José Paulo Fafe ‘refundou’ o semanário Tal & Qual em 2021, mas bastaram-lhe dois anos para deixar a empresa gestora em falência técnica e um passivo de 334 mil euros. Mas também não quis mostrar à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) as contas da empresa Parem as Máquinas, que criou para gerir o semanário, nem elaborou o obrigatório relatório do governo societário. O regulador ainda andou meses a tentar ‘ajudar’ a Parem as Máquinas, mas perante o “manifesto desinteresse no cumprimento das obrigações legais”, a paciência esgotou-se. A ERC deliberou assim abrir um processo de contra-ordenação que, pela elevada gravidade, pode atingir um máximo de 250 mil euros. A comunicação da ERC para a Parem as Máquinas seguiu para o mesmo endereço da Páginas Civilizadas, o accionista maioritário da Global Media, liderada por José Paulo Fafe. Fica tudo em casa.
O actual CEO da Global Media, José Paulo Fafe, não foi homem para deixar apenas a empresa Parem as Máquinas, detentora do semanário Tal & Qual – das quais foi gerente até Maio passado e director, respectivamente –, com dívidas de mais de 334 mil euros e em falência técnica ao fim de dois anos de existência. Deixou-lhe também um ‘legado’: um processo de contra-ordenação por violação reiterada das regras da Lei da Transparência dos Media. A coima a aplicar pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social pode chegar aos 250 mil euros, sendo que a sanção mínima é de 50 mil.
A deliberação do regulador foi hoje divulgada, tendo sido aprovada no passado dia 6, e relata as pacientes diligências na tentativa de levar José Paulo Fafe, então gerente, a enviar os elementos financeiros da empresa do Tal & Qual, ‘refundado’ em 2021, bem como os relatórios do governo societário.
De acordo com a deliberação, a Unidade de Transparência dos Media (UTM) da ERC começou por contactar a Parem as Máquinas no início de Abril deste ano quando foi detectada ausência completa de informação financeira relevante e o relatório do governo societário desde a sua inscrição. E adianta-se, em seguida, que após uma troca de mensagens electrónicas, “a Regulada [ou seja, José Paulo Fafe, que era então o seu representante legal] entrou em contacto com a ERC, por via telefónica”, acrescentando-se que “demonstrou falta de conhecimento e manifesto desinteresse no cumprimento das obrigações legais da transparência dos media”.
Mesmo assim a UTM da ERC prestou-se a colaborar com José Paulo Fafe, enviando-lhe em 23 de Maio “uma minuta de Relatório de Governo Societário para auxílio da entidade [Parem as Máquinas] na respetiva elaboração”. Mas os meses foram passando, e nada.
“À presente data, os serviços da UTM verificaram que a Regulada não tomou qualquer ação para sanar as faltas, de forma completa, nem apresentou qualquer fundamento para essas faltas, mantendo-se em incumprimento relativamente ao reporte dos elementos obrigatórios”, salienta-se na deliberação da ERC, concretizando que se verifica “a falta do reporte legalmente obrigatório dos indicadores financeiros de 2021 e de 2022, nos termos do artigo 5º da Lei da Transparência e do artigo 3º do Regulamento, e encontram-se em falta os elementos indicados no quadro 6 dos Relatórios de Governo Societário relativos aos anos de 2021 e 2022, nos termos do artigo 16º da Lei da Transparência, e, por remissão do nº 2, do artigo 5º, nº 1 a 7, do Regulamento.” E diz ainda que “falta igualmente identificar o Responsável pela Orientação Editorial da Publicação Periódica Tal&Qual e atualizar a estrutura do capital social em conformidade com o Registo Comercial”.
De facto, grande parte da parca informação que actualmente consta no Portal da Transparência dos Media encontra-se errada ou desactualizada, constando no registo sócios que já saíram da empresa há meses, e mesmo José Paulo Fafe surge ainda como gerente da Parem as Máquinas, apesar de já ter renunciado e deixado mesmo de ser sócio desde Outubro. Aliás, neste momento, nos registos da ERC nem sequer aparece qualquer responsável editorial do Tal & Qual, apesar de na ficha técnica deste semanário surgir o nome de Jorge Lemos Peixoto.
Nessa medida, não restou outra alternativa à ERC, agora liderada por Helena Sousa, do que instaurar um processo de contra-ordenação, que será agora conduzido pela Unidade de Contraordenações para a fixação da coima por uma mais que evidente violação da Lei da Transparência dos Media. Como a falta, ainda mais reiterada, e nem sequer por negligência, é considerada “muito grave”, a coima mínima prevista é de 50 mil euros, podem ir até aos 250 mil euros. A fixação da sanção dependerá também do preenchimento ou não dos elementos em falta, que são de preenchimento fácil se a Parem as Máquinas estiver para aí virada.
Saliente-se que, apesar da formalização da sua saída da empresa Parem as Máquinas (e do Tal&Qual) em finais de Maio, e a sua subsequente entrada em Junho na gerência da Páginas Civilizadas (dominada pelo fundo das Bahamas), José Paulo Fafe nunca se desligou da realidade do Tal & Qual. Na verdade, apesar de ser gerida pela Parem as Máquinas, o título deste semanário está registado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) como pertencente à Global Media. E além disso, actualmente a Páginas Civilizadas compartilha a mesma sede, no Tagus Park, da Parem as Máquinas e do semanário Tal&Qual. Ou seja, ‘tudo em casa’.
Recorde-se que José Paulo Fafe deixou o semanário Tal & Qual e a Parem as Máquinas para assumir recentemente o cargo de presidente executivo da Global Media por indicação de um fundo sedeado nas Bahamas (World Opportunity Fund), que possui indirectamente a maioria do capital social do grupo que detém, entre outros, o Diário do Notícias, o Jornal de Notícias, O Jogo, o Dinheiro Vivo e a TSF, além de uma participação relevante na Lusa.
Embora se conheça já o beneficiário efectivo do fundo bahamiano – o especulador financeiro globetrotter francês Clement Ducasse –, revelado em primeira mão pelo PÁGINA UM, a ERC tem estado a exigir à Global Media a identificação de pessoas ou entidades que tenham suficientes participações no World Opportunity Fund que impliquem direitos superiores a 5% naquele grupo de media. Na semana passada, José Paulo Fafe considerou, em entrevista ao Eco, ser “uma coisa de doidos”, a ERC exigir à Global Media “a identificação dos detentores de unidades de participação” do World Opportunity Fund, admitindo que nem ele sabe quantos depositantes tem. O azar de Fafe é que, apreciando ou não a transparência nos investimentos nos media, a lei lhe exige saber e indicar quem tem mais de 5% dos direitos de voto.