Cheira a fim de uma era no jornalismo português. O despedimento colectivo anunciado pelo Grupo Global Media (dono do Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF e Dinheiro Vivo) será, talvez, o capítulo mais recente, mas não deverá ser o último.
Não é de facto fácil entender como é que os jornais sobrevivem. Comecemos pelo princípio elementar: quem é que lê?
No terceiro trimestre de 2023, o Correio da Manhã, habitual ‘escorredor de sangue’, era o jornal mais comprado em banca com uma média diária de 40.391 exemplares. Há cinco anos, no mesmo período, vendia por dia 83.898 exemplares em banca. São dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT) e mostra a evolução do jornal português com mais leitores diários. Ou seja, actualmente, o diário mais lido pelos portugueses, em papel, é comprado por 0,4% da população!
Outros países com títulos de referência começaram a abandonar a versão de papel e a adaptar-se às novas plataformas. Novos conteúdos, espaço para o multimédia, o papel a dar lugar a smartphones, Ipads, ecrãs em carros, aviões, zonas públicas.
Temos informação mais dinâmica e necessidade de novos conteúdos 24 horas por dia. É o progresso, dizem.
Agora, aparentemente, já não é necessário ter jornalistas na rua à descoberta da notícia e, muito menos, alguém que as escreva correctamente. A Inteligência Artificial faz uma parte e os estagiários dão as marteladas finais. Deixamos de ter notícias e passamos a repetir histórias contadas por alguém. Com ou sem confirmação de fontes. Pouco importa, dali a 20 minutos já é velha.
Em Portugal, temos dois ou três grandes grupos de media a controlar toda a informação e, por isso mesmo, nunca conseguimos garantir a independência de tudo aquilo que nos é transmitido. Há sempre temas abafados, há sempre assuntos proibidos, há sempre investigações que conduzem a despedimento. Convém também dizer que os jornalistas, alguns pelo menos, tiveram a sua quota parte no que agora está a acontecer.
Alguns dos títulos que hoje despedem pessoas, e tentam mudar de vida, foram, em tempos, dos mais prestigiados em Portugal. Mas também foram os sítios onde alguns dos seus trabalhadores aceitaram ‘encomendas de notícias’ e passagem de informações falsas com o intuito de prejudicar pessoas ou instituições, levando, aos poucos, ao descrédito da própria publicação.
É comum ouvir-se, um pouco por todo o lado, que não devemos acreditar em tudo o que vemos na televisão ou lemos no jornal. Ora, quando eu era criança, ouvia exactamente o contrário: se o senhor X escreveu no jornal, então era verdade. Havia crédito na imprensa escrita.
Hoje, num mundo controlado por idiotas como o Elon Musk, deixamos de ter a capacidade de suportar o luxo do jornalismo independente e da busca da notícia pelo que a notícia tem para dar, em vez de quem esta poderá atingir.
Curiosamente, no cenário que se vai desenhando em Portugal, projectos como o do PÁGINA UM tornam-se absolutamente essenciais para a qualidade da democracia. Admito que seja um modelo difícil de manter porque, num país pobre, ter um jornal totalmente livre a ser financiado exclusivamente pelos leitores é uma autêntica epopeia.
Seria interessante, nos tempos cada vez mais controlados que se avizinham, que o PÁGINA UM continuasse a ter liberdade de investigar e informar. Infelizmente, isso não está neste momento garantido, porque o jornal, ainda por cima, tem todos os seus conteúdos abertos, para que os leitores possam também financiar o acesso daqueles que não tenham posses para contribuir.
Nunca saberei, nunca saberemos, até quando a ‘novidade’ de um projecto arrojado pode cair no esquecimento dos leitores. Apenas sei que só o apoio contínuo dos leitores pode contribuir para que 2024 demonstre que o jornalismo independente ainda é valorizado em Portugal Por mim, agradeço a todos os que estiveram, desse lado, durante já dois anos, a lerem-me no PÁGINA UM, mesmo se não concordassem comigo. A democracia é exactamente que se espraia neste jornal.
Um abraço e bom ano.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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