuntura e voltar a entrar no arco de governação e/ou acordo parlamentar. PNS continua a referir-se ao período da Geringonça como uma época de estabilidade no país. E tem razão. Não há nada que venha de bom de uma maioria parlamentar do PS ou do PSD, mas há importantes conquistas sociais que só serão possíveis com PCP e Bloco de Esquerda na negociação do programa do próximo governo.
O meu voto não vai na direção do PS, mas admito alguma esperança quando vejo um secretário-geral socialista com tiques de esquerda. Algo me diz que ainda recordaremos Costa com saudade, mas a sucessão, convenhamos, poderia ter sido pior.
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Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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