Por vezes, em serviços de limpezas, há contratos públicos. E bem chorudos. No Portal Base, consta um contrato da Guarda Nacional Republicana para serviços de limpezas no valor de 8.088.304,46 euros, que com IVA atinge quase os 11 milhões de euros. Assinado em Abril de 2021, foi ganho pela empresa Fine Facility Services, para limpar as cerca de meio milhar de instalações daquela força militarizada, por um período de 18 meses.
Não foi apenas esse lote que a Fine Facility Services venceu. Neste concurso público foram a jogo mais sete lotes, incluindo serviços de limpeza da Polícia de Segurança Pública, da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil e do então Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. E tão apetecível era este concurso que 21 empresas de limpezas se mostraram interessadas, embora a Fine Facility Services tenha arrecadado seis dos oito lotes, sendo que os restantes (com montantes a rondar os 500 mil euros) foram ganhos pela KGS Services e pela Interessantequação. Até aqui tudo bem, como devia ser com dinheiros públicos: concurso aberto; que ganhe o melhor e com a melhor proposta.
Terá ajudado à vitória da Fine Facility Services, no caso da GNR, a existência de uma relação anterior, por ajuste directo. Aliás, no trimestre anterior à entrada em vigor do contrato resultante do concurso público, a empresa de limpeza ‘sacara’ um ajuste directo por três meses no valor de 1,5 milhões de euros.
Apesar deste forte sinal de concorrência – patente em 21 empresas concorrentes –, a GNR acabou por deixar passar os 18 meses, tendo o contrato com a Fine Facility Services expirado em finais de Setembro do ano passado. Acertos feitos, porque o preço acaba também por ser em função das horas de trabalho, a empresa de limpezas recebeu por esse contrato, resultante de concurso público, um total de cerca de 8,1 milhões de euros.
Mas as ligações negociais entre a GNR e a Fine Facility Services mantiveram-se após essa data mas com todas as facilidades e arredando concorrência, burocracias e papeladas.
Com efeito, de acordo com um levantamento do PÁGINA UM, desde o quarto trimestre de 2022 – portanto, em pouco mais de um ano –, o Comando-Geral da GNR celebrou oito ajustes directos com a Fine Facility Services cuja soma já ultrapassa os 11 milhões de euros, alcançando os 13,6 milhões de euros caso se inclua o IVA.
Todos estes contratos têm em comum uma gritante falta de transparência, senão pior. O primeiro destes contratos por ajuste directo foi assinado em 21 de Outubro de 2022, com um prazo de execução de 92 dias, tendo ficado estipulado um montante de 1.513.128,89 euros. Como o contrato teve efeitos retroactivos ao início do mês de Outubro, deveria finalizar no último dia desse ano. Mas o contrato foi encerrado antecipadamente no meio do mês de Dezembro, com o pagamento praticamente integral do preço contratual, e a GNR decidiu celebrar novo ajuste directo apenas por 15 dias.
Mas o contrato para a limpeza das instalações da GNR durante a segunda quinzena de Dezembro, no valor de 320.380,87 euros somente foi celebrado no último dia útil do ano de 2022, sexta-feira, dia 30. E diz-se celebrado, e não assinado, porque não houve sequer contrato escrito. E nem sequer se consegue compreender a razão deste contrato quinzenal, uma vez que o ajuste directo com duração de três meses já apresentava um valor médio mensal superior ao do contrato de 18 meses derivado do concurso público (500 mil euros vs. 450 mil euros).
Em todo o caso, as contas do ajuste directo para a segunda quinzena de Dezembro de 2022 só foram concluídas em Maio deste ano, sabendo-se que a GNR pagou então quase 220 mil euros por limpezas neste curto período. Curiosamente, sobre este contrato, surge no Portal Base a referência a ter deixado de “existir situações de incumprimento ou quaisquer valores em falta por parte da prestadora de serviços”.
Depois deste ajuste directo, a GNR tomou o gosto aos ajustes directos com a Fine Facility Services ao longo do ano de 2023, e sempre invocando a norma da “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”, que só se justificariam se os acontecimentos imprevisíveis fosse a sujidade das centenas de postos da GNR no país. O mesmo argumento da “urgência imperiosa” serviu, aliás, para que o Comando-Geral da GNR deixasse de se preocupar com papeladas de contratos. Com efeito, dos seis contratos celebrados em 2023 não há um sequer que tenha contrato escrito, mesmo se fosse simples copiar os anteriores, uma vez que, presume-se, o tipo de limpeza e os postos a limpar ter-se-ão mantido. Ou não. Nada se sabe.
Apenas se sabe que os valores e a duração destes seis contratos de 2023 não seguem qualquer lógica, o que permite colocar o capricho como hipótese académica. Também as diferenças entre o preço contratual e o valor efectivamente pago não encontram uma lógica perceptível.
Assim, a meio de Janeiro deste ano celebrou-se um ajuste no valor de um pouco mais de 345 mil euros com uma duração de 21 dias. Acabou por se pagar um pouco mais de 252 mil euros. Depois deste, saiu um novo ajuste de montante mais avantajado, com início a 1 de Fevereiro, que se terá sobreposto ao ajuste directo anterior. Assim, por um pouco mais de dois milhões de euros, a Fine Facility Services ‘sacou’ de mão-beijada, sem os engulhos da concorrência, novo contrato por mais 122 dias. Porquê 122 dias? Não se sabe.
Sabe-se apenas que, terminando este ajuste em 3 de Junho, a Fine Facility Services teve direito a mais outro ajuste directo sem contrato. Tudo na base da confiança. E assim, ainda antes de ter terminado o outro ajuste directo, integralmente pago, a GNR fez novo ajuste directo em 31 de Maio, desta vez com a duração de 153 dias. Pode-se dizer que o facto de existirem dois contratos em vigor para o mesmo serviço por três dias é um pormenor. Será assim, de facto, para contratos de milhões, mas sempre se pode adiantar que cada dia de limpeza das instalações da GNR custa ao erário público quase 17 mil euros.
Certo é que o contrato de 153 dias, celebrado pela GNR e a Fine Facility Services – e mais uma vez sem contrato escrito – terminou em 30 de Outubro e custou aos cofres do Estado mais 2.580.822,95 euros, atingindo quase 3,2 milhões de euros com IVA.
Depois de dois contratos de mão-beijada superiores a dois milhões de euros, o Comando da GNR terá decidido ser mais comedido, e fez mais outro, sem ser escrito, por um pouco mais de 513 mil euros. Também aqui houve um período de três dias em que terá havido dois contratos em vigor – ou seja, em que a GNR pagou a dobrar –, porque a data de celebração foi o dia 27 de Outubro. Grão a grão se desbarata. E se ganha. Este contrato teve duração de 30 dias, o que significaria que deveria terminar a 25 de Novembro.
Mas, talvez por motivos de acerto de contas, houve quase uma semana em que, desta vez, terá havido limpezas sem contrato, porque a GNR e a Fine Facility Services somente celebraram mais um novo ajuste directo no dia 1 de Dezembro. E, neste caso, por apenas 16 dias, pelo valor de 267.233,33 euros.
Por fim, como certamente era uma canseira para o Comando-Geral da GNR, mesmo sem ter de se assinar contratos, celebrar ajustes directos de 15 dias, 21 dias, 30 dias, 122 dias e 155 dias, no passado dia 15 decidiu-se que melhor seria conceder mais um ajuste directo à empresa do costume por 197 dias, basicamente por seis meses e meio. Custo deste ajuste: 3.695.493,21 euros, ou seja, mais de 4,5 milhões de euros. Sem contrato escrito porque os supostos motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis terão implicado a necessidade de “dar imediata execução ao contrato”, conforme está registado no Portal Base.
Uma vez até se acredita, por boa-fé, mas isto repetido oito vezes ao longo de menos de um ano, já necessita de outros esclarecimentos. Mas o departamento de comunicação da GNR, contactado pelo PÁGINA UM, comunicou por telefone que somente para a semana seria possível responder.
O mais recente contrato por ajuste directo entre a GNR e a Fine Facility Services integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no dia 15 de Dezembro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
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Ontem, dia 27 de Dezembro, no Portal Base foram divulgados 1425 contratos públicos, com preços entre os 3,24 euros – para aquisição de fusíveis, pela Unidade Local de Saúde do Alto Minho, através de consulta prévia – e os 11.895.000,00 euros – para empreitada de construção da 2ª fase da Variante à cidade da Horta, pela Direcção Regional das Obras Públicas e Transportes Terrestres, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 21 contratos, dos quais nove por concurso público, oito ao abrigo de acordo-quadro e quatro por ajuste directo.
Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 29 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Guarda Nacional Republicana (com a Fine Facility Services, no valor de 3.695.493,21 euros); Centro Social da Freguesia de Famalicão (com a Escalas e Espaços – Construções, no valor de 3.225.389,88 euros); Infraestruturas de Portugal (com a IP Telecom – Serviços de Telecomunicações, no valor de 1.888.092,60 euros); três do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (um com a Sandoz, no valor de 511.210,00 euros, outro com a Jazz Pharmaceuticals France, no valor de 183.920,00 euros, e outro com a Baxter – Medico Farmacêutica, no valor de 115.842,60 euros); três da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (um com a Janssen Cilag, no valor de 440.395,20 euros, outro com a Pharmakern Portugal, no valor de 137.046,00 euros, e outro com a Sanofi, no valor de 104.753,52 euros); Município de Mafra (com a Primavera Business Software Solutions, no valor de 374.019,65 euros); três da Polícia Judiciária (um com a Carl Zeiss Iberia, no valor de 270.199,20 euros, outro com a Soquímica, Lda., no valor de 252.292,79 euros, e outro com a Micotec – Electrónica, no valor de 106.625,00 euros); Estado Maior da Força Aérea (com a OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, no valor de 211.735,00 euros); três da Universidade do Porto (um com a Elsevier, B.V., no valor de 209.406,21 euros, outro com a Strateq Master, Lda., no valor de 125.500,65 euros, e outro com a Servilimpe – Limpezas Técnicas Mecanizadas, no valor de 123.287,27 euros); quatro do Hospital de Braga (um com a Medtronic Portugal, no valor de 201.565,82 euros, outro com a B. Braun Medical, no valor de 156.863,11 euros, outro com a Alcon Portugal, Lda., no valor de 155.316,99 euros, e outro com a Johnson & Johnson, no valor de 134.155,44 euros); Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (com a Cepheid Iberia, no valor de 145.000,00 euros); Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (com a Thermo Fisher Scientific, no valor de 129.228,93 euros); Fagar – Faro, Gestão de Águas e Resíduos (com a AQUASIS – Sistemas de Informação, no valor de 124.963,00 euros); Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus+ Educação e Formação (com a Alfredo Real Estate Analytics – Serviços de Informação, no valor de 121.000,00 euros); Teatro Circo de Braga (com a Bildung – Sociedade Unipessoal, no valor de 120.000,00 euros); Autoridade Nacional de Comunicações (com a Hewlett-Packard Portugal, no valor de 110.963,84 euros); Município de Vila Nova de Gaia (com o ISPUP – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, no valor de 104.000,00 euros); e o Hospital de Vila Franca de Xira (com a Hologic Iberica S.L., no valor de 100.966,00 euros).
TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 27 de Dezembro
1 – Empreitada de “Construção da 2ª fase da Variante à cidade da Horta, na Ilha do Faial”
Adjudicante: Direcção Regional das Obras Públicas e Transportes Terrestres
Adjudicatário: AFAVIAS – Engenharia e Construções Açores; Marques, S.A.; Tecnovia Açores – Sociedade de Empreitadas
Preço contratual: 11.895.000,00 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
2 – Aquisição de serviços de manutenção global dos navios da frota da Soflusa
Adjudicante: Soflusa – Sociedade Fluvial de Transportes
Adjudicatário: NAVALTAGUS – Reparação e Construção Naval; S&C – Gestão de Navios e Tripulações
Preço contratual: 7.498.000,00 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
Adjudicante: Guarda Nacional Republicana
Adjudicatário: Fine Facility Services
Preço contratual: 3.695.493,21 euros
Tipo de procedimento: Ajuste directo
4 – Empreitada de construção de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas
Adjudicante: Centro Social da Freguesia de Famalicão
Adjudicatário: Escalas e Espaços – Construções
Preço contratual: 3.225.389,88 euros
Tipo de procedimento: Ajuste directo
5 – Subscrição de licenças de software Microsoft e serviços de suporte para as empresas do Grupo AdP
Adjudicante: EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres
Adjudicatário: Inetum España
Preço contratual: 2.728.551,93 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 27 de Dezembro
Adjudicante: Guarda Nacional Republicana
Adjudicatário: Fine Facility Services
Preço contratual: 3.695.493,21 euros
2 – Empreitada de construção de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas
Adjudicante: Centro Social da Freguesia de Famalicão
Adjudicatário: Escalas e Espaços – Construções
Preço contratual: 3.225.389,88 euros
3 – Aquisição de serviços de tecnologias de informação incluindo rede de dados
Adjudicante: Infraestruturas de Portugal
Adjudicatário: IP Telecom – Serviços de Telecomunicações
Preço contratual: 1.888.092,60 euros
Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Santo António
Adjudicatário: Sandoz
Preço contratual: 511.210,00 euros
Adjudicante: Unidade Local de Saúde do Alto Minho
Adjudicatário: Janssen Cilag
Preço contratual: 440.395,20 euros
MAP