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Portugal não é um país normal

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por Maria Afonso Peixoto // Dezembro 28, 2023


Categoria: Opinião

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Esta é, por excelência, a altura de fazer os habituais balanços e traçar metas para o ano seguinte. Se fizermos esse exercício, enquanto país, provavelmente concluiremos que 2023 foi negro, em todas as dimensões. A menos, claro está, que partilhemos da opinião da redactora principal do Público, Bárbara Reis, para quem “Portugal é um país normal”, e os ‘rumores’ de que as coisas não estão nada famosas, mais não são do que mentiras para ganhos políticos. Curiosamente, ou por ironia, no encadeamento deste texto da antiga directora do Público surge a ligação para uma notícia do mesmo jornal, deste mês, revelando que o “preço das casas duplicou desde o início da governação de Costa” e “as rendas aumentaram em 56% desde 2017”.

Enfim, adeptos da mediocridade, e acomodados com a miséria, sempre os haverá. Neste caso, compreende-se, pois o jornal que emprega Bárbara Reis também aparenta ser “normal”; se o “normal”, singelo até, é seguir o optimismo de quem está no poder.

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Seja como for, não é aos concidadãos acomodados e confortáveis que me dirijo aqui, porquanto, quero acreditar, os leitores do PÁGINA UM, como sabemos, não se contentam com o “normal”.

Dirijo-me sim àqueles que sonham com um Portugal melhor, e aproveito o elã tão característico desta época para recomendar um livro que considero ser de leitura obrigatória: As causas do atraso português, do economista e professor catedrático Nuno Palma, da Universidade de Manchester. Em resumo, a obra tenta explicar as raízes históricas da nossa divergência económica face aos países mais ricos da Europa Ocidental.

Para que consigamos inverter esta acelerada marcha de empobrecimento, é vital procurar entender, primeiro, os motivos da nossa desgraça. O porquê de estarmos como estamos; um diagnóstico acertado. E a meu ver, tal só será possível se deixarmos os clubismos de lado (ou clubites, nos casos mais agudos), e os dogmas cristalizados (alguns com mais de um século).

E esta é uma das razões por que destaco o livro: tanto quanto humanamente possível, trata-se de uma análise objectiva e bem suportada cientificamente. Ouvir o autor falar em entrevistas confirma a minha tese: critica com igual facilidade tanto as típicas propostas de esquerda como de direita (liberais incluídos); muitas delas “míopes”, embora por motivos diferentes.

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De facto, dificilmente os acólitos das várias ‘seitas’ políticas (vulgo partidos) conseguirão metê-lo numa ‘caixinha’ – esta liberdade de pensamento é, quanto a mim, uma fantástica qualidade.

Poderá dizer-se que é uma obra polémica, porque desfaz muitos ‘mitos’. Aconselha-se, por isso, uma leitura livre de preconceitos, e uma abertura para questionar até algumas “verdades” ouvidas repetidamente ao longo da vida. Não é tarefa fácil, mas diria que vale a pena o esforço.

Prevendo-se um 2024 com desafios acrescidos, é urgente repensarmos ideias e fórmulas datadas, anacrónicas e mais do que experimentadas que, já vimos, não resultam.

Como se diz por aí, loucura é repetir as mesmas acções, à espera de resultados diferentes. Há que abandonar esta insistência esquizofrénica nas mesmas práticas, na esperança de que algo mude.

Assim, para levantar um pouco o véu, destaco aqui algumas ideias, que talvez surpreendam alguns, avançadas neste As causas do atraso português.

–  É preciso recuar muito para se entender as origens do “atraso português”, havendo já, no século XIX, personalidades como Antero de Quental que tentavam apurar as causas do ‘fenómeno’. E, de facto, é uma questão antiga: foi logo a partir do século XVII que Portugal começou a divergir da Europa Ocidental.

– Cada novo regime procura sempre desresponsabilizar-se dos resultados das suas más políticas, remetendo as culpas para os antecessores. Tal como António Costa agita o fantasma do “Passos Coelho”, e como a democracia culpa o Estado Novo, Salazar fazia o mesmo com a República, e por aí fora. Acredita quem quer…

– De diversas formas, a escravatura não teve um efeito benéfico para o país, tendo até sido perniciosa, assim como foi a descoberta do ouro no Brasil. A este respeito, Nuno Palma fala numa “Maldição dos Recursos”.

– A cultura portuguesa e o catolicismo “entranhado”, ao contrário do que muitas vezes se diz, não parecem factores revelantes para explicar o nosso crónico atraso; nem sequer a nossa localização “periférica”.

– E last but not the least: os fundos europeus são, em grande medida, prejudiciais ao desenvolvimento do país.

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Nuno Palma é pessimista: na sua óptica, caminhamos a passos largos para nos tornarmos no país mais pobre da Europa – da Europa Ocidental já somos – e pouco há a fazer quanto a isso, de tão acomodados que estamos. Poderia dizer-se que “estamos como a Bárbara Reis”. Vemos a Saúde, a Economia, a Educação e a Justiça em farrapos, com margem para piorar… e achamos “normal”.

Sendo eu mais optimista, talvez por ser mais jovem, não deixo de sofrer de um medo aterrador que o vaticinado pelo economista se concretize; por isso, e porque não me conformo com esta podre ‘normalidade’, não poderia recomendar de forma mais veemente As causas do atraso português, ou a escuta das entrevistas dadas pelo autor. Não para que 2024 seja o ano em que finalmente saímos desta ‘cloaca’ (já estamos um bocado em cima da hora) mas para que comecemos desde já a trabalhar nesse sentido.

Maria Afonso Peixoto é jornalista


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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