A semana ainda só vai a meio, e já fomos brindados com várias “notícias” feitas à medida para servirem de armas de arremesso político. Algumas, a roçar a propaganda: fiéis à habitual fórmula das meias-verdades desprovidas do devido contexto ou de qualquer contraditório. Assim, encaixam como uma luva nos amplos consensos que, para quem se senta no poder, dá jeito que continuem a ser difundidos e alimentados.
Refiro-me, por exemplo, ao estudo que retratou Portugal como um país de reduzidos impostos (comparando com a União Europeia), e tentou colar àqueles que clamam pela redução da carga fiscal uma imagem de egoístas que não querem mesmo é contribuir, de maneira nenhuma, para a sociedade.
Na introdução do estudo, somos esclarecidos sobre o seu intento: não é “um estudo aprofundado sobre a fiscalidade em Portugal. A tributação de um país é um tema demasiado vasto e complexo, que requer investigações focadas e detalhadas a respeito de cada (tipo de) imposto. Aqui pretende-se fazer uma primeira análise de alguns aspetos importantes, com o objetivo de contribuir para o debate público e político sobre impostos em Portugal.”
Portanto, não é, assumidamente, um trabalho exaustivo; nem poderia ser, atendendo à sua dimensão de apenas 30 páginas. Mas é um facto que contribuiu para o “debate”. Neste caso, serviu para ‘ilibar’ os últimos Governos socialistas da sangria fiscal a que nos têm sujeitado.
O autor do estudo, Alexandre Mergulhão, assume-se como conselheiro económico especialista em Orçamento e Finanças Públicas no Ministério das Finanças desde 2017, acabado de sair do mestrado, embora não conste na lista de nomeados por Medina. Um prodígio, portanto. Não surpreende, por isso, que este seu position paper intitulado A Fiscalidade em Portugal tenha sido promovido (“encomendado” também se adequa) pela Causa Pública, uma associação “dedicada à produção de proposta de políticas públicas na área do centro-esquerda”.
Aquilo que talvez fosse menos provável, num país decente, é o facto de a associação ter o antigo governante socialista Paulo Pedroso (desfiliado do PS desde 2020) como presidente da direcção. Em todo o caso, podemos, com certeza, ficar descansados quanto à isenção do dito estudo, certamente livre de motivações políticas.
Outra notícia bastante politizada – tanto que foi logo aproveitada para vários artigos de opinião – dava conta do lucro de mais de 1.600 milhões de euros que os estrangeiros deram à Segurança Social em 2022, com base num relatório do Observatório das Migrações. Perfeita para sustentar a política imigratória de “portas escancaradas” seguida pelo Governo ainda em funções.
Houve quem se apressasse a dizer que este saldo positivo de 1.600 milhões – que resulta da diferença entre o valor das contribuições, que foi de 1.861 milhões, e as prestações sociais recebidas, de “apenas” 257 milhões – era a prova de que os imigrantes não procuram o nosso país com o objectivo de beneficiar dos apoios sociais. Estou de acordo. Quase todos, acredito, vêem em busca de melhores condições de vida.
No entanto, o peso das contribuições dos estrangeiros para a Segurança Social, e os “recordes” de que se falam, são apenas uma consequência directa e natural de vários factores que todos conhecemos. Ou seja, é um reflexo de uma comunidade estrangeira que continua a crescer a um ritmo acelerado, composta sobretudo por pessoas em idade activa – incluindo muitos homens solteiros. De facto, apesar de o relatório contabilizar 750 mil estrangeiros, há notícias que apontam para 800 mil.
Assim, falamos de 8% da população, com a esmagadora maioria no mercado laboral. Não será de espantar que a sua fatia de descontos para a Segurança Social seja significativa. Além disso, para explicar o saldo ‘astronómico’, há que ter também em conta outras variáveis, como a subida dos salários – tanto o mínimo como o médio – e o aumento das pessoas empregadas nos últimos anos.
Saliente-se ainda que, por cada trabalhador, cerca de 34% da remuneração vai para este fundo social. Num salário bruto de 1.500, por exemplo, estamos a falar de 510 euros por mês. Não é coisa pouca.
Portanto, é evidente que ninguém mente se disser que “sem os imigrantes, alguns sectores económicos entrariam em colapso”. Afinal, estamos a falar de quase 10% da população. Mas afirmá-lo não serve, por si só, de argumento para coisa nenhuma; é a simples constatação de um facto observável. É a realidade actual, é certo; mas não é uma realidade imutável nem irreversível.
Enfim, está a ser uma semana produtiva para alguns órgãos de comunicação social, sempre prontos a dar destaque a notícias que sedimentam as narrativas oficiais. O poder político agradece.
Maria Afonso Peixoto é jornalista
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