DA VARANDA DA LUZ

Famalicão 3.0

por Pedro Almeida Vieira // Dezembro 29, 2023


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Tenho um carinho especial pelo Famalicão, benfiquista me confesso. E já agora também confesso ser um adepto (secundário) do Leixões – não me perguntem a razão, não tenho dali quaisquer raízes, mas vem de infância, talvez porque a equipa de futebol tinha um tipo que dava cambalhotas quando marcava golos (o Folha), além de um guarda-redes chamado Tibi, e ainda um médio habilidoso chamado Frasco. Talvez também por os chamarem de ‘bebés de Matosinhos’, se bem que os fervorosos adeptos no Estádio do Mar fossem mais conhecidos por cascar até em árbitros. Além disso, o emblema é estranho, por meter uma raquete de ténis, um pau de críquete e uma bola que mais parece de basquetebol, embora o clube seja mais famoso no voleibol, com vários títulos de campeão.

Enfim, mas se o carinho pelo Leixões e por Matosinhos vem da infância e não é explicável, já o do Famalicão vem também da infância e é explicável, embora nada tenha a ver com futebol e com Vila Nova de Famalicão, de onde vêm os jogadores que agora mesmo começaram a pelejar com o Benfica, esperando eu que levem o mesmo número de golos que o número do ticket do meu farnel: 14.

(por agora, 11 minutos, duas ameaças para marcar, mas ainda faltam 14 golos… o melhor é dar uma trinca na baguete de panado de aves com alface)

Portanto, vamos à explicação sobre a minha infância e Famalicão. Como não há apenas uma Maria na Terra, também não há somente um Famalicão (ou uma…. ou será ‘ume’?) em Portugal, e dessa sorte a ‘minha’ Famalicão, ali no concelho de Anadia, é terra que viu os meus pais conhecerem-se nos idos de 50 (século passado, claro) – e tenho a impressão de que isso me foi favorável – e também onde se localiza(va) a escola primária onde estive três anos, não sendo preciso o quarto (‘gaba-te cesto’ por teres feito a primeira e segunda classe em apenas um ano).

Assim sendo, aqui fica a minha homenagem a Famalicão (de Anadia), e à sua escola que me viu começar a contar e a escrever (não foi bem assim, porque, ‘gaba-te cesto’ outra vez, já lia legendas da TV e contava pelos dedos antes da ida para a primária).

(goloooooooooo… Arthur Cabral, já com veia goleadora… o que faz um dedo do meio)

Continuemos depois deste introito do primeiro do Benfica contra este Famalicão que não me interessa nada, excepto quando joga contra o Sporting, o Porto e o Braga. Aí sou adepto ‘deste’ Famalicão desde pequenino.

Escola primária de Famalicão, no concelho de Anadia.

Já que estamos aqui numa de recordar a infância, e para isto ter a ver com bola, e sobretudo, com o Benfica, informo também que ‘este’ (ou ‘esta’ ou… espera… como uso, neste caso pronome demonstrativo inclusivo?) Famalicão ficava paredes-meias com a Malaposta, aldeia atravessada pela famosa Estrada Nacional, então percorrida (antes da auto-estrada) por todos aqueles que queriam ir para o Norte (e para o Sul, claro), entre os quais os jogadores do Benfica, que, nos tempos da minha infância, tinham como habitual poiso para almoço (os jogos eram quase sempre ao domingo à tarde, todos à mesma hora) o restaurante Pompeu do Frangos, famoso pelos churrascos em terras de leitão à Bairrada. Acredito que por recomendação de um senhor de seu nome António José Conceição Oliveira, Toni para os amigos (e todos os demais, onde me incluo), nado e criado em Mogofores, a menos de 500 metros onde morei até aos 10 anos.

(entretanto, sem glória, e desesperançado dos 14 a zero, e vejam como já nem almejo o mítico 15 a zero, acaba a primeira parte; menos mal, estamos a ganhar)

Adiantada que vai a crónica, fui gastar os 15 minutos de intervalo a contornar as filas para a casa de banho e para os comes-e-bebes, até dar um abraço ao nosso colunista Tiago Franco, que das terras suecas (e de Santa Maria, de quando em vez), aqui está pela Grande Lisboa, e não perde oportunidade para se exasperar ao vivo e in loco com as opções do Robert Schmidt, enquanto zurze na ‘tosquicidade’ do João Mário e de mais uns quantos…

Aspecto de um bom arroz de molho pardo.

(e a segunda parte avança enquanto escrevo, e tirando um ‘tiro ao boneco’, leia-se ao guarda-redes, do Arthur Cabral, que devia ter feito melhor, o melhor que se viram foram as defesa do Trubin, por sinal guarda-redes benfiquista, que contribui para que do 14 a zero desejado, pelo menos que no zero à direita se acerte)

Como bons benfiquistas, este um a zero não nos satisfaz nada. ‘Parece que estão todos de férias como o Di Maria na Argentina’, digo-lhe, enquanto lhe peço dois ‘linguados’ (gíria jornalística) para compor esta crónica para ficar com maior sapiência na arte do bitate futebolês.

Escreve-me ele, na bancada Emirates, de esguelha, por ser o sector 4, que “durante toda a semana a discussão centrou-se no casamento da irmã de Di Maria”, que eu ignorava, avisando que “se déssemos tamanha atenção ao nosso próprio matrimónio, a taxa de divórcios no país cairia a pique”. E remata dizendo que agora percebe afinal, “aqui no estádio, qual era o real problema da ausência do astro argentino” nesse do jogo contra o Famalicão.

Tiago Franco, comigo numa selfie, em pleno intervalo, sempre pouco satisfeito com as exibições do Benfica.

E concretiza: “A julgar pela amostra dos primeiros 45 minutos”, opina ainda o Tiago, “o Di Maria seria provavelmente o único com disponibilidade para jogar”, pois “em campo estão nove rapazes a passar um serão entre amigos, Trubin a defender os poucos ataques do Famalicão, e anda ali o João Neves a jogar sozinho outra partida, a uma velocidade totalmente diferente”.

Como a escrever sobre Famalicão, Malaposta, Mogofores e o Pompeu dos Frangos (onde há uns anos lá comi um arroz de molho pardo, que é como se chama ao arroz de cabidela, de se chorar por mais…), quase não vi a primeira parte, vou aproveitar todos os comentários do Tiago. Ainda me diz que o seu homónimo, o jovem Tiago Gouveia, “está a desperdiçar esta oportunidade, enquanto o Rafa, para lá dos arranques, falha em tudo o resto”.

Quanto ao Arthur Cabral, afiança-me o Tiago que ele “consegue tropeçar mais na bola do que correr com ela”, e sobre o João Mário, ó surpresa?, digo eu, não é mais meigo: “continua a passar para trás com uma elegância sublime”. Na defensiva, diz ainda que o “Morato, a quem ninguém passa a bola, não tem culpa porque, como diz o meu colega de bancada, ‘ele não sabe mais’”.

Deu para o farnel, mas não deu para o desejado 14 a zero.

(eu confesso que, enquanto escrevo as crónicas não tenho muito tempo para perceber estes detalhes, além de que não detenho o sarcasmo futebolístico do Tiago em falar mal de quem se ama)

Enfim, bela análise, Tiago. Depois disto, vou mesmo tentar ver como consigo que venhas para a bancada de imprensa, para esta Varanda da Luz, fazer análises futebolísticas com direito ao competente farnel (a maçã hoje está um pouco ‘farinácea’ ao contrário do habitual). Talvez envie um e-mail à Presidência da República, e, se não der a cunha, vou então falar directamente com o Lacerda Sales, ou com outro qualquer que prove que Marcelo Rebelo de Sousa é imune a cunhas, venham elas do Doutor Nuno ou de outro qualquer mafarrico.

(goloooooooo! Rafa com um remate de belíssimo efeito… Vá, Tiago, diz mal agora do nosso Rafinha, que conta, segundo o speaker, 300 jogos de encarnado vestido, made in Luz, porque ainda teve uns quantos pelo Braga)

Finalmente, estou mais aliviado. Já não aguentava mais nenhum empate com este tipo de equipas, como sucedeu com o Casa Pia e o Farense. Esta época, o Benfica consegue fazer jogos num ritmo sonambúlico, mas que permite, paradoxalmente, pelos sucessivos calafrios causados pelos ataques adversários (de qualquer um), manter-nos sempre activos, na expectativa… de um desastre… ou de uma alegria. Rafa lá consegue garantir-nos descanso ao minuto 85… espero…

(goloooooo. Musa!, aos 89 minutos…ai agora, quando isto está a acabar?!)

Enfim, ufa! Não está nada mal, afinal: 3-0 parece-me bem.

(e só não foi o quarto antes do apito final porque não calhou… ou, melhor dizendo, o Musa falhou escandalosamente na cara do guarda-redes)

E tu, que me dizes agora, Tiago? Valeu a pena?

Ai agora já não me dizes nada?

(…)

Tarde, mas ainda a tempo, porque ainda demora alinhavar o texto, escolher fotos, e editar tudo, e enquanto os suplentes não utilizados andam ali a correr no relvado, com as bancadas vazias e o Paulo Gonzo aos berros nos altifalantes, responde-me o Tiago:

“Nunca fico satisfeito com serviços mínimos, mas agrada-me ver o Rafa no papel de herói. Há cinco anos que o ataque depende das arrancadas dele e, enfim, se precisa de 10 oportunidades para concretizar uma… paciência. Se a eficácia fosse outra, nunca teria cumprido 300 jogos (hoje) de águia ao peito [porque seria contratado por um ‘tubarão europeu’, digo eu] . Agora satisfeito, mesmo satisfeito, era se hoje tivesse sido a despedida do João Mário e do Jurasek”.

És terrível, Tiago, és terrível. Se estivesses aqui no meu lugar, já te tinham posto estricnina na baguete…


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